Na 4ª-feira à tarde, por 288 votos contra, 139 a favor, uma abstenção e cinco deputados ausentes (a relação dos votantes e respectivos votos está aqui), a Câmara de Deputados dos EUA derrubou proposta de resolução (H.Con.Res.55) que exigia que o presidente Obama:
"retire do Iraque e Síria todas as Forças Armadas para lá enviadas a partir do dia 7/8/2014 (inclusive), exceto as Forças Armadas necessárias para proteger instalações e pessoal diplomático dos EUA:
(1) imediatamente, em período que não excederá 30 dias da data em que for aprovada essa Resolução; ou
(2) no caso de o Presidente determinar que essa retirada não é segura antes do fim do período acima fixado, até data que não ultrapasse 31/12/2015, ou a qualquer momento antes disso, tão logo o Presidente determine que as Forças Armadas podem ser retiradas em segurança."
Embora alguns dos 139 votos que votaram a favor da retirada imediata tenham sido dados por Deputados em busca de uma chance para votar a favor de mais guerra nos próximos 30 dias ou nos próximos seis meses e meio, a maioria deles, pode-se presumir, foram votos de deputados que realmente são favoráveis à retirada ou querem aparecer frente à opinião pública como se o fossem, em votação que tinha mínima chance de ser bem-sucedida.
Há cerca de dois anos, o Congresso foi empurrado por pressão da opinião pública a manifestar-se sobre se aprovaria ou não ataque com mísseis contra a Síria. Desde então, sempre se recusou a aprovar ou negar aprovação a guerras, por mais que a omissão sempre implique permitir que os EUA iniciem guerras, continuem a fazer, mantenham ou escalem as guerras já em curso.
Sabe-se que votações a favor de guerras têm longa história de agradar muito aos ricos doadores de dinheiro para campanhas eleitorais, e de muito desagradar aos eleitores.
No debate da 4a-feira passada, a deputada Jackie Walorski, deixou claro que quer que a guerra continue, mas preserva-se o direito de denunciar o modo como foi e continua a ser completamente mal concebida. Essa foi a única serventia da votação: fazer os membros do Congresso mostrarem 'a cara', a favor ou contra, impedir que continuassem com um pé em cada canoa.
Pela atual configuração, 288 deputados estarão fora do Congresso na primeira oportunidade que haja para expulsá-los de lá e para, como aconteceu com Hillary Clinton em 2008 - e, esperemos, também no futuro - bloqueá-los na tentativa de alcançarem a presidência.
EVIDENTEMENTE, o presidente Obama já deixou bem claro que continuará suas guerras e sendo possível inventará outras, com ou sem o Congresso. Mas uma votação no Congresso a favor da retirada das tropas dos EUA e (se preciso) talvez mais uma votação, a favor de cortar os fundos com que Obama conta para suas guerras, e (se preciso) ainda mais outra votação a favor do impeachment de Obama seriam, no mínimo, bem interessantes.
A proposta da resolução antiguerra derrubada na 4a-feira foi apresentada pelos Republicanos Jim McGovern, Barbara Lee e Walter Jones, nos termos da Resolução para Poderes de Guerra, que permite que qualquer deputado ou senador inicie debate e votação sobre qualquer guerra que qualquer presidente dos EUA inicie sem autorização legal. Mas o senador McGovern preferiu não usar o debate parlamentar que ele próprio forçou, na direção em que o usou o então Congressista Dennis Kucinich, a saber, como debate parlamentar PARA PÔR FIM a alguma guerra.
Em vez disso, McGovern circunscreveu o debate: os congressistas só debateram se havia questão a debater.
Assim aconteceu que, durante duas horas, na 4a-feira, defensores e propagandistas das guerras dos EUA falaram longamente, apaixonadamente, gerando e incendiando cada vez mais medo entre os cidadãos e , portanto, a favor de cada vez mais e mais guerras. E os que pregavam que seria preciso discutir mais só fizeram pregar que se usasse corretamente a lei dos Poderes de Guerra... para gerar debates e mais debates... sobre leis, não sobre a paz.
EVIDENTEMENTE, os dois lados sabiam que a resolução que estava sendo 'debatida' tinha mínimas chances de ser aprovada, o que implica dizer que o debate sobre a possibilidade de debater era a única possibilidade real de haver algum debate, mesmo que fingido.
