Faltando menos de duas semanas para um possível acordo nuclear entre o Irã e o P5+1, a arriscada diplomacia que opera nesse "deserto de espelhos" [orig. "wilderness of mirrors"] que é a inteligência sobre o Oriente Médio chega a picos sem precedentes de atividade febril. E nada é o que parece ser.
É claro que muito que hoje depende desse acordo nuclear com o Irã tem a ver com o Oleogasodutostão. O Irã, assumindo-se que as sanções entrem rapidamente em colapso, poderá afinal vender gás natural à União Europeia - fazendo, teoricamente, concorrência à Gazprom; mas demorará muito, até que a arruinada infraestrutura iraniana seja recuperada.
E há também o futuro do proposto gasoduto chave Irã-Iraque-Síria, de $10 bilhões - rival de um projeto do Qatar. É fácil identificar os que não querem saber de Iraque estável, capaz de implantar gasodutos por todo o próprio território. O Qatar jacta-se de ter mais gás (que possa ser entregue) - e melhor infraestrutura que o Irã. A viabilidade de construir dutos desde o Qatar, via Arábia Saudita, Jordânia e Líbano já foi estudada. Se Teerã quer resultados rápidos, muito melhor negócio será exportar diretamente para a União Europeia (UE), via a Turquia, do que atravessando Iraque e Síria.
Quanto ao hegemon, as coisas eram muito mais fáceis antes da [operação] Choque e Pavor em 2003. Naquele momento, Washington era dona do mundo; era marchar e ocupar (e destruir) o que quisesse. Disso, afinal, tratava a Dominação de Pleno Espectro. Durou apenas uma fração (histórica) de segundo.
Agora, o autodescrito governo de "Não faça merda coisa estúpida" [orig. "Don't Do Stupid Stuff"] de Obama praticamente já quase nem se qualifica, sequer, como espelho quebrado, naquele deserto de espelhos.
Aremos pois o deserto do "Siriaque"
Funcionários da OTAN em Bruxelas parecem crer nos sunitas linha-duríssima treinados pelo Pentágono na província de Anbar para usarem armamento pesado e com esse armamento derrubarem o governo do ex-primeiro ministro al-Maliki em Bagdá - que vinha causando problemas a Washington. Mas fato é que o treinamento facilitou a posterior "fusão" desses sunitas com o ISIS/ISIL/Daesh.
O Pentágono - ou, pode-se dizer, de fato, a OTAN - poderia facilmente esmagar o falso Califato. Não esmagam, porque não querem. Muito melhor é deixar prosperar o caos, a perfeita tática de Dividir para Governar que tão bem serve aos suspeitos de sempre. Já arruinaram a Síria. Já arruinaram o Iraque. Os comboios de suprimentos para o ISIS/ISIL/Daesh partem da fronteira de OTAN e Turquia-Síria, protegidos pela Força Aérea turca; o que equivale a dizer que a OTAN - e a CIA - estão "apoiando" de fato o Califato fake. O Egito está falido. O Irã, quase quebrado. As coisas nunca estiveram tão bem para os suspeitos de sempre.
Agora, vamos até uma alta fonte na inteligência saudita para complicar ainda mais o imbróglio. Segundo aquela fonte, Palmyra foi "dada" ao ISIS/ISIL/Daesh na Síria, assim como cidades chaves na província de Anbar no Iraque: "O Daesh já não é segredo, e os EUA têm tanto interesse nele quanto no [ex-] eixo do mal."
O fato de que o ISIS/ISIL/Daesh, depois de cada vitória em campo, rapidamente incorpora para si grandes quantidades de armamento norte-americano muito avançado, cuja operação exige meses de treinamento intensivo, pode sem dúvida indicar que os capangas do Califa sim, foram adestrados por gente da inteligência ocidental.
Ao mesmo tempo, a fonte na inteligência saudita alimenta a fantasia de um Califato de duas cabeças: uma na Síria, ligada ao governo de Assad em Damasco - o que é perfeita tolice, porque o Califato, no Iraque, combate contra o Irã.
O presidente Barack Obama dos EUA, entrementes, procrastina: disse que oISIS/ISIL/Daesh pode ser derrotado, mas ao longo dos próximos três anos. Mais uma vez, como sempre, por que não deixar que viceje o caos?
