Edmilson Costa*
A emergência do fascismo em várias regiões do planeta, especialmente nas principais economias da Europa e nos Estados Unidos, mas também na América Latina, é um fato que está levando muitos observadores ao espanto e à surpresa, mas não deveria haver espanto nem surpresa. A história tem nos ensinado que o sistema capitalista, toda vez que enfrenta uma crise grave, como ocorre atualmente, recorre à sua tropa de choque – os fascistas, tanto reunidos nas falanges violentas quanto liderados por personagens políticas, como aconteceu na década de 20 e 30 na Europa. Como os meios tradicionais de manutenção da hegemonia burguesa, mediante aparato institucional e repressor, já não consegue a estabilidade social para administrar a acumulação do capital, e o próprio sistema econômico está em crise global, os capitalistas estão voltando a recorrer ao velho método de alcançar a disciplina social e a retomada das taxas de lucro mediante uma nova institucionalidade, onde os fascistas cumprem o papel essencial de operar o jogo sujo para salvar as aparências das classes dominantes.
Isso significa que a burguesia já não consegue alcançar seus objetivos com a institucionalidade que ela próprio criou ao final da segunda guerra. As restrições às liberdades públicas que estão ocorrendo nos principais países centrais, que antes se autointitulavam campeões das liberdades democráticas e dos direitos humanos, como a censura explícita ou velada e a manipulação dos veículos de comunicação, a repressão violenta contra a população em temas que nos períodos de calma não aconteceria, como a solidariedade à palestina ou o fim do envio de armas à Ucrânia, são medidas implementadas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, um sintoma da mudança de estratégia dos governantes imperiais. Além disso, a propaganda de que os imigrantes, a grande maioria deles resultado das guerras imperialistas, seriam responsáveis pelas crises nos países centrais, também se ajusta como uma luva ao figurino dos fascistas para manipular a opinião pública.
A crise socioeconômica atual na Europa e Estados Unidos é resultado tanto das contradições do capitalismo, mas se agravou com as sanções que o bloco ocidental tomou contra a Rússia e que resultaram num efeito bumerangue para as economias dessas regiões. Nessa conjuntura, o aumento dos orçamentos militares, a política guerreira contra inimigos reais e imaginários como solução para os problemas internacionais, é uma maneira de preparar a população para aceitar que os imperialistas resolvam sua crise mediante a guerra. Criar um clima fictício da iminência de uma invasão de países e regiões justifica a retirada das verbas orçamentárias das áreas sociais para a guerra, ao mesmo tempo em que desvia a atenção da população em relação à crise econômica e social, como a inflação, a recessão, o desemprego e a queda na qualidade de vida da população.
Enquanto isso, a burguesia imperial aprofunda a ofensiva contra os direitos e garantias sociais e redução dos salários que já vinha realizando ao logo das últimas quatro décadas. As conquistas do velho Estado do Bem Estar Social estão sendo destruídas em todos os países, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, países onde a classe operária conquistou vários direitos após a segunda guerra mundial. A velha propaganda de que o capitalismo teria condições de manter o bem estar da população ficou para trás: agora a palavra de ordem é a retirada do Estado da economia, a desregulamentação dos direitos sociais, o rebaixamento dos salários e a transferência das empresas públicas para o setor privado, tudo isso sob o surrado argumento de que o mercado é capaz de regular melhor as relações econômicas e sociais e que a iniciativa privada é mais racional e eficiente que o Estado.
Ressalte-se ainda que essa conjuntura de emergência do fascismo, ao contrário do que se possa imaginar, não é um fenômeno espontâneo, mas uma estratégia desenvolvida pelos núcleo duro das classes dominantes imperialistas, que já chegou à conclusão de que o velho aparato institucional da ordem econômica de Bretton Woods não é mais capaz de manter a hegemonia diante das novas necessidades do capital, principalmente porque as medidas tomadas pelos sucessivos governos nas últimas décadas não se mostraram suficientes para alcançar a estabilidade do sistema, especialmente após a crise de 2007/2008. Continuar falando de democracia e direitos humanos é apenas um jogo de cena, porque o que estão preparando são novos ataques e a implantação de medidas ainda mais duras contra os trabalhadores. Como todos podem imaginar, isso certamente irá provocar reações dos movimentos sociais e operários. Então, as classes dominantes já ensaiam as restrições às liberdades públicas, a repressão policial e a deslegitimação das instituições democráticas.
