As eleições municipais no Brasil e o teorema da luta de classes
Edmilson Costa*
O Brasil realizou em novembro as eleições municipais nos 5.569 municípios do País em dois turnos: o primeiro turno em 15 de novembro e o segundo em 29 de novembro. Estavam aptos a votar 147,9 milhões de eleitores, mas houve uma abstenção de cerca de 29% no primeiro turno e 31% no segundo turno. Não participam do processo eleitoral Brasília e Fernando de Noronha, onde são realizadas apenas eleições gerais. De todos os Estados, São Paulo é o que possui o maior número de eleitores, 33,56 milhões, enquanto a capital do Estado tem 8,98 milhões de eleitores, e a pequena cidade de Araguaína, no Mato Grosso, é o menor município, com apenas 1.100 eleitores. Do conjunto dos eleitores, 52,49% é constituído por mulheres, enquanto 47,51% são de homens. Para efeito de análise vamos nos concentrar nas cidades do País com mais de 200 mil eleitores, onde pode ocorrer segundo turno. Essas cidades representam os maiores conglomerados urbanos do País, sendo justamente nesses espaços geográficos onde se concentra a maioria do proletariado brasileiro e onde pulsa mais efetivamente a luta de classes.
É importante esclarecer ainda que as eleições nas sociedades capitalistas e, especialmente no Brasil, funcionam como uma espécie de espelho distorcido da luta social, uma vez que, em todas as eleições, as maiorias sociais costumeiramente são transformadas em minorias na representação política institucional. Isso ocorre porque as eleições são marcadas por um conjunto de condicionalidades, tais como a dominação ideológica da burguesia, afinal as ideias hegemônicas nas sociedades capitalistas são as ideias das classes dominantes; o poder econômico dos capitalistas, que financia e promove por meios legais e ilegais os seus representantes institucionais; as máquinas administrativas tanto na esfera federal, estadual e municipal, especialmente nas pequenas e médias cidades; além de um limitado trabalho de base por parte da esquerda junto ao proletariado e a população pobre das periferias, tanto em função dos anos de conciliação de classe, que desarmaram e apassivaram os trabalhadores, quanto porque a esquerda classista ainda não reuniu forças para reverter a despolitização e se colocar como alternativa nos locais de trabalho e moradia.
Vale também lembrar que as eleições municipais ocorreram num período atípico da conjuntura brasileira, em consequência da pandemia, do distanciamento social, da inviabilidade de grandes concentrações de massa e da ofensiva neofascista do governo Bolsonaro, cujo governo tem sido de restrição permanente e cerco às liberdades democráticas. Além disso, as eleições municipais, especialmente nas pequenas e médias cidades, possuem uma dinâmica diferente das eleições nacionais porque estão muito mais vinculadas aos problemas locais do que às grandes questões nacionais, além das tradicionais pressões das oligarquias, muito mais próximas dos eleitores que nas grandes cidades. Como nos grandes centros urbanos o nível de circulação de informações é bem maior e a estrutura da educação é também mais elevada que nas pequenas cidades, é exatamente nas grandes metrópoles onde se encontram as principais organizações dos trabalhadores, o espaço onde as contradições de classes são mais visíveis e o nível de ação das grandes massas é mais intenso. Por isso, a importância de analisarmos as 95 cidades com mais de 200 mil eleitores porque essas cidades determinam a dinâmica da luta de classes no Brasil.
Além dessas questões, não podemos esquecer que esse pleito municipal ocorreu após o tsunami das eleições presidenciais de 2018, quando Bolsonaro e a extrema-direita atropelaram não só a esquerda e a centro-esquerda, mas a própria direita clássica, que sempre teve maioria nas eleições municipais. Naquela conjuntura, parecia que o mundo tinha virado de cabeça para baixo. Pela primeira vez no pós-guerra uma extrema-direita neofascista, com um programa explícito de extrema-direita, ganhara as eleições de forma acachapante no país. Tamanha foi a força de Bolsonaro naquela eleição que bastava um candidato se proclamar bolsonarista para ser eleito. Aquela conjuntura abriu espaço para todo tipo de aventureiro, oportunista e para o lumpesinato politico tosco e desqualificado ganhar um mandato eleitoral. Resultado disso são as centenas de deputados federais, além de senadores e governadores, sem nenhuma expressão política que hoje dirigem ou representam vários Estados. Nem eles mesmos acreditavam em sua eleição um mês antes do pleito.
