Adilson Roberto Gonçalves
No Brasil, são raros os veículos de imprensa que deixam claras suas posições políticas, o que é um mérito para o jornal ou revista, diferente de outros veículos plurais no rótulo e singulares no conteúdo. No entanto, consolidando a impossibilidade da chamada “terceira via” defendida pelo Estadão, como ficará o jornal? Há risco de capitular e vir a apoiar a reeleição do despresidente? Creio que isso não acontecerá para não trair a crítica que foi solidamente construída ao longo dos últimos três anos, evidenciando os descalabros pelos quais passamos. A tendência será de neutralidade - como se isso fosse possível -, também perdendo a oportunidade de apoiar, ainda que parcialmente, pautas progressistas que se delineiam. Pelo menos que não pregue a famigerada “escolha difícil” do último pleito presidencial.
O Estadão marca sua posição crítica em relação ao desgoverno que aí está e também procura deixar bem registrados os pronunciamentos dos que ainda apoiam o ogro que habita o Palácio do Planalto, tal qual o editorial em que repete a “explicação” do famigerado líder do governo da Câmara, Ricardo Barros. Porém, à pergunta pouco retórica constante no relatório do Fundo Verde “quem poderia imaginar que o governo eleito em 2018 [...] recorreria às piores práticas”, a resposta é clara: todos os que tinham bom senso e boa fé.
No caso da Folha de S. Paulo, surpreende a coragem com que seu ombudsman disse com todas as letras que mais um golpe contra a democracia no Brasil está pronto para ser aplicado. Ele apenas colige a informação abundante entre especialistas, analistas e a clara realidade dos fatos, nada mais que isso. Porém, o jornal contemporiza. Antes a Folha dizia ter rabo preso somente com o leitor, sabe-se lá o que isso significava, haja vista nossa heterogeneidade. Mas, agora, parece jogar panos quentes no caso do criminoso indultado pelo despresidente. É isso mesmo? Comparando com a gasolina que jogava no incêndio dos governos petistas, parece uma grande reviravolta editorial. Ou o rabo se prende a alhures?
Distintamente de previsões catastróficas infundadas ou teorias da conspiração, interromper o processo eleitoral é a única forma do despresidente se manter no poder. Em 1964 foi exatamente assim, boa parcela dos segmentos civis e da imprensa apoiou a quartelada das Forças Armadas. Até o obstinado antipetista Hélio Schwartsman reconhece que Lula é a melhor escolha nas vindouras eleições de outubro, se acontecerem. É importante que críticos aos governos progressistas não embarquem na furada da equiparação entre eles e o atual desgoverno. Porém, a suposta isenção da imprensa sempre favoreceu a direita. Quem sabe o articulista sirva de exemplo para mudar um pouco essa história.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia de Letras de Lorena, Academia Campineira de Letras e Artes e Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.