Em outras palavras, o que se pode observar dessa conjuntura é uma contradição cada vez maior entre o neoliberalismo e as liberdades democráticas em todo o mundo. O sistema imperialista em crise está com enorme dificuldade pra atingir seus objetivos com as velhas instituições e valores construídos no pós-guerra. As terapias de choque, a política de austeridade, a maior parte delas operadas através do FMI, a destruição de direitos e garantias dos trabalhadores, redução de salário, desregulamentação social e econômica e as privatizações, em suma, o fascismo de mercado, não estão sendo suficientes pra reverter a crise, estabilizar a economia e retomar as taxas de lucro. Isso ocorre porque a crise é do próprio sistema em sua fase senil, cuja expressão maior foi a crise sistêmica global, que até hoje os continua castigando as economias capitalistas.
Relembrar a história é importante porque assim aprendemos a conhecer melhor os inimigos, podemos evitar novos erros ou ter ilusões em relação à conjuntura, sempre levando em conta que é necessário nunca esquecer que a burguesia não tem escrúpulos quando seus interesses estão em jogo. Tanto líderes políticos, grandes empresários, personalidades influentes no poder imperialista, grandes monopólios da Europa e dos Estados Unidos, além de vários teóricos neoclássicos apoiaram abertamente o fascismo e o nazismo no período segunda guerra mundial. É sempre bom lembrar que Mussolini foi capa da Time em 1923, Hitler em 1938 e Milton Friedman recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1976 pelos serviços prestados ao grande capital. Vejamos alguns exemplos:
Vilfredo Pareto, economista e sociólogo italiano, muito aclamado pelos economistas, foi uma espécie de teórico daquilo que veio posteriormente se configurar como fascismo. Ele morreu em 1923 pouco depois de Mussolini chegar ao poder, mas suas ideias foram especialmente úteis na implantação do fascismo. Pareto expressou simpatia pelo regime de Mussolini, especialmente no que se refere à oposição ao socialismo e sua ênfase na manutenção da ordem social. Ele era contra a intervenção do Estado na economia, argumentava que a democracia era uma ilusão e acreditava que as elites sempre dominariam a sociedade, independentemente da forma de governo, e que as desigualdades sociais faziam parte de uma ordem natural.
Outros dos defensores do fascismo, este muito mais fervoroso, foi Von Misses, economista austríaco, muito citado pelos neoliberais brasileiros atualmente. Ele atuou como conselheiro do governo fascista de Engelbert Dollfuss, na Áustria. Em seu livro Liberalismo, segundo a tradição clássica Misses, defendeu abertamente o uso de armas para deter os comunistas: “Contra as armas dos bolcheviques devem-se utilizar, em represália, as mesmas armas, e seria um erro mostrar fraqueza ante os assassinos. Jamais um liberal colocou isso em questão .... Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando o estabelecimento de ditaduras, estão cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história. Porém, embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é o tipo que possa prometer sucesso continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência”.[1] Misses não poderia ser mais claro.
Milton Friedman, expoente da Escola de Chicago, proporcionou um exemplo mais contemporâneo da relação entre os chamados liberais e o fascismo. A Escola de Chicago é a principal representante do que denominamos de fascismo de mercado, porque nunca teve dificuldade em apoiar todo tipo de ditadura para impor suas ideias. Maior representante dessa escola, Friedman, em seu livro Capitalismo e Liberdade, expõem as principais teorias que foram implementadas pelas ditaduras mais sanguinárias e por governos chamados democráticos nas últimas quatro décadas tanto nos países centrais quanto na periferia. Com o golpe militar em 1973, o Chile se transformou no laboratório do neoliberalismo que posteriormente se transformou em receita para a grande maioria das ditaduras na América Latina, das quais os Chicago Boys foram os principais operadores dessa política.
