Presença de militares e homenagem feita a primeiro-ministro israelense cumprem papel político, segundo Marcelo Buzetto
Juca Guimarães, no Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Diante de um dos crimes ambientais mais graves da história do país, com mais de 80 mortos confirmados e centenas de desaparecidos no município de Brumadinho (MG), o governo Bolsonaro aproveita a situação para fazer propaganda de Israel e estreitar os laços diplomáticos com um país historicamente envolvido em violações de direitos humanos contra o povo palestino. É o que interpreta Marcelo Buzetto, professor de Relações Internacionais no Centro Universitário Fundação Santo André, pós-doutor em Ciências Sociais, com pesquisa na área de Política Internacional, e autor do livro A Questão Palestina - Guerra, Política e Relações Internacionais, publicado pela editora Expressão Popular.
Desde o domingo (27), 136 militares israelenses estão em Brumadinho para participar das operações de busca por vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale. Além das 16 toneladas de equipamentos, os israelenses trouxeram também cães farejadores. De acordo com o embaixador de Israel, a equipe deve ficar no Brasil por mais dois dias.
Na prática, o gesto de ajuda terá pouco efeito nas ações de resgates, pois os drones, radares e sonares de Israel não são úteis para a localização de corpos soterrados na lama.
"O governo Bolsonaro tenta usar politicamente essa tragédia e, de maneira oportunista, tenta projetar positivamente Israel. Essa vinda de 136 soldados israelenses é bastante suspeita. Causa estranheza que o governo tenha feito essa solicitação ou aceito essa "ajuda" sem antes ter consultado as Forças Armadas do Brasil", analisa Buzetto.
O estreitamento das relações do governo Bolsonaro com o de Israel ocorrem desde o início do novo governo brasileiro. No dia 18 de janeiro, Bolsonaro concedeu a medalha Cruzeiro do Sul, a mais importante honraria do governo brasileiro, ao primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu, que é acusado de corrupção e envolvimento em escândalos de propina. Em 2015, mais de 108 mil pessoas assinaram um pedido no site do parlamento britânico, para prender Netanyahu em sua chegada a Londres, por cometer crimes de guerra contra a Palestina.
A condecoração feita pelo governo brasileiro foi entregue no dia 28 de dezembro, quando o primeiro ministro veio para a posse, mas a oficialização aconteceu em 18 de janeiro, com a publicação no Diário Oficial da União. A entrega da Cruzeiro do Sul é uma decisão exclusiva do presidente para chefes de Estado. Em governos anteriores, já receberam a medalha o argentino Che Guevara, rainha britânica Elizabeth 2ª e o sul-africano Nelson Mandela.
No sábado (26), um dia após o rompimento da barragem, o presidente Bolsonaro publicou no Twitter sobre a oferta de ajuda nas buscas de desaparecidos em Brumadinho e completou: "Aceitamos e agradecemos mais essa tecnologia israelense a serviço da humanidade".
Os israelenses começaram a ajudar nas buscas na segunda-feira (28), mais de 72 horas depois do rompimento da barragem.
"Seria possível fazer uma mobilização nacional para coordenar uma ação de trabalho voluntário que envolvesse o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), associações locais, apoio de moradores, das igrejas e Forças Armadas. Estranha muito trazer Israel", disse Buzetto.
Segundo Buzetto, o governo de extrema direita não tem independência ou soberania e prioriza relações de interesses econômicos e políticos.
"O governo Bolsonaro está a serviço de interesses econômicos muito poderosos. Interesses de países como Israel e EUA, mas especialmente interesses do governo de Israel", disse.
A página oficial do governo publicou várias matérias destacando a presença dos israelenses em Minas. Até a chegada do avião com a missão de solidariedade mereceu um registro.
"É a promoção desnecessária de um governo assassino e genocida que não respeita os direitos humanos. Israel pratica e promove crimes ambientais, sociais e humanos todos os dias. Promove um genocídio, adota uma política de limpeza étnica e apartheid contra o povo palestino", afirmou.
Em entrevista ao Brasil de Fato Ahmad Shehada, presidente do Instituto Brasil Palestina, afirmou que o que deveria ser ajuda humanitária tornou-se uma "questão política". "Os povos têm que se ajudar nestas ocasiões, mas a assistência simbólica que veio de Israel, eu acho que não era necessária para o Brasil. Acho que a ação, mais que humanitária, foi política" Shehada, que se solidarizou com as vítimas e familiares impactados pelo crime da Vale, falou sobre a função que cumpre o exército de Israel em seu cotidiano: "[A vinda do exército de Israel] Foi só para embelezar ou melhorar a imagem do exército terrorista, criminoso, o exército da ocupação Israelense, que mata crianças e tira vida de civis palestinos. Hoje mesmo esse exército matou uma menina de 16 anos em Jerusalém. Em Gaza, em 2014, mataram 500 crianças em apenas alguns dias".
Durante o período de transição, Bolsonaro prometeu transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos da decisão do presidente estadunidense Donald Trump. A decisão foi condenada por ampla maioria na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Bagagem
O Gabinete de Segurança Institucional do governo Bolsonaro informou em nota ao Brasil de Fato, que participou da articulação, com outros órgãos do governo, do apoio inicial "por ocasião da chegada dos israelenses", porém, não respondeu sobre os equipamentos que foram trazidos e nem a especialização dos militares estrangeiros que fazem parte da missão.
"Tem aumentado a participação de militares israelenses no Cone Sul nos últimos anos. Militares israelenses na Argentina e no Chile. É de conhecimento que Israel vive uma situação internacional de isolamento político e diplomático. Há a possibilidade das forças progressistas que lutam em defesa do povo palestino se unirem cada vez mais", disse Buzetto.
O professor também lembrou que Israel bombardeou a Síria recentemente e teve participação, por meio do serviço secreto, no golpe de Estado em Honduras.
Edição: Mauro Ramos