Adilson Roberto Gonçalves
Em importante jornal da capital paulista, Sérgio Rodrigues fez uma sólida resenha sobre o livro de Caetano Galindo “Latim em pó”, que é um bálsamo para os que querem apreciar a evolução de nossa língua como é e não como querer impor os mercadores do prosaico. Especialista que é na dinâmica da língua, Sérgio Rodrigues faz também uma menção à necessária divulgação científica no estudo da linguagem, que precisa ser mais bem explorada nas ciências humanas, como tem sido praticada nas biológicas e exatas. No mesmo veículo, uma matéria anterior sobre o podcast “37 graus”, discorreu sobre esse exitoso exemplo, por meio de crítica de Reinaldo José Lopes. A dupla Sarah Azoubel e Bia Guimarães soube aproveitar as oportunidades de incentivo e financiamento que teve, bem como a boa formação em ciências e jornalismo, para aprimorar cada vez mais o podcast do qual são criadores e apresentadoras. Exemplo e orgulho para todos nós!
Porém, certas linguagens no meio cultural precisam ser evitadas para fugir da divulgação de pseudo ou supostas ciências. O cinema se volta ao “reino quântico” em filme da Marvel com o Homem-Formiga. Entretenimento à parte, vamos ver o quanto a película contribuirá para esclarecer ou confundir ainda mais o que a dimensão quântica tem (e não tem) a ver com o mundo macroscópico em que vivemos. Em tempos de “coach quântico”, qualquer ficção parece se tornar realidade.
A colega química Kananda Eller nos revelou que aquilo que já não é muito bom fica pior quando se agregam mais fatores sociais. Ela, mulher negra, publicou “Divulgação científica para todos”, na Folha de S. Paulo (20/2) sobre a falta de espaços. Falar sobre ciência com propriedade é desafiador frente a tantos charlatães quânticos e negacionistas, mas quando ela apresenta a enorme segregação em termos de gênero e etnia, vê-se que o antirracismo e o combate à misoginia precisam ser incorporados também pelos divulgadores que não sentem na pele a discriminação. Antes de ser cientistas precisamos entender a própria sociedade em que vivemos.
Por fim, algo relacionado com a divulgação científica e cultural é a discussão sobre “o gênero na linguagem”, que vai ainda longe porque, além da dinâmica de qualquer língua, no Brasil a ortografia é definida por lei! Além do decreto 6.583 de 2008, que adota o acordo ortográfico de 1990, há a lei federal 5.765 de 1971 que nos tornaria a todos (ou todes) criminosos por não seguir o que lá consta. Creio que o mais importante é trazer à baila a discussão sócio-cultural envolvida e deixar que a língua, como sempre, siga seu curso. O que se chama de linguagem neutra é importante e necessário, especialmente para aqueles que se sentem discriminados. Língua é convenção e evolução, então nada de artificial existe, da mesma forma que um dia trocamos o tu por você, ou da seleção que fazemos ao se referir a alguém como “o senhor”, “a senhora”. Recomendo uma dose de estudo do esperanto, língua criada para simplificar muita coisa, incluindo as diferenças de gênero.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia de Letras de Lorena e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.