A derrota do bolsonarismo
Feitas essas observações iniciais, não vamos nos ater apenas aos aspectos quantitativos das eleições municipais, mesmo sabendo que essa dimensão tem grande importância, mas não define a dinâmica da luta política. Nos municípios menores, em sua grande maioria, a política é dominada pelas classes dominantes tradicionais pelos motivos que já abordamos. Serve para garantir maiorias nas casas legislativas locais e no Congresso Nacional, mas tem pouca relevância na dinâmica geral da luta de classes. Portanto, avaliar as eleições a partir das grandes cidades com mais de 200 mil habitantes nos permite ter uma dimensão mais qualitativa da luta de classes, do estado de ânimo da população e da correlação de forças no país. O Brasil possui 95 cidades com mais de 200 mil eleitores. No primeiro turno, a direita tradicional ganhou em 35 delas e a centro-esquerda em apenas duas e os bolsonaristas em nenhuma. Ou seja, desde o primeiro turno já se podia observar que a direita tradicional tinha se recuperado da derrota que sofreu em 2018 para a extrema-direita, fato que viria a se confirmar com o resultado das eleições no segundo turno.
Numa primeira aproximação analítica, pode-se dizer com segurança que a extrema-direita, e Bolsonaro particularmente, saíram bastante enfraquecidos das eleições. Para se ter uma ideia, o presidente apoiou diretamente 63 aliados entre candidatos a prefeito e vereador, conseguindo eleger apenas nove, dos quais somente um em capitais. Nessas eleições ocorreu o contrário das eleições passadas: Bolsonaro funcionou como uma espécie de dedo podre, pois os candidatos que indicava perdiam imediatamente prestígio eleitoral junto à população. Os casos típicos ocorreram nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Como Bolsonaro é o principal inimigo dos trabalhadores, da juventude e do povo pobre das periferias, a derrota política de seus aliados tem um significado importante porque indica que as ideias que foram vitoriosas em 2018, apenas dois anos depois foram derrotadas de Norte a Sul do país. No entanto, ainda sobrevive um restolho neofascista a ser derrotado, uma vez que muitos candidatos bolsonaristas tiveram mais de 40% dos votos em grandes cidades. Mas tudo leva a crer que sua popularidade tende a se reduzir, tanto porque seu mentor político foi derrotado nos Estados Unidos, o que o deixa sem norte e sem rumo, quanto porque seu governo tem sido um desastre do ponto de vista econômico, político, social e sanitário.
Alguns elementos muito importantes a ser levados em conta estão relacionados à queda de alguns mitos que estiveram em alta nas eleições passadas. O primeiro deles é o fato de que os evangélicos pentecostais eram capazes de definir qualquer eleição. Não foi o que ocorreu. Grande parte dos candidatos que apelaram ao fundamentalismo religioso, que funcionou no passado, foram derrotados. Além disso, os candidatos que apelaram para a pauta de costumes, agitando bandeiras ultraconservadoras, também não obtiveram grande êxito. Da mesma forma que as fake news não obtiveram o resultado que almejavam. Ou seja, o preconceito, a misoginia, o racismo e a onda ultraconservadora saíram enfraquecidos nestas eleições. Falaram mais alto a crise econômica, o desemprego e as péssimas condições de vida da população, o que mais uma vez vem demonstrar a centralidade da luta de classes, cujos desdobramentos tanto no terreno social quanto no político ou eleitoral estão acima das velhas catilinárias do discurso reacionário. É bem verdade que, em um ou outro local, esse discurso ainda teve força, como em Pernambuco e Porto Alegre, mas no geral foi um fracasso.