Ferrenho defensor da liberdade irrestrita do mercado, Friedman foi o principal teórico da política neoliberal moderna. Defendia a austeridade fiscal, na qual o Estado só poderia gastar aquilo que arrecadava; a redução dos impostos e gastos governamentais, pois acreditava que o mercado é mais eficiente para alocar os recursos e promover o crescimento; a desregulamentação tanto da economia quanto da legislação social, para aumentar a competição e a liberdade individual; defendia ainda uma radical política de privatizações de todos os setores da economia, entre as quais a educação, para a qual propunha um voucher para os setores mais carentes.[2] Essas políticas implementadas na década de 70 no Chile e a partir dos anos 80 até hoje devastaram os direitos sociais, reduziram os salários, tendo como contrapartida uma brutal concentração de renda nas mãos de uma ínfima minoria da sociedade.
Mas não são apenas os teóricos do neoliberalismo que mantiveram ou mantêm simpatias com o fascismo. Grandes industriais, banqueiros, grandes monopólios e entidades representantes das classes dominantes deram apoio a Hitler ou Mussolini. Henry Ford, por exemplo, além de outros grandes capitalistas dos Estados Unidos, apoiou abertamente o nazismo, tanto que em 1938 Ford recebeu a Grande Cruz da Ordem da Águia Alemã, a mais alta condecoração nazista a um estrangeiro. Também, a grande maioria da burguesia europeia apoiou o fascismo e o nazismo. A IBM forneceu tecnologia para que os nazistas realizassem censos e recolhessem dados dos prisioneiros dos campos de concentração. A General Motors e a Ford, que tinham subsidiárias na Alemanha, continuaram a operar naquele País e há suspeitas de que produziram veículos para o exército alemão. O avô de Bush filho, Prescott Bush, através da empresa Brown Brothers Harriman, contribuiu com empresas que colaboravam com o esforço bélico dos nazistas, relação que fez com que as autoridades dos Estados Unidos confiscassem essa empresa em 1942.[3]
Mas não era só o velho Bush que tinha essas relações. Muitos em Wall Street também simpatizavam com o nazismo, como a família Rockfeller, proprietária do Chase Manhattan Bank. Tanto a burguesia europeia, mas especialmente a burguesia alemã, apoiaram entusiasticamente o nazifascismo. Empresas de fabricação de aço como a Krupp, automobilísticas como a Volks e BMW, esta última também fabricava aviões para os nazistas; IG Farben, fornecia o gás para os campos de concentração; Hugo Boss, produzia os uniformes para as tropas nazistas; Siemens, se utilizou do trabalho forçado para produzir equipamentos para os nazistas; Renaut, produziu veículos para os alemães durante a ocupação; Fiat, produziu veículos para os fascistas de Mussolini; Nestle, acusada de se utilizar de trabalhos forçados dos prisioneiros; Bertelsmann, publicava as obras de propaganda dos nazistas; Deutsche Bank, dentre outras, são algumas da empresas europeias que colaboraram com o nazismo.[4]
Enquanto os capitalistas financiavam a máquina hitleriana para destruir a União Soviética e as liberdades democráticas em seus países, a propaganda nazista cumpria o papel de ganhar corações e mentes tanto para o apoio ao regime quanto para as teses racistas e autoritárias para justificar a perseguição aos judeus, ciganos, comunistas e todos que se contrapunham ao regime. O mais dramático desse processo é o fato de que a propaganda daquele período é muito semelhante ao que os novos fascistas divulgam nos seus pronunciamentos atualmente. A xenofobia, o racismo, o preconceito contra as minorias e a superioridade racial, a política do ódio contra aqueles que consideram seus inimigos, as mentiras repetidas mil vezes são os pontos chaves da propaganda dos fascistas atuais e praticamente se igualam ao que os fascistas e nazistas pregavam naquele período. Se observarmos a atual propaganda dos fascistas em ascensão tanto nos Estados Unidos, na Europa ou América Latina poderemos ver que a propaganda é praticamente a mesma entre o velho e o novo fascismo.
Vejamos quais os dez pontos que o Ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, utilizava para consolidar o poder de Hitler. a) reduzir as questões complexas a slogans simples; e identificar um único inimigo para culpá-lo por todos os males; b) Repetir as mensagens até que elas se tornam aceitas como verdade; c) usar a emoção em vez da razão na propaganda para atrair as pessoas; d) promover a unidade do grupo nacional e a exclusividade racial dos alemães, criando um sentimento de superioridade e destino comum entre os arianos; e) controlar e utilizar todas as formas de mídia para disseminar a propaganda nazista; f) censurar toda a mídia que contradiga a propaganda nazista e controlar as fontes de informação para garantir uma narrativa unificada; g) criar mitos, símbolos e rituais para fortalecer a identidade nacional e a lealdade ao partido nazista; h) destacar a propaganda positiva do regime e suas realizações e enfatizar a propaganda negativa dos inimigos, demonizando e desumanizando esses grupos; i) disseminar a desinformação e mentira misturadas com verdades para torná-la plausível e confundir o inimigo e manter o moral da população; j) manter a população constantemente mobilizada e vigilante, promovendo um clima de emergência contínua para justificar as medidas tomadas pelo regime e manter o controle autoritário.[5]
As orientações do ministro nazista foram implementadas de maneira plena na Alemanha nazista e hoje continuam sendo uma referencia para todos os grupos fascistas no mundo inteiro, que atualmente os meios de comunicação envergonhadamente qualificam de extrema-direita para evitar o adjetivo pejorativo. Não é mera coincidência que os fascistas atuais tenham nas fake news uma das principais estratégias de comunicação, de forma a disseminar desinformação para confundir o inimigo e manter alta a moral e a mobilização de seu público; também não é coincidência eleger grupos e personagens como inimigo e buscar demonizá-los e desumaniza-los para desgastar e atingir objetivos específicos; criar mitos e símbolos para fortalecer a lealdade ao líder (veja o caso de Bolsonaro, que é chamado de mito por seus apoiadores); controlar a mídia para evitar que os adversários possam se comunicar com a população; criar slogan simples e populares para atingir os inimigos (vide o caso do kit gay e mamadeira de piroca na campanha de Bolsonaro); manter os apoiadores políticos constantemente mobilizados, tanto através de informações falsas, mas também criando inimigos imaginários para combatê-los.
Se avaliarmos outros elementos da propaganda fascistas não constantes dos mandamentos de Goebbels, poderemos ver também que os fascistas de agora praticamente copiam o que fascistas e nazista faziam naquele período. Por exemplo, a propaganda nazista tinha como lema Alemanha acima de tudo, deus acima de todos. A variante brasileira só muda o nome do País: Brasil acima de tudo, deus acima de todos. Os regimes nazifascistas procuravam minar a confiança nas instituições, apresentando-as como corruptas e ineficazes. Os fascistas atuais fazem o mesmo, berrando contra a corrupção e deslegitimando as instituições democráticas. No Brasil, Bolsonaro procura se apresentar como antissistema e deslegitimar as instituições, como a denúncia das urnas eleitorais, ou ataques ao judiciário, etc.
Os nazifascistas também procuram exaltar o militarismo e evocar um passado glorioso. No Brasil Bolsonaro frequentemente faz elogios ao Exército e costuma dizer que a ditadura da ditadura foi um período de ordem e prosperidade. Além disso, como a generalização das mídias sociais, os fascistas se especializaram em utilizar esses meios de comunicação para todos os fins, especialmente para fins políticos. Prova disso foi a eleição de Trump, nos Estados Unidos, onde Steve Banon teve um papel preponderante na estratégia de comunicação e, no Brasil, a propaganda nas redes sociais, comandada por Carlos Bolsonaro, teve também um papel fundamental na eleição do genocida. Também no Brasil, os fascistas buscam mobilizar a população pobre estimulando preconceitos, valores conservadores, o sendo comum, o negacionismo em relação à ciência, buscando engajar as massas em seus projetos.
