A atenção do mundo está focada nos eventos no Iraque e na Síria. Talvez em menor extensão, mas também está focada na Líbia - país no qual o Estado Islâmico (EI) fortaleceu sua posição da cidadela de Sirte, cidade chave na Líbia a menos de 700 km de distância da ilha italiana da Sicília, que já está posta no centro da mira do grupo terrorista. A massiva Bacia de Sirte é o centro da indústria do petróleo da Líbia. Segundo relatório do Departamento de Energia dos EUA, cerca de 80% do óleo acessível da Líbia está localizado na bacia de Sirte.
Embora o EI não controle aquelas reservas, os militantes estão em posição privilegiada para interromper a produção ou para atacar e tentar assumir eles mesmos o controle dos recursos. A Líbia tem potencial para se tornar exportadora significativa para a Europa - potencial que desaparecerá, se o EI ocupar os campos de petróleo líbio. O país fornecia antes do golpe de 2011 11% do petróleo de que a Europa precisava (para efeito de comparação, a porcentagem em 2014 já caíra para 3,4%). Nos últimos meses de 2015, o EI tentou várias vezes destruir as estações de bombeamento e outras instalações em Mabruk, Dahra, Ghani, Bahi e outros pontos.
O objetivo, como o relatório do International Crisis Group observa, não é "tomar os campos, mas interromper a linha de abastecimento vital da economia, para enfraquecer o estado e, por extensão, enfraquecer também países europeus que dependem pesadamente do petróleo líbio".
A Líbia tampouco tem muitos consumidores fora da Europa para o seu petróleo. 85% do petróleo do país era exportado para a Europa em 2014, e metade das exportações de gás natural líbio iam diretamente para a Itália, segundo artigo publicado pelo The Wall Street Journal.
O EI ameaçou usar suas instalações na Líbia para atacar a segurança e o bem-estar econômico da Europa.
O grupo expandiu-se em Sirte sem alarde, absorvendo jihadistas do grupo Ansar al-Sharia associado à al-Qaeda. Depois de incorporar combatentes locais, o grupo pôs-se rapidamente a expandir-se para fora de Sirte, rumo ao restante da região circundante. Aproximadamente 200 quilômetros de território ao longo do litoral da Líbia já está sob controle de facto do EI. A consolidação do território em Sirte dá ao grupo um pé de apoio muito próximo da Europa - e próximo também de vários estados vizinhos potencialmente frágeis.
"A Líbia é o afiliado que mais nos preocupa", disse Patrick Prior, principal analistas de contraterrorismo da Agência de Inteligência da Defesa, como noticiou o The New York Times. "É o centro a partir do qual eles se projetam para todo o Norte da África".
Verdade é que o Estado Islâmico não é movimento de massas na Líbia, cuja sociedade é baseada na estrutura tribal do país. As pessoas são em grande medida imunes a convocações para criar algum califato ou unir-se a califato existente e opõem-se a ininterrupta chegada de voluntários estrangeiros. Fluxos de recrutas e combatentes estrangeiros da Tunísia, Sudão, Iêmen e Nigéria não param de chegar para alistar-se nas fileiras do ramo líbio do EI.
O EI explorou as lutas internas entre milícias rivais e governos na Líbia para tomar Sirte, em junho. Nesse momento, o grupo tenta expandir sua zona de influência para Ajdabiya. A possível perda de Ajdabiya será grande desastre para a Líbia, cortando acesso a portos de petróleo e a campos de gás que geram eletricidade. Há formações de militantes lutando também em algumas áreas de Benghazi e Derna. A Tunísia fechou a fronteira com a Líbia e proibiu que aviões líbios pousem na capital, temendo ataques suicidas.
"O que mais preocupa é se o comando do ISIS decide mover-se e jogar mais recursos, pode ser muito pior", declarou Frederic Wehrey, analista da ONG Carnegie Endowment for International Peace, ao jornal USA Today. Wehrey disseque os militantes do ISIS parecem estar pressionando em direção sul e leste de Sirte, para controlar instalações na área.
