Para oeste, ho, pela estrada Eurásia BRIC da China, ho

"...é imperativo que nenhum desafiante eurasiano apareça capaz de dominar a Eurásia e, pois, de desafiar também os EUA" (Zbigniew Brzezinski, The Grand Chessboard, 1997).

Se "O que se guarda num nome?!",[1] imaginem num ideograma! Tudo. Um único ideograma chinês,  jie ("entre duas coisas") - ilustra claramente a iniciativa chave de política exterior do novo sonho chinês.

Na parte superior do ideograma de quatro gestos-traços - a qual deve ser lida simbolicamente como o telhado de uma casa -, o gesto-traço à esquerda significa o Cinturão Econômico da Rota da Seda; e o gesto-traço à direita significa a Rota da Seda Marítima do Século 21. Na parte inferior do ideograma, o gesto-traço à esquerda significa o corredor China-Paquistão, via província Xinjiang; e o gesto-traço à direita, o corredor China-Myanmar-Bangladesh-Índia, via província Yunnan.

A cultura chinesa é farta em fórmulas, lemas - e símbolos. Com muitos intelectuais chineses já temerosos de que a recente manifestação do "poder suave" do Império do Meio acabe perdida na tradução, o ideograma jie acima - repleto de conectividade - já é o ponto de partida para que 1,3 bilhão de chineses, mais os chineses da diáspora, visualizem os dois eixos gêmeos - continental e naval - da visão da Nova Rota da Seda exposta pelo presidente Xi Jinping, conceito também conhecido como "Uma Estrada, Um Cinto-em-volta".

Em termos práticos, também ajuda que a Nova Rota da Seda venha empurrada por um Fundo da Rota da Seda, de multibilhões de dólares, e pelo Novo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura [orig.Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)], o qual, não por acaso, atraiu a atenção de investidores europeus.

A Nova Rota da Seda, de fato, estradas, simboliza o movimento de pivô da China na direção de um bastião ancestral: a Eurásia. Implica uma China poderosa, ainda mais rica pelo que há à volta daquele bastião, e sem perder a própria essência de civilização-estado. Pode-se chamar de remix moderno das dinastias Tang, Sung e Ming (inicial) - como Pequim fez ver, inteligente e recentemente, mediante uma exposição soberba, no Museu Nacional da China, de peças raras da Rota da Seda reunidas de vários museus regionais.

No passado, a China já realizou uma grande empreitada de infraestrutura de unificação: a Grande Muralha. Para o futuro, tem o projeto gigante de unificar a Eurásia via ferrovia de alta velocidade. Se se considera a amplidão dessa visão, a ideia de mostrar Xi como se só pensasse em se igualar a Mao Zedong e a Deng Xiaoping soa tão pedestre!

Claro que o novo impulso da China pode ser interpretado como projeto para um novo sistema tributário, de vias afluentes ordenadas e centradas em Pequim. Ao mesmo tempo, muitos nos EUA sentem-se pouco confortáveis com a ideia de que a Nova Rota da Seda possa ser uma resposta geopolítica, "desenvolvimento pacífico", resposta "ganha-ganha", à pivotagem de Obama, movida a Pentágono, na direção da Ásia.

Pequim apressou-se a desqualificar quaisquer noções de aspiração à hegemonia. Os chineses têm repetido que não se trata de nenhum Plano Marshall. É inegável que o Plano Marshall "cobriu só nações ocidentais e excluiu todos os países e regiões que o ocidente supunha que fossem ideologicamente próximas da União Soviética". A China, por outro lado, está focada em integrar "economias emergentes" numa vasta rede paneurasiana de trocas/comércio.

AchtungSeidenstrasse! (Atenção! Rota da Seda!)

Não surpreende que as principais nações, na devastada União Europeia, tenham gravitado para o lado do Novo Banco Asiático de Investimento de Infraestrutura (AIIB) - que desempenhará papel chave na(s) Nova(s) Rota(s) da Seda. 

Ferdinand von Richthofen - geógrafo alemão - foi quem inventou o conceito de Seidenstrasse (Rota da Seda). Marco Polo conectou para sempre a Itália, à Rota da Seda. A União Europeia já é a principal parceira comercial da China. E, outra vez muito simbólico, em 2015 festejam-se 40 anos das relações China-UE. Está aí, bem visível, a possibilidade de que surja um Fundo Sino-Europeu que financie infraestrutura e até projetos de energia limpa por toda uma Eurásia já integrada.

É como se o Anjo da História - aquela imagem espantosa pintada por Paul Klee e revisitada pelo filósofo Walter Benjamin - estivesse agora tentando nos dizer que uma sinergia de SeidenstrasseChina-UE do século 21 é hoje absolutamente inevitável. E que, crucialmente, terá de incluir a Rússia, que é parte vital da Nova Rota da Seda mediante um já próximo upgrade numa ferrovia Trans-Siberiana de alta velocidade, de $280 bilhões, financiados por Rússia-China. É aí onde o projeto da Nova Rota da Seda e a ideia inicial do presidente Putin, de um empório comercial gigante "de Lisboa a Vladivostok", efetivamente se fundem.

Em paralelo, a Rota da Seda Marítima do século 21 aprofundará a interação comercial já frenética, por mar, entre China e o Sudeste da Ásia. A província Fujian - cara a cara com Taiwan - desempenhará papel chave. Aspecto crucialmente importante, Xi viveu muitos anos de sua vida em Fujian. E Hong Kong, não por acaso, também quer participar na ação.

Todos esses desenvolvimentos são viáveis, porque a China finalmente ficou pronta para se tornar exportadora massiva de capital líquido, e a principal fonte de crédito para o Sul Global. Em poucos meses, Pequim lançará o Sistema Internacional Chinês de, destinado a turbinar o yuan como moeda global chave para todos os tipos de trocas. Há também o Banco AIIB. E se isso não bastasse, ainda há o Novo Banco de Desenvolvimento lançado pelos BRICSs para concorrer com o Banco Mundial, que tem sede em Xangai.

Pode-se contra-argumentar que o sucesso de toda a Rota da Seda depende de como Pequim lidará com a agitada Xinjiang, terra dos uigures - que é, sem dúvida, um dos nodos chaves da Eurásia. Essa é uma subtrama no roteiro - marcada pela insegurança, para dizer o mínimo - que se terá de acompanhar em detalhe pelo resto da década. Certo, isso sim, é que a maior parte da Ásia sentirá o impulso tremendo da China na Eurásia.

E a Eurásia - na direção contrária à do perene pensamento desejante de Brzezinski - provavelmente assumirá o formato de um desafio geopolítico: uma parceria estratégica China-Rússia de facto que se manifesta em várias facetas da Nova Rota da Seda e que também dará nova força à Organização de Cooperação de Xangai [orig. Shanghai Cooperation Organization (SCO)].

Com o tempo, ambos, Irã e Paquistão, serão também admitidos como membros da SCO. Relações muito próximas entre o que foi a Pérsia antiga e a China estendem-se por dois milênios - e, agora, Pequim as vê como questão de segurança nacional. O Paquistão é outro nodo essencial da Rota da Seda Marítima, especialmente por causa do porto de Gwadar no Oceano Índico, o qual, em poucos anos, pode ser também ponto chave de passagem do gasoduto Irã-Paquistão. E pode também vir a ser o ponto inicial de outro grande gambito chinês no Oleogasodutostão, paralelo à rodovia Karakorum, que levará gás para Xinjiang.

Para Pequim, Irã e Paquistão - a intersecção do sudoeste da Ásia e do sul da Ásia - são nodos fundamentalmente estratégicos da Nova Rota da Seda. Por ali, a China pode projetar seu poder comercial/de negócios não só para o Oceano Índico, mas também para o Golfo Persa.

Got vision, will travel[2] [*Tive uma visão, vou viajar]

O alarme que toma conta de Washington ante esses desenvolvimentos evidencia a rutilante ausência de qualquer visão made-in-the-USA que seduzisse a opinião pública paneurasiana - além da turva postura de pivoteamento militar, misturada à incansável expansão da OTAN, e da fraude corporativa chamada TTIP, a 'parceria' de "livre comércio", conhecida por toda a Ásia como "OTAN comercial".

O contragolpe contra os itens acima listados pode já estar vindo via os BRICSs; via a Organização de Cooperação de Xangai; via o ininterrupto fortalecimento da parceria estratégica R´

Rússia-China. Há também a expansão da União Eurasiana (Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Rússia - aos quais logo se incorporará o Quirguistão, a ser seguido pelo Tadjiquistão). No Oriente Médio, a Síria estuda seriamente a possibilidade, e um acordo comercial com o Egito já está alinhavado. No sudeste asiático, até o final de 2015 estará firmado o pacto com o Vietnã.

Uma agenda "secreta" de Rússia e China, para ajudar a concluir um acordo Irã-P5+1 pavimenta a estrada para que Teerã seja admitida na Organização de Cooperação de Xangai como membro pleno. Pode-se esperar, para 2016, um alinhamento na SCO que unirá pelo menos 60% da Eurásia, com população de 3,5 bilhões de pessoas e riqueza de petróleo e gás que supera a dos estados do Conselho de Cooperação do Golfo.

Por tudo isso, a verdadeira história não é como se dará o colapso da China, como tanto insiste David Shambaugh, dito o segundo maior especialista norte-americano em China (quem é o primeiro? Henry Kissinger?). Essa linha já foi firmemente desqualificada por várias fontes. 

A verdadeira história, que um Asia Times revitalizado cobrirá em detalhes nos próximos anos, é como os muitíssimos aspectos da Nova Rota da Seda estarão configurando um novo sonho eurasiano. Tenha visão, viaje.[3] Bon voyage. *****

 


[1] Orig. What's in a name. É fala de Julieta, em Romeu e Julieta, ato 2, cena 2: "O que há num nome?! O que chamamos rosa, com outro nome não teria igual perfume?" [NTs].

[2] A tradução é tentativa. Impossível saber com certeza, mas a expressão parece ser um reaproveitamento metafórico de "Have Gun. Will Travel" [aproximadamente, talvez, "Tenho arma. Vou viajar"]. Sobre o seriado norte-americano (1957-1963), do gênero western, que levou esse título, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Have_Gun_%E2%80%93_Will_Travel [NTs].

[3] Orig. "Have vision, will travel". Parece ser mais uma variação de "Have Gun. Will Travel" (vide nota 2). A tradução aqui também é tentativa. Todos os comentários e correções são bem-vindos. [NTs].

 

22/3/2015, Pepe Escobar, (novo) Asia Times Online

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey