Instalaram um poder fascista. Desencadearam uma guerra civil. E os círculos mais agressivos e aventureiros do imperialismo querem convertê-la num confronto aberto com a Rússia. Um ano depois da queda do presidente Yanukóvich, e do triunfo do golpe de estado em Kiev, a Ucrânia continua imersa numa guerra civil, que Poroshenko prometeu que ganharia num mês.
Enredados na sua própria propaganda, os países da NATO são incapazes de assumir que a crise ucraniana não estalou em resultado de uns "protestos cívicos" (além do mais, instigados e financiados em boa parte por países ocidentais), mas em resultado do apoio a um golpe de Estado e uma mudança de regime que pretende incorporar a Ucrânia numa aliança militar abertamente hostil a Moscovo. Instalaram um poder fascista. Desencadearam uma guerra civil. E os círculos mais agressivos e aventureiros do imperialismo querem convertê-la num confronto aberto com a Rússia.
Um ano depois da queda do presidente Yanukóvich, e do triunfo do golpe de estado em Kiev, a Ucrânia continua imersa numa guerra civil, que Poroshenko prometeu que ganharia num mês. É difícil encontrar um cenário onde a irresponsabilidade ocidental seja tão grande como na Ucrânia. Em um ano os responsáveis da diplomacia europeia e norte-americana passaram de estimular os protestos e financiar grupos de rufias e de provocadores enquanto - como fez Victoria Nuland, secretária adjunta do Departamento de Estado norte-americano - repartiam bolachas na praça Maidán, a contemplar impávidos uma guerra civil que já causou milhares de mortos neste país, e que pode derivar numa guerra europeia de maior envergadura se não se consolida a via diplomática estabelecida nos acordos de Minsk.
Entretanto, a ausência dos EUA nas negociações e a sua persistente tentação de acirrar os confrontos através do procedimento de armar o governo de Kiev e assessorar as suas tropas para a propagação de uma guerra que poderia implicar a NATO abriu uma perigosa ferida na Europa. Obama, o Pentágono e o Departamento de Estado debatem o grau da sua implicação na guerra porque, na prática, já participam por interpostos actores, e têm enviado assessores, espias e mercenários. Victoria Nuland, além do mais, não teve a menor objecção em reunir-se com Andriy Parubiy, o dirigente neonazi que organizou o Maidán de Kiev com a cumplicidade da CIA norte-americana e da AW polaca, e que depois passou a dirigir o Conselho de Segurança Nacional do governo surgido do golpe de Estado. Habituados à manipulação e à propaganda, Washington e o quartel general da NATO em Bruxelas, ajudados por um exército de jornalistas sem escrúpulos, ergueram um gigantesco edifício de mentiras que recorda outras guerras, como as da Jugoslávia e Iraque, sabendo que a memória da opinião pública é débil e que umas mentiras tapam outras. Porque o incêndio da Ucrânia tem uma lógica que adquire sentido quando se repara nas guerras iniciadas pelos EUA nos últimos anos na Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia, Iémen.
Sob Yanukóvich a rampante corrupção era moeda corrente e afogava o país, mas todos os passos dados até hoje pela mão do complacente - com Washington - governo de Poroshenko e Yatseniuk têm ido na direcção do desastre. A Ucrânia dirigida por Poroshenko é hoje um grotesco país onde mandam os capitalistas da nova oligarquia criada, como antes, a partir do roubo, mas também os rufias e assassinos, os comandantes de grupos armados de extrema-direita, que não hesitam em desfazer-se seja de quem for, os ladrões dos recursos do país e gente que parece não ter o juízo todo. Não é um exagero: basta ver os personagens que se passeiam pelo parlamento e pelos ministérios, armados, acompanhados de rufias fascistas que não hesitam em sacar granadas de mão dos bolsos. Embora divididos em facções, partilham a solidariedade de serem os beneficiários do golpe de Estado e os protegidos dos EUA. Yakseniuk (cúmplice e parceiro de um dos principais capitalistas ucranianos, Igor Kolomoisky, organizador de batalhões fascistas) é um dos homens de Washington em Kiev; Poroshenko oscila entre a aproximação a Berlim e a submissão aos EUA e, como Turchínov e o resto de governantes, ambos cestão envolvidos na corrupção e na incompetência, que afundou a economia do país, enquanto lançam apelos de ajuda a Washington e Berlim e procuram convencer o mundo de que a Rússia é um perigo. É revelador que todos eles se remetam a uma retórica patriótica que remonta a Stepan Bandera, e oculta Babi Yar e Volin, e que se demarca dos símbolos e da luta contra o nazismo durante a II Guerra Mundial. Não hesitam também em utilizar as mais grosseiras mentiras, entregando, por exemplo, a Washington fotografias tomadas na guerra da Geórgia em 2008... como provas da invasão russa na Ucrânia, deixando o senador norte-americano Jim Inhofe a fazer uma figura ridícula.