Mas McGovern já planejara fazer debate exclusivamente defensivo. Argumentou que as asserções dos adversários da retirada dos soldados, segundo as quais a proposta exigiria imediata retirada em 30 dias, omitiam a evidência de que o presidente poderia optar, "se bem entendesse", por retirada só ao final do ano.
Mas, como qualquer um pode ler no trecho acima citado, o projeto de lei jamais falou de "se o presidente bem entender". O que se lê lá é "no caso de o Presidente determinar que essa retirada não é segura". McGovern deu a impressão de estar perfeitamente consciente do absurdo incluído em seu próprio projeto de lei: em todos os casos, decisão que JAMAIS é ou será "segura" é a decisão de mandar soldados à guerra, ou de fazê-los permanecer em guerra. Mas McGovern fingiu que estaria deixando a Obama a alternativa de fingir que nada seria exatamente assim: a retirada passaria a ser automaticamente 'segura', se Obama "bem entendesse".
Muitos adversários da resolução pró-retirada, apenas fingiram que defendiam a retirada. De fato, o argumento de muitos foi (1) retirada, sim; e (2) mais guerra, para proteger os soldados". E um dos que se opunham à resolução, Brad Sherman, argumentou que a resolução obrigaria a imediata retirada dos soldados em 30 dias, o que seria péssimo, porque estão vencendo a guerra e não estão absolutamente em perigo.
O debate só ganhou coerência e significado relevantes quando quatro deputados falaram contra a guerra. Um deles, em especial, falou contra a guerra com paixão e inteligência: John Lewis. Disse que o povo "está enojado, cansado de guerra" e que a guerra só torna as coisas sempre mais difíceis. "Nenhuma arma jamais deterá o terrorismo. Não há bombardeio que mate o ódio." Pedi ao seu gabinete que enviasse o texto de seu discurso. Todos podem procurá-lo, durante a semana, no website de Lewis.
Os outros que também falaram contra a guerra foram Barbara Lee, muito rapidamente; Rick Nolan, também rapidamente; e Charlie Rangel que criticou os mitos da violência inerente do Oriente Médio e da 'generosidade' de passadas "Guerras Boas" dos EUA. Também disse que não há razão alguma para haver soldados norte-americanos naquela região; que não é o ISIS quem está matando adolescentes desempregados nos EUA. Rangel foi o primeiro a levar para o 'debate' da 4ª-feira temas caros ao movimento antiguerra.
O Comandante do Estado-maior das Forças Conjuntas dos EUA, Martin Dempsey esteve na 4a-feira no Congresso, para falar a uma das comissões. E martelou a ideia de que o sectarismo religioso - não a guerra dos EUA - seria responsável pelo desastre que se vê até hoje no Iraque, praticamente inalterado. Dempsey disse também que não há solução militar. 'Portanto' [sic] sua proposta é agir dos dois lados: enviar soldados dos EUA e simultaneamente armar e treinar os iraquianos. Não fez, como nunca faz, sentido algum.
[...] Para a Republicana Sheila Jackson Lee, é preciso debater a guerra, a qual, para ela é ação filantrópica a favor das vítimas estrangeiras das bombas dos EUA. Também recomendou que todos contenham a própria cobiça e o egoísmo pecaminosos. Outro Republicano, Jerrold Nadler disse que não sabe se a guerra deve prosseguir ou parar, mas tem certeza de que ele e seus colegas têm o direito de decidir sobre se a guerra continuará. A Republicana Eleanor Holmes Norton quer um referendo em Washington, DC (?) sobre a guerra. Mas só falou a favor de mais e mais guerra. O Republicano Mark Sanford 'exige' mais debate sobre a guerra, fala dos custos financeiros da guerra, mas toma o cuidado de não dizer nem uma palavra nem a favor nem contra a continuação da guerra.
Royce fez longo discurso pró-guerra, depois das formalidades que McGovern cumpriu, de encerramento, sem se opor a guerra alguma. Para Royce os deputados e senadores sentiam-se paralisados, sem terceira via entre mais guerra e "nada fazer". Bobagem. Desde outubro do ano passado, no mínimo, já se conheceminúmeras possibilidades (ing.), todas para a paz. *****
(Ou: Quando até o tal 'debate parlamentar democrático' é golpe só)
17/6/2015, David Swanson, War is a Crime