O ano já é de luta para os indígenas

O ano já é de luta para os indígenas

Mais de 500 representantes de 45 etnias se reúnem neste início de 2020 para fincar resistência contra a destruição de seus direitos e da floresta

Um encontro histórico e um recado claro. Mais de 500 representantes dos povos Tremembé, Txicão, Xavante, Kaiabi, Guarani-Kaiowá, Terena, Munduruku, Guajajara, Kayapó, Kisêdjê, em um total de 45 etnias, se reuniram na aldeia Piaraçu, Terra Indígena Capoto Jarina (MT), seguindo o chamado do cacique Kayapó Raoni. A primeira grande mobilização dos povos da floresta neste início de 2020 tratou de denunciar os ataques do atual governo contra os direitos indígenas e a proteção das florestas. O resultado final foi o Manifesto do Piaraçu, um chamado ao cumprimento da lei e ao fim das agressões.

Queremos "denunciar que está em curso um projeto político do governo brasileiro de genocídios, etnocídio e ecocídio", diz o texto, assinado pelas principais lideranças indígenas e também por Julio Barbosa, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e Ângela Mendes, filha de Chico e presidente do comitê que leva o nome de seu pai. A união entre extrativistas, ribeirinhos, quilombolas e indígenas -- conhecida como Aliança pelos Povos da Floresta, campanha realizada nos anos 1980 -- foi retomada para fortalecer a resistência contra os retrocessos promovidos pelo governo federal.

Realizado no começo de janeiro, a reunião aconteceu em um momento em que o governo planeja enviar ao Congresso um projeto de lei que libera a exploração econômica nas Terras Indígenas por meio de garimpo, mineração, petróleo, gás, hidrelétricas e arrendamento para gado e monoculturas. Segundo a Constituição brasileira, os indígenas têm direito ao" usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

A chegada dos parentes de longe foi marcada por cantos e emoção. A cada mesa de debates, uma dança evocava a força da ancestralidade. Nos corpos, os indígenas traziam o vermelho e preto -- cores usada na guerra --, com uma diversidade enorme de traços e contornos, cada qual com seu grafismo. Durante as conversas, velhos companheiros relembraram as ações pelo reconhecimento dos direitos dos povos indígenas na elaboração da Carta Magna de 1988. Quase 32 anos depois, a luta segue.

O encontro no Piaraçu tratou também do recrudescimento da violência no campo, ecoando os sinais emitidos desde o Planalto Central. Sete indígenas foram assassinados em 2019 segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O ano passado começou com ataques ao povo Uru-eu-au-au, contra os Arara no Pará, e no sul, contra os Guarani do Mato Grosso do Sul. O ano terminou com quatro Guajajara assassinados, das TIs Arariboia e Cana Brava, num espaço de menos de dois meses. Novos ataques contra os Guarani Kaiowá (MS) abriram 2020.

Presente ao encontro, a líder indígena Sônia Guajajara afirma que o encontro de Piaraçu é uma das estratégias para combater a violência que vem vitimando os povos indígenas. "Quando essas mortes acontecem, percebemos o impacto das declarações de Bolsonaro em nossas vidas. E quando isso acontece, nós também morremos. É um governo que quer acabar com as riquezas dos nosso territórios e por isso está nos matando", denunciou.

O anfitrião do encontro, Cacique Raoni, e seus convidados, discutiram durante três dias, e compartilharam a situação de cada território ali representado. Juntos, traçaram estratégias de combate ao desmonte das políticas públicas para povos indígenas. "Queremos construir a nossa estratégia, o nosso documento", ressaltou Krisanto Xavante, Presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).

Krisanto Xavante contou que os indígenas sempre quiseram a floresta em pé "não porque a floresta é bonita, mas porque os seres que habitam a floresta fazem parte de nós e correm no nosso sangue". As lideranças denunciaram ainda a ausência da autonomia política, administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas de Saúde (DSEIs) e exigiram o fortalecimento do controle social por meio da recriação do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) -- extinto pelo Decreto 9.759/2019.

Juventude indígena

Os jovens são a aposta das comunidades para a continuidade da luta pela preservação dos direitos dos povos indígenas. Durante o encontro, os mais velhos expressaram que os mais novos são a maior preocupação. É urgente que seus direitos sejam garantidos. "Algumas lideranças já nos deixaram. Vamos seguir o caminho que trilharam para nós, jovens. Eu sou uma liderança jovem, que acompanha toda a trajetória do grande líder Cacique Raoni", disse Meyboro Metukire.

A incerteza sobre o futuro, com as garantias necessárias para a continuidade do modo de vida desses povos em seus territórios, foi tema central do encontro de Piaraçu. Dentre os principais questionamentos, como resistir às ameaças de garimpeiros, grileiros, ruralistas e outros que querem explorar as riquezas dos territórios. "Só por meio da unidade da luta indígena e das vozes coletivas, será possível lutar contra as propostas genocidas desse governo", pontuou Sônia Guajajara.

"Por isso fomos à reunião na aldeia Piaraçu", explicou o cacique geral do povo Enawenê-nawê, Kolareene. "Discutimos o problema do povo indígena Enawenê-nawê. Nossa preocupação é com o rio, com a natureza. O governo quer acabar com o nosso rio, construindo mais hidrelétricas, além das oito que já foram construídas dentro do nosso território, na bacia do Juruena. O governo quer ainda mais. Nós não aceitamos, porque o nosso principal alimento -- os peixes-- já foram todos mortos pelas hidrelétricas que invadiram o nosso território", relatou o cacique.

Sília Moan

ISA

https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/o-ano-ja-e-de-luta-para-os-indigenas

 


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Timothy Bancroft-Hinchey