Bolsonaro não compreendeu que sua popularidade não era a mesma do período em que se elegeu presidente e que a conjuntura brasileira tinha mudado nesses últimos dois anos. Ele até ensaiou um discurso de que não iria interferir no pleito quando foram definidas as datas da eleição. Possivelmente teria sido aconselhado por algum assessor sobre a possibilidade de uma derrota e a repercussão que isso poderia ter em suas aspirações eleitorais. Mas Bolsonaro, como de costume, não se conteve e começou a fazer lives com apoio a candidatos a prefeito e vereador de sua trupe, especialmente aqueles mais alinhados com o seu discurso de ódio, como aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus, todas essas grandes e médias capitais de Estados brasileiros. Em algumas dessas cidades ocorreram fatos inusitados como candidatos que, sentindo a queda de popularidade nas pesquisas eleitorais após o apoio de Bolsonaro, começaram a se distanciar do presidente, mas já era tarde. Esses fatos podem ser considerados, no mínimo, como uma desmoralização para quem se imaginava um mito em consequência da vitória nas eleições presidenciais.
Os vencedores das eleições
Os grandes vencedores das eleições municipais no Brasil, inclusive nas maiores concentrações populacionais, foram os partidos da direita clássica, que agora procuram se fantasiar de centro, buscando assim se diferenciar de Bolsonaro. A vitória desses partidos significa que ocorreu um deslocamento da extrema-direita para a direita tradicional e que esses partidos se recuperaram da derrota de 2018 para a extrema-direita bolsonarista. Parece que as classes dominantes, incomodadas com as bizarrices do governo Bolsonaro, resolveram restabelecer suas lideranças orgânicas e a representação tradicional, inclusive com um processo de renovação das oligarquias. Eles concordam com a política de terra arrasada e o ataque aos direitos e salários dos trabalhadores e pensionistas, mas as fanfarronices de Bolsonaro e sua política externa bizarra, especialmente no caso da China e do meio ambiente, estavam prejudicando os negócios e levando a enfrentamentos desnecessários. É bom lembrar que a China é o maior parceiro comercial do Brasil e todo o setor do agronegócio depende das exportações para a China.
Em outras palavras, para a direita clássica, esse resultado eleitoral restaura seu domínio tradicional tanto nos parlamentos municipais quanto nas prefeituras, inclusive com novos personagens reciclados buscando se diferenciar, especialmente naquilo que é mais bizarro no governo Bolsonaro e que não coloca em xeque o domínio burguês, como a questão da pandemia e da ciência, além da questão diplomática. A conjuntura pode estar indicando que o bolsonarismo foi uma espécie de acidente ocasional, necessário como uma espécie de freio de arrumação, como instrumento para realizar o trabalho sujo num momento de crise, mas que agora se torna incômodo.
No entanto, a direita tradicional enfrenta um dilema bastante difícil de resolver: a política econômica desenvolvida por Bolsonaro é a mesma que as classes dominantes vinham aplicando desde o golpe de 2016 com Michel Temer e é apoiada por praticamente todos os setores dominantes, mas a crise econômica e o fundamentalismo ortodoxo do ministro Paulo Guedes e sua insanidade em continuar a defesa do teto dos gastos aprofundam a crise econômica e inviabilizam qualquer tipo de retomada da economia a partir dos investimentos públicos. Essa é uma receita que em algum momento não muito distante pode levar a uma explosão social em consequência do fim do auxílio emergencial, do elevado desemprego, do aumento da inflação e do aprofundamento da pobreza e das péssimas condições de vida da maioria da população. E a insatisfação popular nas ruas é tudo que a direita teme.
