Uruguai é vanguarda em uma América Latina ainda conservadora

Com a aprovação na última quarta (17) de uma lei que permite o aborto com poucas restrições, o Uruguai - que também debate a legalização da maconha - assume a vanguarda da liberalização das políticas sociais em uma região com forte influência católica.

Na América Latina, só Cuba e Cidade do México autorizam a interrupção voluntária da gravidez, que também é legal na Guiana e em Porto Rico. Todos os vizinhos do Uruguai o proíbem e a chegada de governos progressistas ainda não pôs o tema na agenda política.

A descriminalização do aborto volta a pôr em foco o Uruguai, um país com 3,3 milhões de habitantes que nos últimos meses já chamou atenção com uma proposta polêmica para legalizar a produção e a comercialização da maconha, ainda em estudo no Parlamento.

Além disso, nos últimos seis anos o Uruguai também foi o pioneiro da região ao legalizar a união civil de casais homossexuais (2007) e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo (2009). Este ano, o governo também habilitou a mudança de nome e sexo e a entrada de homossexuais nas Forças Armadas.

A descriminalização do aborto e o avanço na legislação sobre os direitos dos homossexuais "é uma tendência que mostra que o Uruguai está se posicionando à frente de outros países latino-americanos que, muito provavelmente, seguirão o curso do que está ocorrendo no Uruguai", disse Felipe Arocena, sociólogo e doutor em Ciências Humanas.

Para Arocena, este momento pode ser uma reedição do ocorrido no começo do século 20, quando o Uruguai como Estado laico desde 1917 foi o primeiro da América do Sul a admitir o divórcio pela vontade exclusiva da mulher (1913) ou a permitir o voto feminino (em um plebiscito local de 1927). Também foi um dos primeiros a abolir a pena de morte (1907).

Nessa época também foram aprovadas avançadas normas trabalhistas, como a lei de 8 horas (1915) e de Previdência Social, na década de 1920.

"Parece que estamos retomando a linha que tinha sido um pouco deixada de lado. E estamos saindo do congelador que foi a ditadura (1973-1985), quando todos os avanços nos direitos humanos passaram por um processo de congelamento", sustentou.

Nesta tradição pode ter influência o fato de que "o peso da Igreja é bem menor do que ainda é em outros países", sustentou.

"O Uruguai se coloca na vanguarda da América Latina e isso tem a ver, em parte, também com o fato de ser o país mais laico da América Latina", avaliou a senadora governista Constanza Moreira.

Enquanto no Uruguai a Arquidiocese de Montevidéu manifestou, em um comunicado, "sua profunda dor e repúdio" contra a lei que descriminaliza o aborto, em Lima o cardeal Juan Luis Cipriani, nome do Opus Dei na região, clamou diante de uma imagem de Jesus Cristo para que "afaste a praga do aborto do mundo".

Para o senador Jorge Saravia, o único da oposição a votar pela lei do aborto, "se o Uruguai pretende estar no primeiro mundo, também tem que estar no primeiro mundo na concepção filosófica de alguns temas que o primeiro mundo solucionou".

"O Uruguai tem sido bastante vanguardista em aspectos como o direito da mulher e a legislação social em geral, e agora há algumas iniciativas que são relativamente vanguardistas. Mas é estranho porque também não é um país vanguardista. É um país com uma estrutura muito conservadora e uma média de idade muito elevada e envelhecida", avaliou, por sua vez, Rafael Bayce, doutor em Sociologia e Ciência Política.

"Mas houve em todas as épocas algumas correntes políticas, dentro dos partidos, com tendências progressistas, que têm conseguido certas maiorias conjunturais", disse.

Com AFP

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Timothy Bancroft-Hinchey