Aliás, a manipulação da opinião pública tem sido a principal estratégia dos fascistas, particularmente no Brasil. Vale lembrar que no governo Bolsonaro construíram uma máquina de comunicação profissional (o gabinete do ódio) com especialização e divisão do trabalho e financiada pelos empresários apoiadores do fascismo. “Eles se apropriam das mais modernas técnicas de comunicação, manipulação dos algoritmos de última geração, possuem ainda milhares de robôs telemáticos para potencializar e impulsionar suas mensagens. Contam ainda com grupos permanentes e especializados de produtores de conteúdo, regiamente remunerados, para produzir diariamente informação, vídeos, memes, e fake news. Escolhem diariamente os temas e os alvos preferidos e produzem as matérias tanto favoráveis às suas causas e aos governos que dirigem ou apoiam, quanto para atacar inimigos especialmente selecionados. Outra equipe se encarrega da organização da rede de militantes, que enviam as mensagens para os grupos de simpatizantes espalhados por todo o País”.[6]
Com esses métodos, os fascistas procuram destruir a razão e incentivar a irracionalidade para manipular as massas, sendo a campanha contra as vacinas tanto no Brasil quanto em outros países do mundo um dos principais exemplos dessa irracionalidade. Os fascistas também buscam naturalizar todo tipo de aberração e mentira para fanatizar as massas, através da política de ódio, visando desmoralizar os inimigos meticulosamente escolhidos, principalmente os comunistas, líderes sindicais e políticos e integrantes das instituições que se opõem às manobras fascistas. No Brasil, os fascistas ganharam um aliado especial: a maioria das igrejas pentecostais, que cresceram e se desenvolveram no vácuo da crise brasileira pregando a teoria da prosperidade, na qual o esforço individual e a fé levarão ao sucesso individual. Essas igrejas são dirigidas por pastores inescrupulosos, que prometem não só curas milagrosas, mas também buscam interferir na vida política do País com as pautas tão conservadoras quanto a dos fascistas.
Para compreendermos a conjuntura atual do sistema capitalista e a natureza da emergência do fascismo, é importante refletirmos sobre as características dessas forças emergentes, especialmente após as eleições desse mês de junho na Europa, os elementos crucias que possibilitaram esse fenômeno, além de suas origens mais profundas. Duas variáveis explicam a emergência do fascismo nos últimos anos: uma de caráter sistêmico e outra de caráter político. A primeira, se expressa na queda da taxa de lucro desde a segunda metade dos anos 70, cuja transbordamento foi a crise sistêmica de 2007/2088, que aprofundou a crise capitalista; a segunda, de caráter político, decorre do fracasso da social-democracia e das políticas reformistas em todo o mundo. Vejamos cada um desses fenômenos:
Desde o início dos anos 80 o sistema capitalista realizou uma inflexão radical nas políticas do chamado Estado do Bem Estar Social. Anteriormente, os objetivos da política econômica estavam centrados no crescimento do produto e do emprego, que foi a tônica nos chamados trinta anos gloriosos nos países centrais. Essa política foi substituída, a partir da dos governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, pelo monetarismo, que tinha como foco a austeridade fiscal, a política monetária restritiva, a desregulamentação da economia e das leis trabalhista, a redução do Estado na economia, as privatizações, tudo isso para combater a inflação e colocar o mercado como regulador da vida social e econômica. Iniciada a partir dos governos da Inglaterra e dos Estados Unidos, essa política rapidamente envolveu a grande maioria dos países capitalistas, especialmente aqueles ligados à economia líder, e tinha como objetivo reverter a crise econômica e retomar as taxas de lucros.
Mesmo tendo provocado uma devastação nos direitos, garantias e salários do mundo do trabalho, desestruturação das políticas públicas, queda na qualidade dos serviços essenciais promovidos pelo Estado, concentração de renda e transferência da maioria das empresas públicas para o setor privado, o capitalismo não se recuperou da crise. Pelo contrário, mesmo com essas ações, inclusive com o colapso da União Soviética, a partir do qual o imperialismo estadunidense transformou o planeta num mundo unipolar, o sistema continuou em crise e obtendo baixas taxas de crescimento. Em contrapartida, ampliaram-se as tensões e lutas sociais em todo o mundo. A condensação dessa conjuntura explodiu em 2007/2008 com a crise sistêmica global, cujo desenlace abalou todos os fundamentos do capitalismo e que continua até os dias de hoje.