Mesmo fortalecida, a direita tradicional também não quer o impeachment do governo, o que não seria muito difícil diante de seu fortalecimento e da maioria parlamentar no Congresso. Mas teme que um processo dessa ordem possa colocar em risco seu próprio domínio e aquilo que imagina que seria um desdobramento natural das eleições de 2018 - a vitória em 2022. Além disso, a burguesia teme ainda a reação das hordas bolsonaristas diante da deposição de seu líder e também que uma crise provocada por um impeachment, aliada à crise econômica e social brasileira, desperte a revolta latente das ruas e ponha em cheque seus planos para a eleição presidencial. Por isso prefere o desgaste lento e gradual de Bolsonaro, espera que ele continue fazendo o trabalho sujo na economia e nas relações sociais, até chegar muito enfraquecido em 2022, o que abriria caminho para o domínio clássico da direita tradicional. Não se pode prever ainda como evoluirá a conjuntura do ponto de vista institucional, mas com certeza teremos até as eleições presidenciais um acirramento da luta de classes e possivelmente a emergência da luta popular como já está ocorrendo em várias partes do mundo.
Vejamos de maneira factual os resultados do segundo turno das eleições municipais: novamente, a direita clássica ganhou na grande maioria das cidades, consolidando seu desempenho do primeiro turno. Das 57 cidades em que houve disputa para o segundo turno, o PT disputou em 15, o PDT quatro e o PSB em sete, o PSOL em duas e o PC do B em uma. Ao final das eleições, O PT ganhou em quatro dessas cidades, o PDT e o PSB em três cada e o PSOL ganhou em uma capital. Aparentemente, tratou-se de um resultado matematicamente desfavorável às forças de esquerda e centro-esquerda, afinal a direita tradicional ganhou tanto no primeiro quanto no segundo turno a maioria das grandes cidades brasileiras. Se a isso acrescentarmos as vitórias eleitorais na grande maioria das pequenas e médias cidades, então tratar-se-ia efetivamente de uma vitória completa das classes dominantes. No entanto, não podemos ver a dinâmica da luta social apenas pela aparência dos fenômenos: a luta de classes é muito mais complexa.
A esquerda avançou nas grandes cidades
Ao contrário das análises recorrentes que têm aparecido nos meios de comunicação, envolvendo até mesmo vários setores progressistas, acreditamos que ocorreu um avanço das forças de esquerda, mesmo que estas tenham sido eleitoralmente derrotadas nas principais cidades. O problema é que muitos confundem a performance do PT com o desempenho da esquerda em geral e não conseguem captar as novas dinâmicas da luta política nem os novos caminhos que se abrem para outras forças de esquerda. Conseguem ver apenas as árvores na grande floresta da luta política e não observam que nas grandes metrópoles ocorreu a eleição de um número expressivo de vereadores mulheres, negros, LGBTs, quase todos de esquerda, dando uma nova configuração a essas cidadelas da burguesia, além de um prefeito do PSOL numa grande capital, e a incorporação de milhares de ativistas sociais na luta política. Se levarmos em conta ainda a derrota de 2018, a ofensiva neofascista de Bolsonaro ao longo de seu governo, a prática anticomunista permanente, a politica de ódio e todo o retrocesso institucional que ocorreu desde a posse desse governo, um avanço da esquerda nos grandes centros urbanos, especialmente em São Paulo, a maior cidade do país e o centro aglutinador do proletariado brasileiro, é um feito extraordinário que indica tendencialmente um futuro promissor para a esquerda classista.
Não se trata de romantizar as derrotas ou buscar sofismas para ofuscar os dados da realidade, mas não é correto medir o resultado eleitoral por uma régua puramente matemática. A luta de classes não é uma conta de soma e subtração: é precisar avaliar os movimentos mais profundos da conjuntura para compreender as tendências mais gerais que nortearão o desenvolvimento da luta social. Como todo espelho distorcido, as eleições refletiram, nas aparências, apenas uma parte de um fenômeno da luta de classes. A outra parte veremos nos próximos meses. Portanto, acreditamos que não é correta a autoflagelação que é observada em vários setores progressistas. Essa atitude é típica da pressa pequeno-burguesa, que só leva ao desânimo e a paralisia na ação política. Da mesma forma que não adianta ficar sempre reclamando das manobras das classes dominantes no período eleitoral. Para a esquerda classista, as eleições serão sempre desiguais, afinal as classes dominantes possuem o poder econômico, as máquinas administrativas federal, estadual e municipal e a hegemonia ideológica da sociedade. Tudo isso é verdade e todos sabem que as regras desse jogo são feitas pelo inimigo. Uma vitória da esquerda pode ser considerada um ponto fora da curva e muitas vezes a burguesia sabota esses governos e os derrubam através de golpes de Estado. Mas não se pode deixar de registrar o imenso acúmulo para a esquerda classista nessas eleições, fenômeno que será fundamental nas batalhas que virão no próximo período.