Patrick Johnston, analista de contraterrorismo na RAND Corporation, também disse a USA Today (30/11/2015) que "a Líbia é agora, provavelmente, a região mais significativamente ameaçada de converter-se em santuário" para o EI.
Com o EI enfrentando crescente pressão em casa, muitos combatentes estão retornando à Líbia. O grupo pode estar-se preparando para usar o front líbio como base de retorno e apoio no caso de derrota no Iraque e Síria. Sirte pode converter-se em nova base de operações para os altos comandantes do Estado Islâmico, se o grupo for realmente expulso de Síria e Iraque. O Estado Islâmico absolutamente jamais será totalmente derrotado até que seja erradicado das novas zonas da Líbia que passou a controlar.
O EI tem algo entre 2 mil e 3 mil homens na Líbia e já mostrou a intenção de controlar mais território nesse país de excepcional localização estratégica no norte da África - mas é apenas um dos atores, dentre várias facções em guerra, dizem especialistas da ONU, em relatório divulgado dia 2/12/2015.
Especialistas que monitoram as sanções da ONU contra al-Qaeda e grupos surgidos de suas fileiras dizem no relatório ao Conselho de Segurança da ONU que os grupos 'secundários', que brotaram da al-Qaeda beneficiam-se do "apelo" e notoriedade de que o grupo goza no Iraque e na Síria, e estão convertidos em "ameaça muito evidente, de curto e de longo prazo, na Líbia".
O relatório diz que há preocupação com o crescimento do Estado Islâmico na Líbia, dada a localização estratégica do país no Mediterrâneo, e a função que tem como porto de passagem no Norte da África. Mais território não só capacitará o Estado Islâmico e outros grupos ligados à al-Qaeda a influenciar cada vez mais os conflitos hoje já em andamento no Norte da África e no Sahel, mas também dará aos extremistas um novo local de apoio fora do Oriente Médio, dizem aqueles especialistas.
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Sinos de alarme sobre a expansão dos terroristas na Líbia soaram durante todo o ano. No verão, a Alta Representante da União Europeia, Federica Mogherini,alertava: "Na Líbia, há mistura perfeita, pronta a explodir. E se explodir, a explosão estará ao pé da porta da Europa".
O ministro de Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, disse a uma revista francesa, esse mês, que "Estamos vendo jihadistas estrangeiros chegando à região de Sirte, os quais, se nossas operações na Síria e no Iraque forem bem-sucedidas e reduzirem o alcance territorial do ISIS, podem vir a ser ainda mais numerosos ".
Dia 11/12, o primeiro-ministro francês Manuel Valls, requereu que mais esforços internacionais para esmagar o ISIL sejam estendidos até a Líbia. "Estamos em guerra. Temos um inimigo a ser combatido e esmagado na Síria, no Iraque e em breve também na Líbia" - disse ele.
Em novembro, militares dos EUA atacaram Derna, para assassinar um destacado comandante do Estado Islâmico.
Mas esse tipo de ataques pontuais têm fracassado em conter a expansão do grupo. Além de drones e aviões espiões, os EUA têm bombardeiros e unidades da Marinha de transporte de helicópteros estacionados na Espanha e na Itália. Mais drones norte-americanos de duas bases em Niger, que dão orientação a grupo de 3 mil paraquedistas franceses (Operação Barkhane) no sul da fronteira líbia, contra comboios de jihadistas que saem do país.
A Grã-Bretanha pode lançar ação militar na Líbia para impedir que o Estado Islâmico estabeleça nova fortaleza na costa mediterrânea, da qual poderá atacar a Europa. Como noticia o Telegraph, perguntada se a Líbia poderia ser o próximo alvo de uma intervenção militar britânica, fonte do governo disse: "As coisas estão caminhando nessa direção. Estamos dando um passo de cada vez."
Os aviões britânicos de combate Tornado e Typhoon têm alcance de combate para atacar dentro da Líbia, como o porta-aviões francês Charles de Gaulle e mais uma dúzia de navios de guerra europeus que estão no litoral da Líbia.
