No dia 11 de abril de 1974, o então o diretor da CIA, o serviço de espionagem norte-americano, Willian Colby, enviou um documento ao Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, o responsável pela política externa americana , informando que uma semana antes, o recém empossado presidente brasileiro, General Ernesto Geisel, mantivera uma reunião com o chefe do Serviço Nacional de Informações, General João Batista Figueiredo, que seria seu sucessor na Presidência, o general Milton Tavares de Souza, que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército e o general Confúcio Danton Paula de Andrade,que estava assumindo esse comando.
Durante a reunião, o general Milton informou algo assombroso: o exército estava executando presos políticos considerados perigosos e que pelas suas contas, 104 pessoas tinham sido mortas e recomendou que essa política fosse continuada pelo governo Geisel, com o que concordaram os demais presentes. O general Geisel teria pedido um tempo para pensar e 24 horas depois decidiu aceitar a sugestão, a condicionando porém, a casos envolvendo presos considerados mais perigosos e que cada execução deveria ter autorização prévia do general Figueiredo.
A divulgação desse documento, obtido pelo pesquisador Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, quando consultava materiais liberados pelo governo americano lpara consultas, após o término do período em que devem ficar secretos, levanta questões extremamente importantes para as narrativas da história brasileira do período ditatorial e mesmo após, confirmando muitos fatos sobre os quais havia apenas suspeitas e mudando a imagem de personagens da época.
O golpe de 64 contou com o apoio explícito do governo dos Estados Unidos e durante os sucessivos governos militares, Washington continuou tutelando o regime de força brasileiro. As minúcias a que chega o relatório do diretor da CIA, mostra que a embaixada americana continuou durante todos os anos do regime militar monitorando as decisões dos generais brasileiros e delas tendo ciência prévia.
Fica mais uma vez desmentida a versão de que a repressão aos adversários do regime militar não teve no Brasil o mesmo grau de brutalidade que ocorreu, por exemplo, na Argentina e Chile e que sempre ficou restrita a alguns segmentos mais radicais do Exército. O documento da CIA prova que o extermínio físico de pessoas consideradas subversivas tinha a chancela do próprio Presidente da República e seus auxiliares mais diretos e fazia parte da política oficial do governo. O jornalista Elio Gaspari é um dos que, nos seus livros sobre a Ditadura Brasileira, costumava colocar os generais Geisel e Golbery como opositores à política de extermínio de uma área radicalizada que ele denominava de "a tigrada". Com as revelações agora feitas, deverá mudar seu enfoque se quiser que sua obra ainda mereça algum crédito.
Os velhos políticos do PMDB, como Tancredo e Ulysses, que negociaram a transição do regime militar para o sistema democrático, aceitando uma anistia que poupou os militares de prestar contas pelos seus crimes, e que certamente sabiam o que tinha ocorrido, terão suas biografias manchadas pelo acordo feito e pelo silêncio que mantiveram depois.
A Comissão da Verdade, que trabalhou no levantamento dos crimes da ditadura, mas que esteve limitada à responsabilização de lideranças intermediárias das forças armadas, deveria reabrir suas investigações para apurar e condenar, pelo menos perante a história, figuras até então mantidas a salvo, como Geisel e Figueiredo.
Finalmente é preciso denunciar com veemência e até mesmo responsabilizar criminalmente políticos como o Bolsonaro - alguém como disse o jornalista Janio de Freitas, sem preparo, retrógrado e com bens acumulados sem explicações - que não se envergonham de defender publicamente um regime que, mesmo em proporções menores, buscou se igualar ao nazismo.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS