‘Fogão’ Campeão da Libertadores: Justiça Ainda que Tardia

Na era mais romântica do futebol, o atual campeão continental esteve no topo do romantismo mundial. Teve o Santos do Pelé como principal rival, daí relegado. Ironia do destino: no devido lugar agora, em tempos que o futebol nivela-se crescentemente por baixo

 

A conquista botafoguense da Copa Libertadores deste ano, primeira de sua gloriosa história em jogo memorável na final contra o Atlético Mineiro na capital argentina de Buenos Aires, vencida pela equipe carioca por 3-1 no estádio Monumental de Núñez do River Plate, possui um sabor todo especial.

O qual, no país da ausência de memória e da idolatria a tudo o que não presta (e haja “tranqueira” idolatrada em território “verde e amarelo”, hoje e sempre!), deve ser enfatizado em respeito a grandes personagens da história do futebol, e até do Brasil como nação.

Por motivos tão óbvios quanto pouco discutidos ao longo das décadas, “O Glorioso”, dentre os times de futebol mais populares do Brasil, acabou fadado ao injusto esquecimento ou, na menos grave das considerações em alguns casos, tendo sua díspar glória minimizada entre os torcedores e até comentaristas esportivos por todo o país.

Fundado para o remo em 1894 como Grupo de Regatas Botafogo por ex-membros do então extinto Clube Guanabarense, e dez anos mais tarde para o futebol, o alvinegro carioca colocou nos gramados ao longo das décadas de 1950 e 1960 algumas das melhores equipes da história do futebol brasileiro, e até mundial.

Gênios com a Bola que Elevaram o Nome do Brasil

É comprovado que atletas de alto rendimento possuem componentes cerebrais positivamente especiais, começando pelo maior número de neurônios. “Atletas de alto nível têm uma espessura cortical maior em algumas áreas do cérebro”, relatou estudo publicado em janeiro de 2013 pela renomada mundialmente Scientific Reports.

“Isso é frequentemente usado como uma indicação da capacidade cognitiva de um indivíduo. Os cérebros dos atletas de alto nível são, portanto, anatomicamente e funcionalmente diferentes. Essa diferença permite que eles tenham um melhor desempenho em ambientes visuais complexos e dinâmicos”, acrescentou o estudo.

Além da qualidade técnica com habilidade literalmente genial, personalidades como Mané Garrincha, Mário Jorge Lobo Zagallo, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Sebastião Leônidas, Gérson “Canhotinha de Ouro”,  goleiro  Manga e “O Capitão do Tri” Carlos Alberto Torres um pouco mais adiante, a partir de 1971, foram alguns dos nomes daquele período considerado “De Ouro” do clube carioca que cooperaram, como poucos nesta modalidade esportiva, para tornar o Brasil mais conhecido e respeitado mundo afora.

Dentro de casa, conquistaram corações e marcaram gerações pela personalidade. Ainda que esta marca não tenha estado estado à altura do que cada um deles foi e, no caso dos que ainda estao entre nós, continua sendo.

No Topo do Mundo

Poucos hoje têm ciência de que exatamente este clube com origem na praia de Botafogo cuja sede por muitos anos foi uma mansão ao final da avenida Pasteur, foi considerado pela FIFA um dos maiores times do planeta em todo o século XX. A nível nacional, a “Estrela Solitária” é considerada um dos três maiores clubes de futebol daquele século, atrás apenas de Santos de Pelé e Flamengo do Zico.

É o Botagofo de Futebol e Regatas (atual nome) quem tem o maior número de participações de jogadores em partidas totais da seleção brasileira, e o maior número de jogadores cedidos ao Brasil para Copas do Mundo.

É também o mais novo campeão continental de futebol, autor da maior goleada da história deste país: 24-0 sobre o extinto  Sport Club Mangueira, no Campeonato Carioca de 1909.

O que ocorreu, influenciando no certo reducionimso diante da opinião pública do clube de lá para cá, foi que o “Fogaço” teve o “azar” de ter atingido seu auge justamente nos anos da “máquina santista”. Por longos anos, a seleção brasileira praticamente resumiu-se a dois endereços, inclusive durante as conquistas da Copa do Mundo de 1958 e 1962: na Vila Belmiro e na Praia de Botafogo.

Mas se ambos eram a base dos selecionados brasileiros no período que se estendeu da década de 1950 até o início dos anos de 1970, os primeiros acabavam sempre levando a melhor nos confrontos diretos, tanto a nível nacional quanto internacional.

A partir de meados dos anos de 1970 o Botafogo, sempre se mantendo na principal divisão do futebol, foi decaindo no cenário estadual e nacional com alguns poucos momentos de glória desde então.

Nada disso se justifica para ofuscar a representatividade do clube carioca, e a importânciade seus títulos, de seus craques e grandes personalidades daquele período, mas infelizmente é o que explica tal relegação do clube carioca diante da opinião pública.

Um Facho de Luz: Justiça Ainda que Tardia

Vincitore quæ sera tamen, ou seja, “campeão ainda que tardio” em latim parafraseando com toda a justiça Tiradentes, em relação a este título continental do “Fogão” (libertas quæ sera tamen: “liberdade ainda que tardia”, frase do “Inconfidente” na bandeira do estado de Minas Gerais).

Mas agora o Botafogo está, enfim e incontestavelmente, queiram ou não, entre os grandes do continente apesar de que isso – ironia do destino – tenha ocorrido em tempos que o futebol esteja nivelado por baixo, o que se agrava ano a ano.

Afinal, “em outros esportes tua fibra está presente honrando as cores do Brasil de nossa gente. Na estrada dos louros, um facho de luz: tua estrela solitária te conduz” (trecho do hino do Botafogo, composto por Lamartine Babo em 1946).

O ‘Fogão’ Existe e Reina

Cada um dos nomes acima e todos os outros, tantos não incluídos mas de igual dignidade, também são parte desta conquista. Pelo brilhantismo profissional, pela força de caráter que ajudou a elevar o nome do Brasil em seu tempo no cernário internacional, cada um deles ajudou a construir mais esta conquista – agora, levantando esta taça, eles tambem, trazendo o “Fogão” hoje de volta ao cenário internacional. De onde nunca deveria ter saído, ao menos na memória coletiva. Devem ser colocados, de uma vez por todas a partir de agora, em seu devido lugar na reverência dos brasileiros.

A Copa de Libertadores breca a redução constante de uma trajetória vitoriosa na memória dos brasileiros. Vem reascender a história do Botafogo e reacender o brilho de sua Estrela Solitária, ao não permitir que ela, com seus ilustres personagens históricos, seja uma marca de exemplo que se apague.

A Copa Libertadores da América de 2024 até poderia encontrar repouso de dignidade semelhante em outros locais da região, mas certamente nenhum poussi dignidade superior para receber o disputado troféu em comparação ao Estádio Nilton Santos.


Edu Montesanti
edumontesanti.wordpress.com


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