Os Estados Unidos se preocupam mais em buscar culpados no exterior do que em olhar para seus problemas internos e resolver sua própria crise.
Ariel Noyola Rodríguez*
Porto Rico - johnnyirizarryrojas / Flickr
Por todos os meios possíveis, os dirigentes políticos dos Estados Unidos pretendem invisibilizar a crise econômica diante de si, e para isso utilizam todos os meios possíveis. Há apenas algumas semanas a presidenta do Sistema de Reserva Federal (Fed), Janet Yellen, insistia que incremento da taxa de juros dos fundos federais (federal funds rate) se daria somente durante o ano atual (tightening). Agora, tudo parece indicar que não será antes do primeiro trimestre de 2016, quando o Fed começar a fechar a chave da liquidez global.
A queda dos preços (deflação) – consequência da queda da rentabilidade capitalista –, as baixíssimas expectativas de investimento, a volatilidade dos mercados financeiros, devido ao colapso econômico na Grécia e outros países mais castigados pela crise da Zona Euro, e a derrubada da bolsa de valores da China são fatores que, segundo Yellen, levam a adiar a decisão para o próximo ano.
É evidente que os Estados Unidos se preocupam mais em buscar culpados no exterior do que em olhar para seus problemas internos e resolver sua própria crise. A deterioração industrial em Silicon Valley, Detroit, Virginia ocidental, Mississipi e Alabama, assim como o atoleiro fiscal da ilha de Porto Rico são sinais sintomáticos da decadência econômica estadunidense, que embora tenham sido tratados de forma negligente por Washington nos últimos anos, passaram a ganhar mais atenção midiática recentemente.
O caso de Porto Rico é claramente o de maior notoriedade. Até mesmo figuras como Hillary Clinton, pré-candidata presidencial pelo Partido Democrata, tenta tirar vantagens eleitorais se referindo à crise que, segundo ela, deve ser resolvida urgentemente, através do apoio solidário da chamada União Americana.
A ilha de Porto Rico se afunda num mar de dívidas há quase 10 anos. Recentemente, ela chegou à cifra aproximada de 70 bilhões de dólares, o que equivale a mais de 100% do seu produto interno bruto (PIB).
Quais são as causas que explicam esse alto nível de endividamento? Apesar de ser um centro turístico de prestígio mundial, o que historicamente mantém a economia de Porto Rico é a atividade manufatureira, especialmente a ligada à indústria farmacêutica. Entretanto, o protagonismo porto-riquenho nesse setor começou a diminuir quando seus concorrentes da Ásia e do Leste Europeu aumentaram sua produtividade e seu desenvolvimento científico, desde os Anos 60.
Já na década seguinte, as crises petroleiras provocadas pela Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) levaram os Estados Unidos obrigaram a ilha a aplicar regras fiscais que permitissem incrementar a rentabilidade das empresas estadunidenses. Dessa forma, a partir de 1976, as corporações multinacionais instaladas na ilha passaram a ter isenção de impostos sobre seus benefícios econômicos, situação que marcou o começo de sua debilidade fiscal.
A globalização capitalista durante os Anos 90 terminou de enterrar as manufaturas do país. O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) precipitou a saída massiva de capitais em direção ao México e ao Canadá, países que, em comparação com Porto Rico, se mostraram dispostos a entregar maiores condições de exploração aos capitalistas norte-americanos: diminuição dos impostos, congelamento dos salários, desregulação ambiental, etc.
De forma paulatina, a economia porto-riquenha começou seu longo declínio. Para piorar, logo no início do Século XXI, a ilha atravessou uma grave crise imobiliária, fruto da desregulação estatal – sem contar os efeitos da entrada da China na Organização Mundial de Comércio (OMC), em 2001, acontecimento que acabou de vez com a competitividade da atividade produtiva da ilha caribenha.
Em 2006, com a agonia devido à desaceleração do crescimento do PIB, o governo de Porto Rico decidiu finalmente eliminar o sistema as isenções fiscais. Não obstante, a cura acabou sendo pior que a doença. Nesse mesmo ano, a economia afundou de vez na recessão. Desde então, o país se transformou em vítima de uma crise fiscal de enormes proporções, fruto do fechamento de empresas como a da emigração massiva de pessoas aos Estados Unidos “continental”, em busca de melhores oportunidades.
O desemprego em Porto Rico já é alarmante. Atualmente, se mantém na faixa dos 14%, quase três vezes maior que a média histórica nacional (5.5%). Com poucas perspectivas, cerca de 50 mil pessoas deixam a ilha todos os anos. A população atual é de apenas 3,5 milhões de habitantes, enquanto já são cerca de 5 milhões os porto-riquenhos quem vivem em território estadunidense (pelo menos um milhão deles estão no estado da Flórida). Não há dúvidas de que são cada vez menos os que acreditam num futuro promissor para o país.
Diante da derrubada da economia e a menor captação de impostos, o governo de Porto Rico optou – de maneira equivocada – por incrementá-los, diminuir o gasto público e aumentar as emissões de bonos. É evidente que seria impossível manter essa estratégia de forma indefinida. As medidas só contribuíram para aumentar a dívida, soterrar a economia e contrair ainda mais os recursos a disposição do governo.
Depois da bancarrota de Detroit, os investidores se desprenderam dos títulos municipais, com isso, os riscos relativos aos bonos de Porto Rico aumentaram, limitando severamente seu acesso aos mercados de crédito.
Mesmo que, nos últimos meses, as autoridades tenham demandado uma reestruturação da dívida, nada indica até agora que ela realmente acontecerá. Por trás da negativa da Casa Branca, se encontram os interesses econômicos de poderosos fundos de investimentos (Franklin Templeton, Oppenheimer Funds, etc), que se dedicam a colocar governos contra a parede através da especulação financeira – conhecidos pelo nome de fundos abutre.
Entre 2006 e 2013, a ilha emitiu mais de 60 bilhões de dólares em bonos, os mesmos que derivaram em cerca de 1,5 bilhão de dólares em honorários para os banqueiros de Wall Street e um grande negócio para os despachos de advogados que defendem a cobrança de dívidas fraudulentas.
Em resumo, a fraternidade do governo estadunidense tem sido bem pouco útil a Porto Rico, já que existe mais disposição em defender os lucros dos banqueiros que em apoiar o alívio da dívida e a recuperação econômica em seus municípios mais castigados pela crise.
*Ariel Noyola Rodríguez é economista, formado pela Universidade Nacional Autônoma do México. Contato: noyolara@gmail.com. Twitter: @noyola_ariel.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Porto Rico - johnnyirizarryrojas / Flickr
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