Um dos elementos mais determinantes para compreendermos a crise mundial do capital é examinarmos a performance da taxa de lucro de longo prazo. Devemos lembrar que Marx considerava a queda da taxa de lucro a lei mais importante da economia política, bem como uma das causas que levaria às crises. “Pode-se dizer que essa lei constitui o mistério de toda a economia política desde Adam Smith, e que a diferença entre as diversas escolas (econômicas, E.C.) consiste nas tentativas de lhe dar uma solução”.[7] Como a maximização dos lucros é o objetivo central dos capitalistas, a queda na taxa de lucro representa um empecilho para o desenvolvimento dos negócios. E essa taxa cai exatamente por que, na concorrência entre capitalistas, cada capitalista procura superar o outro com a introdução de novos equipamentos na produção para gerar maior produtividade e melhorar sua posição no mercado. Nesse processo, quando o capital constante vai se tornando maior que o capital variável, há uma redução da taxa de lucro, ou seja, quando o investimento cresce num ritmo maior que a taxa de mais-valor por um longo período o sistema tende a entrar em crise.
Tomando em conta que a queda na taxa de lucro é um dos fatores fundamentais das crises capitalistas e observando o Gráfico 1, podemos dizer que a taxa de lucro dos países do G20, que representam as maiores economias do mundo, vem caindo desde a segunda metade dos anos 60 e que que o sistema capitalista vive uma crise econômica de longo prazo. E mesmo que em alguns momentos haja espasmos de crescimento econômico, o que importa avaliarmos no gráfico é que esses pequenos surtos positivos ocorrem diante de uma conjuntura maior de queda da taxa de lucro e, portanto, de crise. Para não ficarmos apenas na questão econômica (e para não sermos acusados de economicista), vale lembrar que o capitalismo, além da crise sistêmica, atualmente vive uma grave crise política, social, monetária e militar.
Essa crise multifacetada tem levado o sistema a buscar revertê-la mediante uma série de ações desesperadas, a maioria sem êxito, e algumas delas se voltando contra o próprio sistema. Basta lembrarmos as política de guerra dos Estados Unidos e da OTAN, que invadiram o Iraque, a Líbia, o Afeganistão e provocaram a guerra na Ucrânia. Em nenhuma dessas guerras o imperialismo obteve êxito pleno e em várias delas foi ou está sendo derrotado. As sanções contra a Rússia tiveram um efeito bumerangue, resultando em crise econômica, com queda no ritmo de crescimento, desemprego e aumento da inflação. Além disso, a ordem imperialista montada no após guerra está em declínio em função da emergência de novos atores econômicos, das contestações ao dólar como moeda mundial e da construção de novos blocos de poder em contraponto aos Estados Unidos.
Assustadas diante de uma mudança da conjuntura, as classes dominantes agora apelam abertamente aos fascistas para resolver os seus problemas, porque os fascistas representam a tropa de choque dos capitalistas nos momentos de crise. Nos momentos de calmaria e elevadas taxas de lucro isso não é necessário, mas diante de incertezas e turbulências sociais, da descrença da população na velha política, da corrupção, dos desmandos governamentais, da população empobrecida, do desemprego, a velha ordem está em questionamento. Por isso a necessidade de apelar às forças fascistas para restabelecer a lei e a ordem e impor a disciplina sociais aos trabalhadores, mesmo que na aparência essas velhas classes dominantes continuem falando em democracia e direitos humanos.