Por isso, as eleições na cidade de São Paulo merecem uma consideração especial. Quem poderia imaginar que uma candidatura assumidamente de esquerda (PSOL, PCB e UP), com um líder oriundo dos movimentos sociais por moradia, com um programa claramente vinculado aos interesses populares, uma campanha sem esconder bandeiras para suavizar a imagem ou a natureza de esquerda da candidatura e apenas 17 segundos de propaganda na televisão, fosse capaz de derrotar as siglas tradicionais e disputar o segundo turno na principal cidade do país? Além disso, essa mesma candidatura, com pouquíssimos recursos comparados aos partidos tradicionais, sem rebaixar o programa, conseguiu atrair mais quatro partidos de centro-esquerda para a campanha e ainda obter mais de 40% dos votos no segundo turno, ganhando em vastas regiões da periferia. Não é pouca coisa: o desempenho da esquerda em São Paulo tem um significado político expressivo não só porque projetou uma nova liderança nacional, mas também porque demonstrou que se pode disputar uma eleição sem posar de bom moço para a burguesia. Só para lembrar: nas eleições municipais passadas, o atual governador de São Paulo ganhou as eleições municipais no primeiro turno.
Aos mais apressados é bom reforçar: os tempos da vanguarda e da população são assimétricos. A militância compreende muito mais rapidamente que o proletariado os meandros da conjuntura, pela própria prática militante e formação política. O proletariado é esmagado diariamente pelos aparelhos ideológicos da burguesia, que tentam semear confusão e apontam para a busca de soluções individuais diante dos problemas coletivos, com o objetivo de consolidar a alienação da população e manter o seu domínio. Por isso, pela própria condição de vida e luta pela sobrevivência, o proletariado demora mais a compreender sua própria condição de explorado e oprimido, mas quando essa compreensão se torna maioria não tem força capaz de derrotá-la. Geralmente, a militância pequeno-burguesa não compreende essa diferença e sempre quer realizar as mudanças de forma rápida e automática, de acordo com seus desejos. E quando isso não acontece, começam as frustrações e as lamúrias. De certa forma, é o que está acontecendo com vários setores da esquerda. Portanto, para esclarecer o proletariado, capacitar as maiorias para a luta política, formar lideranças e organizar a luta popular, é fundamental o trabalho de base permanente nos locais de trabalho, moradia e estudo.
Outro elemento importante dessa conjuntura eleitoral se refere ao desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT). Como já afirmamos em trabalhos anteriores, o ciclo das lutas sociais que se iniciou em 1978 com as greves do ABC se fechou dramaticamente com o impeachment da presidente Dilma e todas as organizações que nasceram e se desenvolveram nesse ciclo, inclusive o PT, tendem ao esgotamento, em função de sua incapacidade de fazer autocrítica dos erros do passado e se atualizar para as novas tarefas da luta de classes. Mesmo que o PT não tenha sofrido a mesma hecatombe das eleições municipais passadas, o partido não conseguiu eleger nenhum prefeito nas capitais, fato que não ocorria há várias décadas, e ganhou em apenas quatro prefeituras das 95 cidades com mais de 200 mil eleitores. No entanto, na maioria das 15 cidades em que disputou o segundo turno, teve em média mais de 40% dos votos, o que não é um desempenho desastroso diante daquilo que muitos prognosticavam. Mas o PT vive uma lenta agonia e, parafraseando Marx, uma espécie de tendência declinante da influência social e política. E tudo indica que continuará essa trajetória em virtude da sua aposta incondicional na institucionalidade. Podemos dizer que a esquerda no Brasil vive um período de transição, em que a hegemonia do PT está sendo bastante reduzida nos centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Salvador, Porto Alegre e Fortaleza e novas forças e novas lideranças estão surgindo no cenário político do País.
