Pessoalmente, como a maioria de vocês, sempre pensei que a Alemanha, além de outros talentos, bons ou maus, seria nação de cálculo e contabilidades confiáveis. Gründlichkeit [al. no orig. "perfeição"]. E que sabiam uma ou duas coisinhas de psicologia. Pois estava errado.
Os alemães acabam de cometer o maior erro em muito tempo (coisa de 75 anos), num fim de semana. Que só o que tivessem para levar à mesa de negociações fosse provocação, agressão, força bruta, talvez nem deva surpreender ninguém. Mas o retumbante fracasso sim, talvez ainda surpreenda.
Para começar, lembro aqui o que Yanis Varoufakis disse a New Statesman, em entrevista publicada hoje (ing ., port. Tlaxcala ), porque é crucial para o que aconteceu nesse fim de semana. Varoufakis está falando sobre o quanto tentou que se aprovasse um plano para moeda alternativa na Grécia, em vez de ceder à Troika. Mas Tsipras recusou. E Yanis compreende por quê:
[Varoufakis não pode garantir que uma Grexit funcione (...) E sabe que "Tsipras sente que tem uma obrigação com o povo que o apoia, que nos apoia, para impedir que esse país seja convertido em estado fracassado."
O que isso significa é que Tsipras ouviu diretamente da Troika com portas fechadas, dito bem cruamente: "vamos matar vocês". Tsipras não tinha saída, não podia recusar. E Tsipras não podia assumir sozinho as consequências de rejeitar o mau acordo, mesmo que o acordo agora proposto talvez seja o pior, no médio prazo e no longo prazo; mesmo que o acordo custe a Tsipras a própria carreira.
É sempre muito fácil criticar o homem, mas a crítica é ainda mais fácil quando vem de gente que jamais enfrentou ou enfrentará situação semelhante. Varoufakis compreende e quase deixa subentendido nas entrelinhas que, se fosse ele, também pensaria duas vezes antes de rejeitar o acordo, se estivesse na posição de Tsipras.
Não é grande a distância que separa Schäuble e a União Europeia das cinco famílias que governam (governavam?!) New York City. Se quiser prova disso, venha a Atenas e visite as áreas devastadas da cidade. Alemanha e a Troika são cruéis como a Máfia. Na verdade, são piores que a Máfia.
Minha ideia é que a atitude e as decisões dos alemães vão custar-lhes caro. Sairão pela culatra. Ninguém pode governar desse jeito uma união política e monetária. E só doidos tentariam.
A estrutura da UE, ela própria, já garante que a Alemanha sempre sairá por cima. Mas só conseguirão manter essa situação se souberem ceder e, sobretudo, se souberem ser justos e equilibrados, e admitirem que outros países também colham os benefícios da união (ou partilhem o butim).
Para saber como a coisa funciona, aprendam de Marlon Brando/Don Corleone, quando fala aos capi das cinco famílias, emO Poderoso Chefão. Você tem de saber o que fazer para, como ele diz, "manter o passo". Ele é aceito como chefão, precisamente porque os demais capi entendem que ele sabe como "manter o passo".
Os alemães mostraram que não sabem. E, daí, a previsão: para eles, daqui em diante, será ladeira abaixo. O período de (relativa) força econômica da Alemanha acabou semana passada. Daqui em diante, cada dia mais, se verão as falhas da economia alemã, as fissuras. Para quem queira manter-se como capo di capi, a primeira regra é o equilíbrio: você tem de ser visto como justo. Ou ninguém confiará em você. E sem a confiança dos demais, nenhum capo dura muito tempo. Não é difícil entender.
A Alemanha nunca mais encontrará acordo tão bom para a própria Alemanha, quanto foi a União Europeia. Foi o melhor acordo de todos os tempos. E agora... os próprios alemães o fizeram voar pelos ares. Não podem culpar ninguém, além deles mesmos, Merkel, Schäuble. De fato, a metáfora do Poderoso Chefão é ótima, e em mais de um sentido. Schäuble nunca poderia ser capo di tutti capi, porque ninguém jamais confiaria nele para essa função. Porque não é equilibrado. Porque não é moderado. Mas tenta fazer-se passar por tudo isso. Erro crasso.
O povo aqui na Grécia está sendo forçado a pagar, anos a fio, por algo do qual nunca foram parte, e do qual nada aproveitaram.Todos os ganhos, todos os lucros foram para os bolsos de uma elite corrupta. E se há coisa que Don Corleone pode ensinar é que esse é péssimo modelo de negócios. Porque leva à guerra, a gente sendo morta, a desassossego, e tudo isso é péssimo para os negócios.
Tenho de confessar que imaginava que Merkel & Schäuble fossem mais espertos. Não são. Hoje isso já está escancaradamente óbvio. Não importa o que aconteça depois, acordo sim ou acordo não, que ninguém se deixe enganar pelas manchetes e 'notícias'. A verdade é que hoje a Alemanha perdeu.
Não se trata só de Grécia, trata-se de toda a União Europeia. ATroika supõe que se meter medo em toda a periferia, para paralisá-la, seu poder aumenta. Pensam até que o assalto que fizeram contra a Grécia funcionará também contra a França. Pois que tentem. Em breve estarão enfrentando Marine Le Pen e Podemos e M5S, e a conversa alemã não funcionará com essa gente.
O ponto central aqui, me parece, é que Don Corleone não foi psicopata ou sociopata - muito mais do que se pode dizer de Schäuble e Dijsselbloem e Juncker e a camarilha deles. Essa gente simplesmente não tem as competências mínimas para liderar qualquer organização, porque só entendem de violência e força - e não basta. Por mais que a força bruta lhes parecesse tentadora, decisiva, atraente, no fim, ela será a desgraça dessa gente.
Tenho certeza de que a maioria deles assistiram aos filmes d'O Poderoso Chefão, mas não entenderam coisa alguma.
A Alemanha acaba de matar a galinha dos ovos de ouro. E matar a galinha dos ovos de ouro é sempre ação muito estúpida.
Tsipras, obviamente, não pode falar das ameaças que está recebendo, mas deixou escapar alguns sinais, hoje cedo:
• "Assumimos a responsabilidade pela decisão de evitar planos os mais extremos, dos círculos conservadores na Europa."
• "Prometo que, com a mesma força com que lutamos aqui, lutaremos agora em casa, para pôr fim à oligarquia que nos reduziu ao estado em que estamos hoje."
• "Resistimos contra ameaças para transferir ao exterior patrimônio do estado grego e para evitar colapso bancário que havia sido meticulosamente planejado."
• "... [tomamos a decisão] de abortar os planos dos círculos mais extremistas da Europa."
Italianos, espanhóis e franceses anotaram cada uma dessas palavras, e muito mais. A Europa está acabada. Tudo que aconteça daqui em diante são espasmos do cadáver. *****
13/7/2015, Tyler Durden , Zero Hedge (Submitted by Raul Ilargi Meijer )