Vale lembrar ainda que nesses momentos de crise as forças da direita clássica, que durante décadas representaram os interesses do capital, terminam sendo superadas pelas forças fascistas. Posando-se de força antissistemicas, de paladinos da moral e dos bons costumes, de críticos da corrupção e das velhas instituições governamentais, os fascistas procuram enganar a todos com palavras de ordem que parecem ser de oposição, mas que na verdade é apenas uma cortina de fumaça para ludibriar a população e atingir os objetivos de seus patrões, os capitalistas. Quando afirmo que o núcleo duro da maioria das classes dominantes constitui o eixo central dos apoiadores do fascismo, isso tem razão de ser, uma vez que se essas classes estivessem efetivamente contra os movimentos fascistas, essas forças não estariam crescendo aceleradamente e ganhando eleições em várias regiões do mundo. Por trás desse crescimento está o dedo da burguesia.
O segundo dos grandes fatores da crise é a falência da social-democracia e dos reformistas em geral. Ao longo da história, a social-democracia sempre foi a mão esquerda dos capitalistas, apesar da fraseologia socialista. Especialmente anticomunista, não podemos esquecer que foi o governo social-democrata de Friedrich Ebert o responsável pelo assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Também a social-democracia sempre se mostrou como boa administradora do capitalismo, tanto que os governos sociais-democratas que dirigiram e dirigem vários governos no mundo num foram incomodados pelas classes dominantes imperialistas. E desde a implantação da política neoliberal, sempre se mostraram como apoiadores e operadores dessa política.
No entanto, tem um outro componente na ação dos governos sociais-democratas e reformistas em geral: esses governos preparam o terreno para a emergência do fascismo, fato que já ocorreu tanto na Alemanha no período anterior à Segunda Guerra, quanto ocorre atualmente. Isso acontece porque essas forças, que geralmente levam o nome de socialistas para enganar as massas, participam das campanhas eleitorais prometendo um conjunto de mudanças e, quando chegam ao governo, não aplicam aquilo que prometeram à população. Isso leva às massas à frustração e ao desencanto, o que se torna um campo fértil para a emergência dos fascistas, especialmente agora nesse período de crise do capitalismo.
Exemplo desse processo também pode ser observado nas últimas décadas na América Latina. Todos devem lembrar que após as desastrosas políticas neoliberais na região, vários governos considerados de esquerda foram eleitos com duras críticas ao neoliberalismo e com um programa de mudanças. No entanto, após eleitos, esses governos mudaram o discurso e implementaram uma política de continuidade do neoliberalismo, com apenas mudanças cosméticas para salvar as aparências. O resultado é que a frustração da população abriu espaços para a volta de governos fascistas, que a mídia denomina de extrema-direita, a exemplo de Milei na Argentina ou Bukele em El Salvador. Esses governos aprofundam ainda mais a política neoliberal e reprimem brutalmente a população.
Onde esse processo se expressou de maneira mais explícita foi no Brasil, após sucessivos mandatos do governo do Partido dos Trabalhadores. No período de 13 anos de governo de conciliação de classes desenvolveu-se uma política, na essência, no interesse do grande capital, deixando para os trabalhadores e a população em geral apenas as migalhas das compensações sociais. Como esse governo estimulou a passividade social e a despolitização das massas, tornou mais fácil a emergência das forças retrógrada. E assim foi afastado do poder num golpe jurídico-parlamentar apoiado por seus próprios aliados da burguesia. Em seu lugar foi colocado um governo que implementou uma política de desastre social, seguida de um desastre ainda maior pelo o governo de Jair Bolsonaro, um fascista caricato que realizou o pior governo da história do País, em todos os sentidos.
Diante de uma conjuntura complexa e difícil como essa, as forças progressistas e revolucionárias não podem perder a esperança de que uma alternativa é possível. Se os reformistas se acovardaram e abandonaram o proletariado, nossas forças terão que assumir uma política alternativa tanto contra o fascismo quanto contra o capital. Deveremos nos apresentar como os mais consequentes no combate ao capitalismo, aqueles que não se rendem e não se vendem aos capitalistas; os que têm a maior coerência na luta contra o sistema. A bandeira das mudanças deve ser nossa, a bandeira da ruptura deve ser nossa, e não dos fascistas. Nessa perspectiva, deveremos dizer claramente que somos a força que luta pelo poder popular e o socialismo na perspectiva da sociedade da abundância e da felicidade humana, que é a sociedade comunista.
