O que precisa de bom clima é dia de praia e lavoura; golpe exige oportunidade

O que precisa de bom clima é dia de praia e lavoura; golpe exige oportunidade

 

por Fernando Soares Campos(*)


Uma parcela da classe média bem intencionada, porém equivocada, muitas vezes expressa legítima indignação contra injustiças, participa de movimentos pró direitos humanos, consterna-se com vítimas de crimes hediondos e protesta contra as falcatruas de políticos e empresários que são pegos com a mão grande na botija, saqueando os cofres públicos. Porém, a despeito desse esforço de exercício da cidadania, esta camada da população geralmente busca justificativas para a instauração da pena de morte, a redução da maioridade penal e até para um "providencial" golpe militar que restabeleça a ordem, em "breve ditadura". "Somente para colocar ordem na casa", tentam justificar.


A classe média brasileira (acho que de todo o Planeta) geralmente confunde sistema capitalista, liberdade de mercado, com democracia. Apesar de estarmos tratando de uma classe social, aqui me refiro tão-somente à mentalidade predominante em considerável parcela dos indivíduos que formam esse estrato social. Ainda assim, não estou considerando propriamente qualquer orientação ideológica adotada pela classe média brasileira, mesmo porque tal enfoque exigiria uma complexa análise de fatores que influenciam o comportamento de grupos. Refiro-me apenas ao indivíduo que aposta numa tal mobilidade social, uma ascensão individual, baseada em méritos pessoais, num sistema capitalista que nada tem de democrático. Não dá pra confundir um oba-oba consumista, ou uma liberdade de sofrer e protestar contra o sofrimento, com democracia.


 Lula e a classe média brasileira


A classe média brasileira reage, em muitos casos, conivente com o atavismo golpista da mídia empresarial, que, de tempos em tempos, evoca fantasmas, como a velha ameaça do "comunismo ateu", e assombra a população com monstros virtuais do tipo Maduro "ditador", Evo Morales "usurpador", Lula "corrupto". Isso entre tantas outras artimanhas.


A verdade é que Lula, com o passar do tempo, torna-se, a cada dia, um político cada vez mais equilibrado, ponderado.


Quando Lula se negava a fazer coligação com as diferentes correntes políticas, mesmo com os "bem comportados" quadros centristas, chamavam-no de "purista", cobravam dele uma posição moderada e tolerante. No momento em que Lula resolveu fazer alianças que atendessem ideias e aspirações num âmbito interpartidário, tentando o tão sonhado governo de coalizão, acusaram-no de compactuar com as elites dos setores econômico-financeiros e com as velhas raposas da política nacional.


Diziam que Lula no governo iria perseguir seus antecessores e, vingativo, mandaria investigar até o momento do parto de seus desafetos. Lula resolveu trabalhar, para atender às necessidades mais urgentes dos verdadeiros necessitados. Ao invés de chorar o leite derramado, Lula decidiu fazer o país produzir mais leite, carne, pão, manteiga, feijão, soja, carros, eletrodomésticos, combustíveis...


Vivíamos afirmando que neste país só se prendia ladrão de galinha. O governo Lula resgatou uma Polícia Federal, que, em governos anteriores, chegou à beira da falência. Seu governo fez, na medida do possível, o que qualquer governante de país sério deve fazer: mandou para a Justiça milhares de criminosos que durante muitos anos circularam impunes. Se os indivíduos conseguem se safar e protelar seus julgamentos até a prescrição de seus crimes, nem o governo Lula nem a Justiça podem ser responsabilizados pelas leis que esses mesmos corruptos elaboraram e nelas se apoiam há décadas!


Existe clima para golpe militar?

 

É comum assistirmos às especulações de alguns jornalistas que entrevistam generais, consultando-os sobre as possibilidades de um iminente golpe de Estado. Há muitos anos vejo coisas assim, repórteres perguntando a generais se existe algum golpe em andamento, como se algum conspirador admitisse as intenções de golpear. Não estou com isso afirmando que algum general conspira, atualmente, no Brasil, refiro-me apenas à "ingenuidade" de certos profissionais de imprensa. Conspiração contra um governo (qualquer que seja) é uma constante, é uma atitude comum a oposições de qualquer orientação político-ideológica. Uns mais desleais que outros, mas conspirar é muito comum entre adversários.

 

Golpear um governo não depende apenas de "clima" ou "ambiente", mas, acima de tudo, de oportunidade. E essa oportunidade os golpistas brasileiros continuam criando. Os tempos são outros, os métodos talvez também sejam outros, porém não menos violentos.

 

Milhares de pessoas já morreram porque não acreditavam em golpe militar iminente. Duvido que, na manhã de 1º de abril de 1964, os militantes de esquerda e a população brasileira em geral acreditassem que, naquele mesmo dia, os tanques estariam nas ruas, com o propósito de instalar uma das mais perversas ditaduras, alegando o propósito de combater a ameaça de regime ditatorial, "à maneira cubana" ou "soviética", no Brasil.

 

Eu perguntaria aos chilenos se eles poderiam nos relatar como se sentiam no dia em que bombardearam o Palácio La Moneda e eliminaram o presidente Salvador Allende. Se a população havia sido notificada sobre o "evento". Também gostaria de saber se os argentinos, por acaso, receberam algum boletim informativo com uma nota do tipo "Amanhã cedo vamos golpear". Como foi o primeiro dia de matança aí na Argentina, hein? Como estava o clima naquele dia? Muito frio? Chuvoso? Nevasca? Calor?

 

O AI-5 do general Costa e Silva, em 1968, impôs o fechamento do Congresso Nacional e censura à imprensa. Estabeleceu de vez a ditadura que começou em 64. Porém, nos dias de hoje, com a imprensa e o Congresso que temos aí, não precisariam cassar mandatos nem impor censura à imprensa. Pra quê?! Eles já aprenderam a autocensurar-se, a obedecer, a mancomunar-se. Nada de atos de exceção, hoje basta o que já temos aí: impérios jornalísticos a serviço do poder econômico, desnorteados diante de um ex-presidente de origem paupérrima, de pouca instrução formal, mas eficiente, capaz de produzir efeitos benéficos à Nação, ensinando como se governa competentemente. Isso, para as oligarquias que dominam este país há séculos, é inaceitável. 


Não há clima para golpe, dizem os ingênuos. Ora, o que precisa de bom clima é dia de praia e lavoura. Para golpear, eles criam a oportunidade, mesmo que de forma desleal, como sempre agiram.

 

(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse  ̶  8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; e "Fronteiras da Realidade  ̶  contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018. 

 


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Timothy Bancroft-Hinchey