Das fundações da eurozona o espectro de um paradoxo espreita. Governos na união monetária não têm um banco central que lhes proteja a retaguarda, ao mesmo tempo em que o banco central que há não tem governo algum que lhe dê apoio.
Esse paradoxo não pode ser eliminado, sem mudanças institucionais fundamentais. Mas há passos que os estados membros podem dar para aliviar alguns dos seus efeitos negativos. Durante o tempo em que estive no Ministério das Finanças da Grécia, focado na carência crônica de liquidez de um setor público estressado e seu impacto sobre o já há muito tempo supliciado setor privado, nós analisamos um desses passos.
Na Grécia, onde o banco central não consegue dar apoio às empreitadas do Estado, os atrasos do governo para o setor privado - para empresas e para indivíduos - tem sido peso terrível sobre a economia, além das pressões deflacionárias já desde 2008. Esses atrasos excederam consistentemente 3% do PIB durante cinco anos.
O fenômeno é causa e consequência de atrasos no pagamento de impostos ao Estado, o que reforça o ciclo da iliquidez generalizada.
Contra essa dificuldade, nossa ideia simples foi permitir o cancelamento multilateral de atrasos entre o estado e o setor privado, usando a plataforma de pagamentos existente no setor de arrecadação. Contribuintes, individuais ou empresas, poderiam criar contas de reserva que seriam creditadas com os atrasos devidos a eles pelo Estado. E poderiam transferir créditos de sua conta de reserva ou para o Estado (para pagar impostos) ou para qualquer outra conta de reserva.
Suponha-se, por exemplo, que a Empresa tenha €1mi a receber do Estado; e que deva €30 mil a um empregado - plus outros €500 mil à Companhia B que lhe forneceu bens e serviços. O empregado e a Companhia B também devem ao Estado, respectivamente, €10 mil e €200 mil, em impostos. Nesse caso, o sistema proposto permitiria o imediato cancelamento de, pelo menos, €210 mil em atrasados.
Rapidamente, uma economia como a da Grécia adquiria importantes graus de liberdade dentro da união monetária europeia hoje existente. Numa segunda fase de desenvolvimento, que não tivemos tempo para considerar adequadamente, o sistema poderia ser disponibilizado por aplicativos para smartphone e cartões personalizados, garantindo-se que pudesse ser amplamente adotado.
O sistema de pagamentos assim concebido poderia ser desenvolvido para criar um substituto para mercados em pleno funcionamento da dívida pública, especialmente durante aperto de crédito como o que afligiu a Grécia desde 2010. Organizações ou indivíduos poderiam comprar créditos, online, do setor de arrecadação, usando suas contas bancárias normais, e somá-los às respectivas contas de reserva. Esses créditos poderiam ser usados depois de, digamos, um ano, para pagar impostos futuros com um desconto (por exemplo, de 10%).
Desde que o nível total de créditos de impostos fosse limitado a um teto, e completamente transparente, o resultado seria um aumento fiscalmente responsável na liquidez do governo, e via mais rápida de volta aos mercados de dinheiro.
Ao passar o comando do Ministério de Finanças ao meu amigo Euclides Tsakalotos, dia 6 de julho, apresentei levantamento geral dos projetos do ministério, prioridades e resultados dos meus cinco meses de trabalho naquele órgão. O novo sistema de pagamentos aqui esboçado foi item daquela apresentação. Nenhum jornalista ou veículo de imprensa prestou qualquer atenção.
Mas quando uma discussão subsequente por telefone com grande número de investidores internacionais organizada por meu amigo Norman Lamont e David Marsh do Official Monetary and Financial Institutions Forum , com sede em Londres, foi vazada - apesar da Regra de Chatham House ali vigente e acertada com os ouvintes, pela qual as pessoas que falassem não seriam identificadas -, a imprensa fez uma orgia. Comprometido com abertura sem limites e total transparência, dei permissão ao fórum OMFIF para distribuir as gravações.
Por mais que eu compreenda a excitação da imprensa sobre o que se disse naquela ocasião, a ponto de jornalistas servirem-se de métodos não ortodoxos para ter acesso aos sistemas do meu Ministério, só um assunto é significativo, do ponto de vista do interesse público. Há odiosa restrição à soberania nacional, imposta pela "troika" de credores, se os ministros gregos não têm acesso a departamentos dos próprios ministérios, que são crucialmente importantes para implementar políticas de inovação.
Quando dívidas oficiais insustentáveis geram perda de soberania, perda que, por sua vez, abre espaço para que se imponham políticas subótimas em nações já estressadas, logo se vê que há algo de podre no reino do euro. *****
1/8/2015, Yanis Varoufakis, Financial Times [só para assinantes] in Blog YVaroufakis