Snowden, o novo herói americano

Snowden, o novo herói americano

O último filme de Oliver Stone, Snowden, (no Brasil, os tradutores acrescentaram um subtítulo - Herói ou Traidor - talvez duvidando que os brasileiros soubessem quem é o tal Snowden) é mais um produto típico de Hollywood, onde o mundo se divide em mocinhos e bandidos.

No filme, Snowden é o mocinho e a Agência Nacional de Segurança (NSA), a CIA e até o presidente Barak Obama formam no time dos bandidos.

Stone, que tem a seu crédito uma série de filmes americanos de denúncia política, entre os quais Salvador, o Martírio de um Povo, Nascido a 4 de Julho, Platoon, The Doors, JFK, a Pergunta que não quer Calar, Nixon, Assassinos por Natureza e Walt Street, o Dinheiro Nunca Dorme, é um produto típico da esquerda liberal americana.

Ele não denuncia o sistema, ele denuncia as pessoas que manipulam o sistema, por isso seus filmes deixam a sensação que ele fica sempre pelo meio do caminho na sua crítica.

Em Snowden, Oliver Stone avisa na abertura do filme, que se trata da dramatização de fatos reais. Deve ter sido essa mistura que fez ele perder o controle do filme.

A caracterização que ele faz do personagem, vivido pelo ótimo ator, Joseph Gordon-Levitt, inclusive muito parecido fisicamente com Edward Snowden real, é de um verdadeiro patriota, que considera os Estados Unidos o melhor país do mundo e que só decide divulgar os segredos da espionagem americana, quando descobre que ele e sua mulher também estão sendo vigiados.

Até então, ele não só aceita, como também ajuda, com o seu imenso talento para a área de computação, na vigilância que os serviços americanos promovem no mundo inteiro, mesmo quando assiste o que os drones fazem nos "países que dão abrigo a terroristas" a centenas de quilômetros de distância, através da televisão ou ouve um dos seus companheiros contar como explodiram uma escola numa aldeia árabe, onde se imaginava que o inimigo estivesse escondido.

Nesse roteiro mal costurado, em determinado momento, Stone rompe a narrativa dramática para explicar de forma quase documental para que serve toda espionagem.

É como se o diretor parasse com a dramatização do fato real, que ele avisou que seria a linha do filme e usando inclusive imagens de documentários, passasse a explicar para o expectador o que realmente estava ocorrendo.

"Olha o negócio é o seguinte. Toda essa espionagem serve aos interesses imperialistas americanos e a tal defesa da democracia é conversa fiada. O que queremos mesmo é defender nossos negócios no mundo inteiro e os principais inimigos hoje são a China, a Rússia e o Irã. Mas como nunca se sabe exatamente de onde vem o perigo, nós espionamos todo o mundo, inclusive os próprios cidadãos americanos"

Esse intervalo, tem uma curiosidade para nós brasileiros. Enquanto o narrador descreve as maldades do NSA, aparecem imagens dos alvos da espionagem americana, entre eles a Presidente Dilma e a Petrobrás.

Dado o recado, Stone volta ao seu filme, onde não faltam amores incompreendidos, boas amizades e aquele inevitável sentimento de patriotismo que sempre faz parte dos chamados filmes políticos americanos, narrados em vários flashbacks.

No presente, a ação se passa no Hotel Mira, em Hong Kong, onde Snowden está refugiado e negocia com a produtora independente de documentários, Laura Poity e os jornalistas do jornal inglês The Guardian, Ewen Nac Askill e Glenn Greewald, a publicação do primeiro capítulo das denúncias, vivendo sob a tensão de a qualquer momento ser descoberto pelos serviços secretos americanos já no encalço deSnowden.

Posteriormente Laura produziu também um documentário sobre Snowden, chamado Cidadão Quatro (possivelmente parodiando o filme Cidadão Kane, de Orson Welles sobre um magnata do jornalismo americano) e acabou sendo premiado com o Oscar de melhor filme documentário.

Todas essas peripécias que vivem o herói seriam melhor compreendidas, se Stone tivesse trabalhado com um roteiro melhor. O assunto parece que era extenso demais para caber dentro do tempo fílmico. Os personagens, salvo em alguns momentos o próprio Snowden, são pouco convincentes, caso da caracterização de Nicolas Cage, de um cientista relegado ao ostracismo por divergir de alguns métodos do Governo, que parece ter entrado no filme para que houvesse ao menos uma estrela para aumentar os ganhos de bilheteria

O grupo de hackers, mobilizado pela SNA para trabalhar na guerra contra o sistema de comunicação chinês é totalmente estereotipado. Alguém disse que, como são os jovens que dominam as novas tecnologias, Stone encheu as salas secretas de trabalho de nerds cabeludos e vestindo bermudas.  

Um amigo, que em determinado momento protege o segredo de Snowden, é um negro, porque isso é politicamente correto. Nunca falta também um jornalista disposto a enfrentar todos os perigos para que a verdade vença no final.
Enfim, tudo que a gente já viu em outros filmes da esquerda politicamente correta americana, da qual Stone é uma figura de destaque, está presente em Snowden, inclusive aquele quase happy end final, que serve de consolo para todos que acreditam que as boas intenções sempre acabam, de alguma maneira, vitoriosas.

Marino Boeira, jornalista, formado em História pela UFRGS (leia também no blogodomarinoboeira.sul21.com.br)

 


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Timothy Bancroft-Hinchey