As perspectivas no próximo período
O próximo período da luta social no Brasil será intenso e qualquer prognóstico para 2022 será pura especulação. Até lá muita água ainda vai rolar: a luta de classes não vai tirar férias e a pandemia, o fim do auxílio emergencial, o desemprego, a inflação e a miséria vão acirrar a luta social. Não deverá ser surpresa para ninguém a retomada das greves e das manifestações de ruas, a exemplo do que já vem ocorrendo nos Estados Unidos, no Chile, no Peru, na Guatemala, na França e na Índia. Parece que as massas estão perdendo a paciência com a destruição neoliberal, o fascismo de mercado e a pobreza. Como aqui no Brasil todos esses fenômenos ocorrem com muito mais intensidade, em função das contradições cada vez maiores entre uma classe dominante truculenta, que vive nababescamente, e a maioria da população, que se encontra em péssimas condições de vida, a luta de classes em nosso país tende mesmo a ser mais acirrada no próximo período.
As cartas estão na mesa e as classes dominantes já se movimentam no sentido de voltar o velho discurso neoliberal e aos ataques contra os trabalhadores. A TV Globo, principal monopólio de comunicações do país, procura de todas as formas transformar o resultado eleitoral num instrumento para evitar a ascensão de uma esquerda classista, ao fantasiar em seus noticiários a velha direita como políticos de centro e dizer que os eleitores rejeitaram os extremismos. Buscam assim se afastar de Bolsonaro e condenar as posições mais à esquerda. Se não existisse o perigo de radicalização das massas a Globo não estaria perdendo tempo em condenar a esquerda. Espertamente, critica alguns aspectos da política de Bolsonaro, mas defende com ênfase a política de terra arrasada de Paulo Guedes. Como a Globo é uma espécie de porta-voz das classes dominantes, esse monopólio midiático procura de todas as formas esconder que essa direita tradicional é cúmplice da eleição de Bolsonaro, cúmplice dos ataques aos trabalhadores, cúmplice do entreguismo e da submissão aos interesses norte-americanos. Ninguém pode se enganar com esse canto de sereia: Bolsonaro é a cara das classes dominantes brasileiras, que agora estão envergonhadas com alguns aspectos bizarros de seu governo, mas esse governo é obra de sua própria criação.
O governo Bolsonaro saiu das eleições enfraquecido, perdeu sua referência política com a derrota de Trump e foi derrotado nas eleições municipais e agora está refém do Centrão, que vai cobrar cada vez mais caro seu apoio ao governo, afinal são profissionais do fisiologismo. Além disso, a crise econômica, social e política é profunda e vai levar as massas, premidas pelo desespero, a se colocarem em movimento contra a política do governo. Por isso, a conjuntura necessita de propostas claras de mudanças e organização popular. A esquerda deve mudar a tática e passar à ofensiva se quiser obter protagonismo na nova conjuntura que se abre em nosso País. A esquerda classista e as forças progressistas em geral devem continuar os esforços para derrotar esse governo e sua política de terra arrasada, de preferência nas ruas, nos locais de trabalho, estudo e moradia antes de 2022 se a conjuntura permitir. A luta vai ser muito dura, mas é necessário que estejamos preparados para enfrentar esse governo em qualquer tipo de conjuntura. Nada de desânimo nem autoflagelação: a conjuntura está favorável à denúncia do capitalismo e dos ataques contra os trabalhadores, a projetos claros que apontem no sentido de uma perspectiva anticapitalista e anti-imperialista para o país. É hora de agir.
*Edmilson Costa é secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
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