Fidel na testa e no coração
Havana - Durante as cerimônias fúnebres em homenagem ao Comandante Fidel Castro, morto na madrugada de sábado (26/11), emociono-me com uma multidão de 2 milhões de pessoas na Praça da Revolução, em Havana. No meio dessa gente, chefes de Estado de países dos cinco continentes, com os quais tive a honra de ser o único jornalista brasileiro convidado a estar entre eles nas quase cinco horas dos funerais.
Valter Xéu*
Estiveram presentes governantes da China, Grécia, Venezuela, África do Sul, Equador, Bolívia, Argélia e outros, além de ilustres brasileiros, como Frei Betto, Marilia Guimarães e José Serra, que veio representando o governo brasileiro, mas não ficou no espaço reservado aos chefes de Estado e convidados especiais.
Encerrado o evento, retornamos ao hotel, onde jantei com os atores estadunidenses amigos de Cuba Danny Glover, que me disse ser casado com uma brasileira, e James Counts Early. Emendamos um papo que se prolongou até as duas da madrugada de quarta-feira (30). Na quinta-feira encontrei alguns amigos cubanos, como Jorge Ferreira, que foi do Comitê Central do Partido Comunista e conselheiro da embaixada de Cuba no Brasil. Figura conhecida e querida de muitos brasileiros. Também estive com Jorge Lezcano, que foi secretário de Fidel por dez anos, mas começou a vida política ao lado de Che.
Apesar da morte de Fidel, não encontrei Cuba diferente daquela que sempre vi em outras viagens para cá. As crianças uniformizadas caminhando para escolas. Sorriam. Mas era um sorriso diferente, que deixava transparecer o sentimento por Fidel, como bem frisou Candida Concepcion Hernandez, engenheira de alimentos, a quem perguntei o que representava Fidel para os cubanos. "Tudo! Nos deu dignidade e força para resistir às pressões exercidas pelos Estados Unidos e que tanto mal fez ao nosso país e ao nosso povo".
Entre a multidão que comparecia diariamente à Praça da Revolução, sob o olhar das esculturas de ferro do rosto de Che e de Camillo, em prédios situados em frente ao monumento dedicado a José Marti, uma repórter viu na fila, com seus familiares, uma criança de aproximadamente cinco anos com o nome "Fidel" pintado na testa. "Pintei na minha testa, pois não posso rasgar o meu coração para escrever o nome de Fidel dentro dele".
É logico que com o desaparecimento físico de Fidel, muitos acreditam que haverá mudanças em Cuba, que o país vai se jogar nos braços dos Estados Unidos etc.
Quem espera isso continuará sempre esperando e estará completamente enganado com a realidade cubana. Depois de mais de meio século sofrendo um dos mais brutais bloqueios da humanidade, o povo cubano soube resistir e todos conhecem bastante o sofrimento e o estrago que isso causou à Ilha. Nenhum cubano esquece isso, mesmo os que vão tentar a vida em Miami, que está bem pertinho daqui.
*Valter Xéu é jornalista e editor do portal Pátria Latina e esteve em Havana presente as homenagens póstumas a Fidel como convidado do governo cubano.