Desespero: Folha agarra fio desencapado contra Lula
Opinião: A Folha de S. Paulo vinha ensaiando sair do armário há alguns anos. Mas sua manchete deste domingo, 12, não deixa margem a dúvidas: tornou-se um panfleto de campanha do candidato Jair Bolsonaro, de extrema-direita.
Gilberto Maringoni*
O celerado ex-militar está tomando um banho de loja com acadêmicos de aluguel para lustrar a imagem de truculento e defensor da ditadura.
O que seria algo normal no comércio de prestígio muito em voga nos arredores do poder, ganha, com o jornalão paulista, foros de aceitação nos salões do financismo. Contra Lula - apesar de sua conhecida moderação - vale tudo. Nada que cheire a povo deve ficar em pé.
Não é a primeira vez
A mídia já fez operação semelhante ao abraçar Collor de Mello, em 1989. Diante da inviabilidade de um candidato liberal, como Mario Covas, decidiu sustentar o então obscuro governador alagoano em sua cruzada pelo Estado mínimo e caça aos marajás. Boa pinta e metido a playboy, o oligarca prestou-se à medida para a construção de personagem moderno e palatável ao mundinho rico em sua cruzada demofóbica.
O curioso é que agora não há tanta preocupação em disfarçar motivos.
Reescrevendo a própria história
A Folha de S. Paulo também passou por tentativa de reconstruir sua trajetória pregressa de ultraliberal e apoiadora do golpe de 1964, a partir do início dos anos 1980. Foi quando - por razões puramente mercadológicas - se engajou na campanha das Diretas Já. Posar de democrata vendia jornal.
Para tanto, tratou de dar uma guaribada em seu passado. O pesquisador Valdemar Gomes, da UFABC, lembra que em 1981, o jornal patrocinou o livro "A História da Folha de S.Paulo (1921-1981)", escrito pelos professores da USP Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato, Através de notável ginástica intelectual, o jornal ganhava ali ares de grande arauto das liberdades democráticas, em trajetória sem mácula.
Ao perceber os ventos democráticos que sopravam nos anos finais da ditadura como alavanca de negócios, a Folha abriu suas páginas a lideranças e intelectuais de centro e de esquerda, o que lhe deu notável lustro progressista.
Colando-se ao conservadorismo
Com a mudança de ventos e avanço do conservadorismo nos últimos anos, o diário colou-se aos apoiadores do golpe em sua cruzada antipetista e antidemocrática.
Dirigido a um público cada vez mais reduzido de classe média, as pautas do jornal se elitizaram e a linha adotada pela maioria dos colunistas - com honrosas exceções - tem sido a de não se contrapor a anseios de paneleiros e preconceituosos em geral. Aqui, as razões comerciais articulam-se com a clara opção ideológica dos donos.
Daí à manchete deste domingo foi um passo. É bem provável que nos próximos dias, a empresa da alameda Barão de Limeira solte editoriais e pequenos artigos em tom crítico ao mussolínico parlamentar, como forma de salvar alardear pluralismo editorial.
Queda de circulação
Com tudo isso, a Folha não consegue vencer uma batalha decisiva: a queda acelerada de circulação, influência e receita publicitária. Apesar de difundir que suas tiragens em papel e virtual cresceram - somando malandramente as duas mídias - é no meio impresso que o grosso da receita publicitária se realiza.
Uma rápida olhada no site da Associação Nacional de Jornais (http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/) dá conta da dura realidade . Os números da última década e meia das tiragens diárias representam um sinal amarelo para seus acionistas.
Associação Nacional de Jornais - Folha de S. Paulo
Circulação paga (média) por ano
2002 - 346.333
2006 - 309.383
2009 - 295.558
2012 - 297.650
2015 - 189.254
Os indicadores deste ano não estão diusponíveis. Mas o Meio & Mensagem, site especializado em mídia, noticiou o seguinte, em fevereiro último:
"A circulação média dos cinco maiores jornais do Brasil teve uma retração de 6% em 2016 na comparação com o ano anterior. De acordo com relatórios do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), as médias mensais da circulação de Folha de S.Paulo, O Globo, Super Notícia e o Estado de S.Paulo caíram no último ano".
Perigo! Perigo!
O apoio a Bolsonaro é o retrato combinado de dois fenômenos, o desespero político - expresso na inviabilidade de candidatos de direita para 2018 -, e a tentativa de reverter a decadência do negócio.
Resta saber se o apoio ao extremado ex-coronel ajudará em alguma coisa na alteração desses indicadores. É provável que nem mesmo torturando os números o quadro se reverta.
* Gilberto Maringoni é jornalista, doutor em História Social (USP) e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.