"A Itália está trabalhando para unir toda a comunidade internacional com vistas a construir um movimento decisivo" na direção de montar-se um acordo político que leve a um governo de unidade na Líbia, disse no Senado o ministro de Relações Exteriores Paolo Gentiloni
A Rússia tem hoje impressionante presença naval no Mediterrâneo, com capacidade para lançar mísseis cruzadores de longa distância contra alvos em terra.
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Dia 16/12/2015, os parlamentos rivais que disputam a hegemonia na Líbiaassinarão um acordo patrocinado pela ONU com vistas à formação de um governo de unidade nacional.
Funcionário do parlamento internacionalmente reconhecido, Mohammed Choueib, disse que o acordo pode ser assinado no Marrocos, onde se realizaram muitas das conversações negociadas durante um ano pelo enviado da ONU Leon Bernardino, e que levaram ao acordo apresentado em outubro. Nos termos desse acordo negociado pela ONU, a Líbia passaria a ser governada por um conselho presidencial de nove membros: um primeiro-ministro, cinco vice-primeiros-ministros e três ministros senior.
A Líbia, país riquíssimo em petróleo, está sob dois governos rivais desde agosto de 2014, quando uma aliança de milícias apoiada por combatentes islamistas saqueou Trípoli, forçando o governo oficialmente reconhecido a refugiar-se no leste do país.
O anúncio surgiu imediatamente antes de os líderes mundiais se reunirem em Roma, dia 13/12, para tentar apressar a formação de um governo de unidade na Líbia. Da reunião participam representantes de Rússia, EUA, Grã-Bretanha, China, França, Alemanha, Espanha, Argélia, Chade, Marrocos, Niger, Qatar, Tunísia, Turquia e Emirados Árabes Unidos.
O novo governo nacional de unidade da Líbia servirá para requerer envolvimento militar, o que legalizaria qualquer intervenção no país. E a legalidade é condição chave, para lançar a operação.
O ex-deputado Republicano Ron Paul, pai do recém eleito presidente da Câmara de Representantes dos EUA senador Rand Paul, observou em artigo recente:
"A razão pela qual tanta gente está fugindo de locais como Síria, Líbia, Afeganistão e Iraque é que a política externa intervencionista dos EUA e europeus desestabilizou completamente esses países, além de qualquer esperança de recuperação econômica (...) Até nos casos em que conseguiram derrubar governos lá existentes, como no Iraque, a única coisa que construíram para substituir os regimes 'mudados' são países quase inabitáveis".
Acertou o martelo exatamente na cabeça do prego. É mais que hora de se construírem novas abordagens. É possível que a instituição de um governo de unidade nacional na Líbia e o esforço internacional a ser iniciado na Itália pode ser chance preciosa para corrigir erros passados e unirem-se todos em esforço para realmente enfrentar uma ameaça que cresce contra a sobrevivência de todos.
Há chances de derrotar o demônio, sem infringir legislação internacional, se realmente se construir esforço conjunto - OTAN, Rússia, estados árabes e outros atores. Pode ser organizado agora, a partir da Conferência de Roma. Há mínimas chances de sucesso, mas é preciso não deixar morrer a última esperança de que, afinal, a sabedoria prevalecerá. [Fato é que, se não prevalecer agora, não prevalecerá, com certeza absoluta depois, com a Hilária Clinton na presidência. Hilária é criadora do golpe contra Gaddafi, da preparação à comemoração; é belicista de primeira hora, é sionista empenhada e é odiadora profissional (de Gaddafi, que ela ajudou a assassinar, e de outros líderes árabes independentes). (NTs)] *****
13/12/2015, Andrei AKULOV, Strategic Culture Foundation
Conferência de Roma, 2015 Artigo a ser lido depois de reler "Bem-vindos à 'democracia' líbia", Pepe Escobar, Asia Times Online,
(traduzido em redecastorphoto)