Durante o ano decorrido desde o golpe a corrupção não só não foi contida como aumentou, ajudada pela desordem da guerra, e dela participam todos os dirigentes de Kiev: a própria imprensa ucraniana diz que Poroshenko conseguiu enormes lucros com as suas empresas, e que não hesitou em mentir e em aproveitar-se das estruturas do Estado para enriquecer ainda mais. Assim, a economia ucraniana, que já atravessava uma dura crise, foi praticamente destruída: muitas fábricas deixaram de funcionar, em muitas empresas é habitual não se pagarem salários, as pensões são miseráveis e as condições de vida são cada vez mais duras, mas o governo golpista sabe que talvez não venha a ter outra oportunidade como a actual e os seus membros roubam às mãos cheias. E a guerra e o medo calam muitas bocas.
Poroshenko reconheceu que as suas forças tinham quebrado a primeira trégua de Minsk, sem dúvida aconselhado pelos serviços secretos norte-americanos, confiando numa rápida derrota dos rebeldes do Donbass, mas a ajuda russa em armamento e fornecimentos às milícias fez fracassar a ofensiva e forçou Poroshenko a assinar os acordos de Minsk II. Se durante a guerra fria os limites entre direita e esquerda, entre partidários e detractores dos EUA eram claros, hoje a situação é mais confusa. Acorreram ao Donbass voluntários de muitos países, embora em número reduzido, para ajudar as milícias: desde comunistas e esquerdistas até nacionalistas e membros da extrema-direita, passando por cossacos tradicionalistas e partidários da solidariedade pan-eslavista que vêm na Rússia a irmã mais velha, embora seja evidente que a referência antifascista e anti-imperialista é dominante entre as forças rebeldes, do mesmo modo que a simbologia fascista e nazi está muito presente na Guarda Nacional ucraniana e nos efectivos militares que lutam com Kiev, enxameados também de mercenários e aventureiros fascistas. Assim, o grupo neonazi russo Restrukt (Restrutura) apoia o partido fascista ucraniano Pravii Secktor, circunstância que levou membros dos serviços de segurança ucranianos a acusar o FSB (Serviço Federal de Segurança) russo de infiltrar membros dessa organização (que não despertariam suspeitas, e que teriam sido comprados) no batalhão Azov (criado pelo governo golpista de Kiev e financiado pelo oligarca Igor Kolomoisky) com el objectivo de obter informação. É um de entre muitos exemplos, similar ao que os serviços secretos ocidentais estão a fazer.
Uma parte do nacionalismo russo apoia, por considerações pan-russas, os rebeldes do Donbass e, nessa constelação, encontram-se agrupamentos neonazis, da mesma forma que grupos de extrema-direita também simpatizam com os grupos fascistas do Maidán de Kiev, e alguns grupos de chechenos, com motivações opostas, combatem de ambos os lados. De igual forma, grupos de sérvios vieram apoiar os rebeldes do Leste da Ucrânia amparados na identidade eslava, que consideram ameaçada pelo Ocidente, tal e como constataram eles próprios nas guerras iugoslavas, e acorreram inclusivamente grupos direitistas húngaros que sonham com "recuperar" territórios romenos e ucranianos para criar uma Grande Hungria... que necessita do imprescindível requisito da participação da actual Ucrânia. Esses grupos conservadores são, apesar de tudo, muito minoritários entre os milicianos do Donbass. Alguns grupos russos falam também de "confronto imperialista" entre Washington e Moscovo, para postular uma estrita neutralidade. Para acabar de tornar a situação ainda mais confusa, o comprido braço dos serviços secretos, da CIA, o Mossad, o BND alemão, a AW (Agencja Wywiadu) polaca, e outros, possibilitaram o trânsito de mercenários do Médio Oriente para a Ucrânia, e de grupos islamitas da periferia russa, enquanto o FSB russo tenta que os combatentes jihadistas teleguiados pela CIA não alcancem a Ucrânia e a própria Rússia.
Se, graças ao Minsk II, os combates na Ucrânia cessaram, a guerra da propaganda prossegue. A fantasia para devotos da OTAN reza assim: o sonho imperial de Putin, como mostra a anexação da Crimeia, reclama esferas de influência exclusivas na Europa e provocou a mais grave crise desde a desaparição da URSS. No embrulho devocional vai também o papel de Putin como agressor na guerra, o derrube do avião malaio, a violação das fronteiras da Ucrânia, a movimentação de tropas russas no Donbass, e a violação da legalidade internacional. Não importa que nenhuma dessas acusações tenha sido demonstrada, embora não haja dúvida de que as milícias do Leste não teriam podido resistir sem a ajuda russa em armas, fornecimentos e alimentos. Na gigantesca campanha propagandística ocidental não faltam igualmente esforços para que ninguém recorde o estímulo norte-americano e europeu para derrubar um governo, o de Yanukóvich, eleito pela população ucraniana em eleições que nem os EUA nem a União Europeia consideraram ilegítimas; e é ocultado o apoio ocidental à violência desencadeada pelos bandos fascistas (dezenas de polícias morreram por disparos de bala em Maidán, por exemplo) enquanto se difundia a bondade de um suposto "movimento pacífico" que desejava "unir-se à Europa", tal como permanece na sombra que, nos meses que antecederam a queda de Yanukóvich se organizou o treino militar de grupos de mercenários e fascistas na Polonia para os enviar depois ao Maidán de Kiev; nem que, evidentemente, se referencie a paulatina expansão da NATO no Leste da Europa, a guerra de provocação da Geórgia, o escudo antimísseis, a intenção de incorporar a Ucrânia e a Geórgia na NATO, o golpe de estado em Kiev.
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Higinio Polo