Deveremos levar em conta que o apelo das classes dominante ao fascismo, às fake news e à política guerreira não significa que os capitalistas estejam mais fortes. Pelo contrário, isso é uma demonstração de desespero diante de uma situação em que não podem mais ditar as regras do jogo, nem podem oferecer mais nada à humanidade. Quando o capitalismo estava bem de vida e exercia sua hegemonia pelo consenso majoritário da população, não tinha necessidade de apelar aos fascistas nem romper com as regras que eles mesmos estabeleceram. Na verdade, as classes dominantes, diante a crise e do declínio de sua hegemonia, estão temendo mesmo é a possibilidades dos levantes sociais que possam colocar em xeque o próprio sistema capitalista.
Como o Brasil não é um compartimento estanque e faz parte do sistema capitalista mundial, deverá também ser envolvido nesse processo de crise, afinal dificilmente o imperialismo vai olhar de braços cruzados um país com as dimensões continentais como o Brasil, a oitava economia do mundo, realizar políticas que contrariem os interesses dos Estados Unidos. Se o governo continuar a aproximação com a China, que é o principal inimigo dos Estados Unidos, além da Rússia e dos BRICs, com certeza o imperialismo vai realizar todos os esforços para enquadrar o Brasil nos seus interesses geopolíticos. E todos sabemos os métodos que os imperialistas utilizam para impor as suas regras. Dessa forma, é importante ficarmos atentos para uma conjuntura adversa num futuro próximo.
Mas é necessário alertar: não podemos subestimar o fascismo, mas também não podemos temê-lo. Eles costumam aparentar serem mais fortes do que realmente são e mostrar agressividade bem maior do que podem realizar. Mas em nenhum momento se pode tratá-los com bons modos ou luvas de pelica, dado que também não podemos esquecer a sua dimensão paramilitar. Nesse sentido, as forças revolucionárias não devem se restringir apenas aos espaços institucionais, que é importante, mas que não determina o curso da luta de classes. O que realmente tem condições de deter os fascistas é luta organizada nas ruas, as paralisações nos locais de trabalho, estudo e moradia. Mas também é importante se desenvolver um trabalho paciente, de longo prazo, capaz de construir a autodefesa das massas contra o fascismo a partir dos sindicatos, das organizações populares nos bairros, no movimento de juventude e no movimento popular em geral.
Do ponte de vista político, as forças revolucionárias devem desenvolver a luta em quatro dimensões: a) de um lado, deverá ser feita unidade de ação com todas as forças que estejam objetivamente dispostas a combater o fascismo; b) de outro, estaremos em oposição ao bloco burguês e manteremos nossa independência em relação ao governo Lula, realizando a crítica severa de todas as medidas que sejam contra os interesses populares; c) nesse processo deveremos construir um bloco de forças anticapitalistas e antimperialistas com base de massas para enfrentar nossos inimigos de classe; d) buscar a reconstrução do movimento operário e popular, além de elaborar um programa que seja uma alternativa clara contra a crise, de forma que responda as questões concretas da vida cotidiana da população e que aponte na direção do poder popular e o socialismo.
Essa é a tarefa que deveremos empreender nesse momento.
Edmilson Costa é secretário geral do PCB
[1] Von Misses, L. Liberalismo segundo a tradição clássica. Citado por Luan Toja. São Paulo: Instituto Ludwig Von Misses, 2010.
[2] Trata-se de uma síntese das ideias de Friedman encontradas no livro Capitalismo e Liberdade. São Paulo, Abril Cultural, 1984
[3] As revelações em relação ao avô de Bush foram divulgadas por The Guardian e publicadas no Pravda, em artigo Gisele Dexter, em junho de 2008.
[4] Chatgpt.com
[5] Chatgpt, op. cit.
[6] Costa, E. Bolsonaro e a nova face do fascismo. In O fogo da Conjuntura. São Paulo: Edições ICP, 2021.
[7] Marx, K. O Capital, Vol. III, pg. 251. São Paulo: Boitempo, 2017.