Um assunto muito pouco cheiroso

No seu livro "Vocês brancos não têm alma",o antropólogo gaúcho Jorge Pozzobon, já falecido, registra a queixa do Alferes Manoel Maria Frazão Pinto ao Major Antônio Maria Brandão Penna, contra os hábitos dos índios do Fortim de Nossa Senhora do Nhê-Nhê. em 1798, de se divertirem "peidando" em lugar público, inclusive durante a missa oficiada pela missionário Padre Joaquim Maria Bulhão Pinto.

 Diz a missiva, na linguagem da época: "O gentio dos Uacuenses usa da flatulência para dar noção de que lhe vai na alma e que além de mostrar menoscabo ou malquerença por meio de indiscretas ventosidades, também se alegra com elas em seus bárbaros torneios, em que cada um se esforça por vencer seus pares na pestilência dos execráveis gases, na eloquência do ruído, em sua duração, assim como em sua bizarria".

Mais adiante, o alferes diz que alguns "postam o dedo índice nas beiradas do orifício traseiro, ocasião em que se põem a apertá-lo e soltá-lo repetidas vezes, a fim de emitir ventosidades com vibrato".

O que os índios faziam na Floresta Amazônica para se divertirem, o francês Joseph Pujol (1857/1945) fazia para ganhar a vida no palco do Moulin Rouge, de Paris.

Chamado de Le Pétomane, ele tinha o controle completo dos músculos abdominais, que lhe permitiria flatular (peidar), imitando os mais diversos sons.

Em seus espetáculos ele reproduzia o "Sole Mio" e a "La Marsellaise", com uma ocarina (instrumento de sopro da família das flautas), através de um tubo de borracha em seu ânus.

La Pétomane era capaz também de apagar uma vela a muitos metros de distância e segundo dizem, seus espetáculos no Moulin Rouge foram assistidos, entre outros famosos, por Edward, o Príncipe de Gales, Leopoldo II, da Bélgica e até mesmo Sigmund Freud.

Questões que envolvem como os homens lidam com suas fezes, foram convenientemente tratadas como algo pouco conveniente para merecer espaço em publicações consideradas sérias.

Foram quase sempre os artistas mais rebeldes que delas se valeram, muitas vezes como uma forma de mostrar os limites das convenções burguesas ou para espicaçá-las (pour epater la bourgeoisie).

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


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Timothy Bancroft-Hinchey