Outra fonte na inteligência saudita está pelo que se poder ver muito desanimado: "Os EUA nunca permitirão mudança de regime" na Síria. Para esse agente, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) teria a função de "salvar a Síria", e ele culpa a CIA por"interferir na transferência de armas para o Exército Sírio Livre". No final, as petromonarquias do CCG "mudaram as rotas das entregas de armas, para evitar as obstruções da CIA." Quer dizer: atualmente, os islamistas linha-duríssima da Frente al-Nusra, estão, pode-se dizer, armados como melhor se recomenda.
A Casa de Saud continua obcecada com derrubar Assad (e "o exílio dele para um enclave que resultará da redivisão da Síria"). Seria golpe mortal contra o Hezbollah, combinado à divisão do Iraque "que dizimaria o sonho de Teerã de restabelecer o império farsi, que Obama ajuda obsessivamente."
Os sauditas também parecem crer na noção fantasiosa de que os sunitas na província de Anbar teriam descoberto que o ISIS/ISIL/Daesh é uma espécie de cover - alimentado simultaneamente pelo ocidente e pelo Irã - para "provocar disputas sectárias e acelerar a decisão por uma partição do país." Na verdade, a Casa de Saud não quer qualquer partição do "Siriaque." Quer dois regimes fantoches e total controle sobre eles. Para dizê-lo em termos suaves, Riad está bastante "frustrada" com as trapalhadas que já são marca registrada de Washington.
Nossa fórmula é caos, cada vez mais caos
Digam o que disserem os 'especialistas', o remapeamento do Oriente Médio pós-Sykes-Picot prossegue sem parar.
A Frente al-Nusra e o grupo Ahrar al-Sham - outro grupamento de jihadismo linha duríssima - continuam a ser integralmente armadas por Turquia, Arábia Saudita e Qatar. É coisa diretamente conectada ao proverbial "papel ativo" do novo capo da Casa de Saud, rei Salman. Assim se vê que Assad em Damasco enfrenta ataque em movimento de pinça: ISIS/ISIL/Daesh no leste, controlando pelo menos metade do país (OK, quase toda essa área é deserto); e Frente al-Nusra, controlando uma "coalizão jihadista de vontades" no norte e no centro. Quanto àquelas armas que o Pentágono forneceu aos incansavelmente elogiados e promovidos "rebeldes moderados", já foram todas absorvidas pela Frente al-Nusra.
Sabe-se que durante aquela reunião do dia 2 de junho, perfeita "coalizão de vontades" em Paris, co-patrocinada meio a meio por EUA e França para discutirISIS/ISIL/Daesh, houve uma discussão "secreta", de portas fechadas, na qual as petromonarquias do Golfo exploraram características que um acordo para a Síria teria de ter.
A Rússia também este muito ativa nesse front, especialmente com Arábia Saudita e Qatar, tentando conseguir que levassem seus respectivos grupos para a mesa de negociações.
O problema é que o CCG não se satisfaz com menos do que exílio para Assad - na Rússia ou no Irã. E Washington, como se poderia adivinhar, só aceita golpe: 'mudança de regime' light, a ser perpetrado por oficiais alawitas já familiarizados com a operação da máquina administrativa do estado sírio.
Nem uma nem outra ideia parece ser sequer remotamente exequível, uma vez que Arábia Saudita, Qatar e Turquia têm agendas muito profundamente diferentes e estão obcecadas com assegurar que os respectivos próprios e específicos rebeldes que recebem ordens de cada um desses estados, os rebeldes "deles" - de jihadistas linha super dura a falsos "moderados" - sejam as únicas e indiscutíveis futuras potências por ali.
E isso nos leva de volta para o possível acordo nuclear Irã/P5+1, dia 30 de junho. A Síria é moeda crucial de barganha discutida em salas fechadas. Mas no que tenha a ver com o Império do Caso - para nem falar das petromonarquias do Golfo - o melhor negócio é a situação atual, mutável, extremamente confusa: um "Siriaque" completamente enfraquecido, guerra em dois fronts, o Irã na defensiva, e o Califatofake impondo a partição em solo, como realidade consumada. *****
19/6/2015, Pepe Escobar, RT
http://rt.com/op-edge/268414-syria-iraq-iran-nuclear/