A prioridade das ciências econômicas

Marcus Eduardo de Oliveira (*)

Coube inicialmente aos clássicos ingleses, a partir do final do século XVIII, fazer do estudo da economia uma real disciplina, constituindo-a em ciência. O fundamento principal das primeiras preocupações desses estudiosos era em determinar as causas do "progresso das nações".

Com o passar do tempo, as preocupações subjacentes, bem como os legados teóricos deixados por nomes de relevância dessa "escola de pensamento", diversificaram-se num corpo sistemático de conhecimento, contribuindo para fazer da economia uma disciplina "preocupada" com a realidade sócio-econômico dos povos.

Nessa linha de raciocínio, muitas foram às abordagens que passaram a ocupar proeminência, dentre essas cabe citar: a preocupação com o excesso populacional, a renda da terra, o valor do trabalho, os rendimentos decrescentes, os princípios das vantagens absoluta e comparativa, e a possibilidade de se ajudar ou não os mais pobres. Com isso, as ciências econômicas ganharam um verniz de disciplina voltada a estabelecer a ordem tipicamente humana, no sentido mais social possível.

Conquanto, foi a partir da chegada independente (um não conhecia o trabalho do outro) dos marginalistas - Walras, Menger e Jevons - que os aspectos quantitativos ganharam relevância em termos de análises econômicas.

No entanto, não nos prenderemos aqui a discorrer especificamente sobre a evolução que houve em torno do pensamento econômico - dos marginalistas à economia neoclássica - por julgarmos que há a esse respeito vasta literatura.

O que desejamos, entrementes, é apenas pontuar uma questão que nos parece ser muito relevante: afinal, qual seria a principal prioridade das ciências econômicas? Seria olhar as múltiplas questões pelas lentes "quantitativas" expressas em números, cifras, indicadores, gráficos e valores diversos ou em pensar e "ver" a economia pela ótica "qualitativa" que engloba mensurar o grau de satisfação das pessoas, chegando aos ditames que cercam a ideia em torno do bem-estar social?

Lançar-se na "aventura" de tentar responder essa indagação crucial é certamente "abraçar" fatos históricos que marcam o pensamento econômico. Ademais, tal procedimento leva à possibilidade concreta de ferir determinados postulados que ainda hoje resiste às duras penas. Um desses postulados, por exemplo, atesta que a finalidade ímpar da economia é criar condições para que as nações avancem; ou se preferirmos adotar o linguajar técnico-mecanicista, a palavra mais correta a ser empregada, nesse caso, seria atingir "crescimento econômico".

Pois bem. Dessa contextualização, não foram poucas as ideias lançadas para se "descobrir" então os mais "fáceis e transitáveis" caminhos que levam ao dito e propagado "crescimento".

A "síndrome do crescimento"

Nesse pormenor, o convencionalismo econômico, desde os clássicos ingleses, fortemente enraizado em momentos posteriores na economia neoclássica tradicional, recomenda que basta acumular capitais, propor uma adequada divisão do trabalho e especializar a mão-de-obra que a geração de riqueza se aproxima.

Outros, no entanto, além de recomendarem a acumulação de capitais (largamente entendido como sendo um dos fatores determinantes do crescimento), se sintonizam nos aspectos que envolvem obter produtividade, além de fazer uso dos fatores tecnológicos para que assim, o progresso, de fato, aconteça.

Resumindo esse ponto temos que: o objetivo da economia, ao menos para os teóricos que se apóiam nos postulados neoclássicos, continua sendo o de atingir elevadas taxas de crescimento; independente de quais caminhos se escolha para isso. Esses, ao que tudo indica, sofrem de uma patologia crônica: "a síndrome do crescimento".

Em extremo oposto, há aqueles que olham a economia pelas lentes do espectro puramente social e, por isso, não se esquecem das origens dessa ciência tipicamente humana que esteve voltada, em momentos iniciais, na preocupação em medir e captar a realidade social. Esses, por certo, conseguem oferece outra resposta à pergunta acima lançada.

É forçoso então reafirmar que para os que pensam a economia sob esse prisma a real e significativa finalidade das ciências econômicas, no trato específico para com as pessoas, reside, prioritariamente, em atender as necessidades básicas dos mais necessitados.

Em nosso entendimento isso deve ser a finalidade ímpar de qualquer ciência social. O fundamental sempre foi promover a ascensão das pessoas desfavorecidas, tentando superar toda e qualquer injustiça que permeia o dia a dia daqueles que estão numa posição inferior na escala de acessos aos bens e serviços "oferecidos" pela atividade econômica.

É mister apontar que a ciência econômica dispõe de "argumentos" plausíveis para fazer uma espécie de "revolução social" em prol daqueles que sofrem constantes injustiças.

É sabido, todavia, que toda e qualquer revolução social empreendida pelos que estão na parte de baixo carrega em si um caráter de universalidade, até mesmo porque constitui um protesto legítimo do Homem contra a qualidade de vida que para muitos chega a ser inumana.

Assim como nenhum deserto é tão árido e tão longo que não possa ser transposto, a economia é uma ciência que não pode ficar restrita aos laboratórios acadêmicos, trancafiada em gabinetes públicos. Essa ciência - feita pelos homens e para os homens - precisa ser posta a serviço das pessoas, auxiliando-as na tomada de decisão em prol do benefício mútuo.

(*) Economista, especialista em Política Internacional com mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP).

Autor dos livros "Conversando sobre Economia", "Pensando como um Economista" e "Provocações Econômicas" (no prelo).

prof.marcuseduardo@bol.com.br


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Timothy Bancroft-Hinchey