Os desinformados
Os jornalistas gostam de se auto-intitular de formadores de opinião. Arrogância típica deles. Uma minoria talvez até mereça o título - me vem a mente o nome de um, Janio de Freitas - mas a maioria repete, com mais ou menos ênfase - aquilo que pensam seus patrões.
Quem forma opinião não são os jornalistas, mas os jornais, como empresas, apesar deles se apresentarem, quase sempre, como veículos isentos, imparciais, mostrando para seus leitores, os fatos e deixando para eles, a interpretação.
Falo em jornais e não de um modo geral em veículos de comunicação, como a televisão e rádio, porque é a mídia impressa, os jornais e um pouco menos, as revistas, o espaço em que a matéria prima é a informação, enquanto nos demais - principalmente a televisão, o que ocupa o maior espaço é o entretenimento.
Voltemos, pois, aos jornais e nele incluindo, para prestar tributo à modernidade, os jornais eletrônicos.
Eles não surgiram com a imagem (ainda que falsa) com que se apresentam hoje, de imparcialidade e de defenderem apenas os grandes temas que seriam desejos comuns de todos que vivem numa sociedade civilizada, a democracia e a liberdade.
Nos seus primórdios, eles eram assumidamente, veículos de divulgação de ideais, principalmente de agrupamentos políticos. Nos primeiros anos do século passado, eles eram armas de combate dos revolucionários, embora também os defensores do status quo da época, tivessem os seus. Lênin, Trotski e Rosa Luxemburgo foram, além de políticos, jornalistas.
Foram os últimos cinqüenta anos que consolidaram, principalmente a partir do modelo norte-americano, o formato atual de jornalismo, aparentemente acima dos partidos e ideologias, defendendo o bem comum, típico da civilização ocidental e sua ética capitalista.
Uma boa amostra de como funciona essa proposta é o livro de Gay Talese sobre o jornal New York Times, O Reino e o Poder.
O jornalismo brasileiro sempre procurou se guiar pelo modelo americano, mas ao contrário dele, talvez por influência da nossa herança católica, não foi capaz de assumir determinados lados políticos como faz a imprensa de um país de formação protestante (os Estados Unidos), preferindo a falsa posição de neutralidade
Neutralidade, quase sempre aparente e que nas ocasiões decisivas, foi rompida e quase sempre optando pelo lado que mais interessa à classe dominante.
Em 1964, os grandes jornais brasileiros, como o Correio da Manha, o Jornal do Brasil e o Estadão, se colocaram ao lado do golpe militar contra o governo legal de João Goulart.
Ficaram famosos os editoriais do Correio da Manhã "Basta" e "Fora", cobrando a saída de Jango. Pagaram caro, depois, com a censura que os militares impuseram aos jornais, principalmente ao Correio da Manhã.
Depois disso, com a democratização, os jornais assumiram uma posição pública formal de isenção em relação a partidos e políticos, embora, por linhas transversas, tivessem apoiado os governos de FHC e criticado os do PT.
As exceções desse tipo decomportamento na imprensa brasileira estão cada vez mais distantes.
O jornal Última Hora, com várias edições regionais, nasceu para defender, primeiro o governo de Getúlio Vargas, depois o de JK e mais adiante o de Jango e morreu com o golpe de 64.
Com influência mais restrita, tivemos a Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro, que Carlos Lacerda usou para atacar os governos de Vargas e Jango e depois promover o golpe militar.
O exemplo mais claro de um jornal com um viés assumidamente parcial no Brasil foi o Clarim, que Leonel Brizola criou em 1955 para preparar sua candidatura ao Governo do Estado, no Rio Grande do Sul. O jornal, um tablóide, durou um ano e nunca escondeu sua linha política.
Ainda em Porto Alegre, mesmo que não tivesse uma posição política tão clara, o Jornal do Dia, se apresentava como um jornal da Cúria Metropolitana para defender os valores da religião católica, mas sempre assumiu posições conservadoras na política, numa época em que, qualquer desvio dessas concepções, eram rotuladas como de influência comunista.
Hoje, praticamente todos os principais jornais brasileiros se apresentam com a imagem de imparcialidade, embora como grandes empresas comerciais, defendam sistematicamente as políticas públicas que privilegiam à continuidade da sociedade capitalista e o combate a tudo que possa representar opções ideologicamente de esquerda.
Isso é feito quase nunca ás claras, mas subjetivamente, através de uma escolha de pautas que interessam ao sistema e exclua ou jogue para um segundo plano, o que não interessa, por serem de crítica a esse sistema.
Além da valorização ou desvalorização de temas, de acordo com a ideologia ou dos interesses comerciais dos donos do jornal, outra maneira de formar uma opinião pública a favor ou contra determinados políticos que representam pensamentos diferentes, é como suas imagens são apresentados nas páginas dos jornais.
As fotos dos adversários são quase sempre depreciativas, com fotógrafos prontos para apanhá-los num momento não muito feliz, fuçando no nariz ou coçando uma orelha.
Outra forma, é como são identificados os amigos e aos inimigos.
Fidel Castro tinha sempre seu nome antecedido pelo título de Ditador. O mesmo é reservado hoje para Nicolas Maduro, apesar de ter sido eleito e reeleito, democraticamente presidente da Venezuela.
Já, Geisel, Médici e Figueiredo, os ditadores militares eram chamados de Presidentes.
Nenhum jornal, hoje, deixa de chamar Bolsonaro de Presidente, apesar de sua eleição se dever mais a um estelionato digital do que ao voto de eleitores esclarecidos.
E os jornalistas, onde fica sua pretensão de ser formadores de opinião?
Eles só assumem esse papel, infelizmente, quando se transformam em porta vozes dos seus patrões.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS