Aqueles que recentemente descobriram Portugal e especificamente, a sua capital Lisboa, ter-se-iam perguntado como esta jóia do Atlântico conseguiu permanecer por tanto tempo fora do mapa turístico. As razões para isso são muitas, mas para aqueles que tropeçaram na concha e descobriram a pérola escondida no interior, importa pouco. Já estão viciados.
Por Timothy Bancroft-Hinchey
No dia 1º de novembro de 1755, Lisboa sofreu um dos piores terramotos na história do planeta, seguido por um maremoto igualmente devastador. Vinte por cento da população morreu ou ficou gravemente ferida e de imediato, uma grande parte das infra-estruturas da cidade desmoronou. Muitas das que ficaram, arderam.
Este chocante incidente teve um profundo efeito psicológico sobre o povo de Lisboa (os lisboetas), até ao final do século XX, tanto que a cidade bloqueou o rio da vista, alinhando contentores e outros objectos ao longo do extenso cais que se estende ao longo do lado sul da cidade, que como Roma, se espalha por sete colinas. O rio era invisível, não fazia parte das conversas do cotidiano entre lisboetas, era algo sinistro, sujo e indesejável.
O Terramoto fez com que Lisboa se virasse para a reconstrução, assim esquecendo-se da sua tremenda herança de povos que deram a esta cidade um tecido humano tão cosmopolita desde que o assentamento de Alis Ubbo (Porto Seguro) foi fundado pelos fenícios pelo menos no século VIII aC, talvez antes, e os muitos povos que se estabeleceram cá depois: pelo menos sete tribos/povos pré-celtas, celtas, fenícios, gregos, cartagineses, romanos, suevos, visigodos, mouros, cruzados, genoveses, florentinos, espanhóis, franceses ...
Lisboa pode ter-se virado para dentro depois do Terramoto, mas Portugal historicamente olhou para fora e procurou suas fortunas longe da faixa de terra no lado atlântico da Península Ibérica. A cidade de Ceuta no Norte de África foi tomada pelos Portugueses em 1415, a Madeira foi descoberta em 1419/20, os Açores em 1427/31, o Cabo Bojador foi ultrapassado em 1434. No final do século, os portugueses haviam navegado toda a costa africana, criando além de postos de comércio, micro-estados/cidades vassalos em torno do continente, seguido pelo Médio Oriente, Pérsia e Índia. Os portugueses foram os primeiros europeus a fazer comércio com o Japão.
Uma teoria alternativa sobre Colombo
Em 1494, pelo Tratado de Tordesilhas (que dividiu o mundo além da Europa entre Portugal e Espanha), Portugal deu a si próprio o Brasil, seis anos antes de descobrí-lo oficialmente em 1500, o que significa que os portugueses provavelmente já sabiam o que estava lá, incluindo as minas de ouro de Minas Gerais e as minas de prata em Sacramento. Talvez expedições anteriores à África tivessem aproveitado os ventos alísios no Atlântico Sul e tivessem sido levadas para as margens avermelhadas do Brasil (da palavra brasa). A vila portuguesa de Cuba, no Alentejo (Sul de Portugal) reivindica Cristóvão Colombo como seu filho. O rei português recusou, de facto, os serviços deste intrépido explorador como diz o livro da história, ou usou Colombo para enganar os espanhóis e fazê-lhes investir pesadamente numa única área geográfica (América Latina) deixando o resto aberto para Portugal explorar? Terá sido uma finta espectacular?
Esta tremenda viagem, esta odisseia, teve boas histórias e histórias tristes, felizes histórias e histórias ruins, consolidadas no Império Português que se estendeu da América Latina para o Extremo Oriente, através de ambas as costas da África e ambas as costas da Índia e todo o espaço no meio, controlando até o Estreito de Ormuz entre a peninsula arábica e a Pérsia durante um século. Após a independência do Brasil em 1822, Portugal tornou-se uma nação pluri-continental composta por Portugal na Europa, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Ilhas São Tomé e Príncipe na África e na Ásia, os enclaves indianos de Goa, Daman e Diu e Timor Leste na Indonésia, embora ao longo desta história épica outros territórios e cidades foram descobertos por, e em tempos diferentes, pertenciam, a Portugal, como o Sri Lanka (Ceilão), Malaca na Malásia, a Ilha de Flores na Indonésia. Quem sabe se os portugueses foram os primeiros a descobrir a Austrália?
É óbvio, portanto, que a influência da cultura, da língua, da gastronomia e do modo singular de ser, se difundiu extensamente e deixou inúmeras marcas ao redor do globo, algumas conhecidas e outras ainda para descobrir. Por exemplo, a existência de várias palavras em português em línguas africanas, incluindo o swahili, o alfabeto vietnamita (inventado por dois portugueses), a palavra para "laranja" em muitas línguas: burtuqaal (árabe), Portokali (grego), Porteghal (Farsi/Persa). Por exemplo, a receita indiana vindaloo proveniente do molho português vinha d'alhos (vinho e alho). E quanto mais?
Onde fica o Museu dos Descobrimentos?
Assim, um visitante de Lisboa pode querer descobrir tudo isso num único espaço: um Museu dos Descobrimentos. Então, onde está? A resposta é que não há.
As possíveis objeções a essa idéia poderiam vir daqueles que abominavam a colonização portuguesa e não querem criar uma ode às proezas militares portuguesas no ultra-mar. Entendido, mas não seria esse o objectivo do Museu. Seria um espaço cultural, de troca de informação, não uma celebração de colonialismo. Outros protestos podem vir dos museus que já estão estabelecidos, com medo de perder o seu espólio. Mas a idéia nunca seria criar um Museu ao custo dos outros, seria começar uma coleção e um espaço totalmente inovador, vibrante, interactivo, de projecção de idéias novas, de encontros, com coleções novas, de descobrimentos novos entre velhos amigos.
Contudo, o desafio seria criar um Museu (da palavra musa, dando inspiração), que cria pontes de amizade e abraça semelhanças ao acolher as diferenças, diferentes formas de apresentar uma história e cultura comum e compartilhada, investigando o alcance desta cultura em todo o mundo ao longo dos séculos. Não só colocaria Portugal mais definitivamente no mapa, como também proporcionaria uma plataforma para o espaço da CPLP (países de língua oficial portuguesa) se apresentarem, celebrando a sua mútua diversidade.
Poderia ser um espaço de exposição permanente (como a EXPO 98 em Lisboa) para os países que Portugal conheceu, poderia ser uma vitrine de questões ambientais (como as florestas tropicais africanas e a Amazónia, explorando temas como a exploração de petróleo, fracking), poderia ser um banco de dados/biblioteca/documentação, poderia ser um veículo para catalogar línguas, danças, gastronomia, costumes. Esses dias a grande importância é dada pelas Universidades e Fundos para pesquisas de doutoramentos e pós-doutoramentos a algo chamado "impacto", que é a apresentação do tema para não-acadêmicos. Um Museu dos Descobrimentos poderia abranger uma grande variedade de áreas de investigação, proporcionando uma plataforma para conferências, discussões, debates, um espaço de aprendizagem, de diálogo. De descobrimento.
Para aqueles que gostam de uma corrida de adrenalina, hoje em dia uma nau ou caravela virtual ou de réplica não é tão difícil de fazer e dar passeios reais no rio Tejo ou então efectuar simulações virtuais, ou poderia ser usado como um instrumento pedagógico ensinando os alunos sobre engenharia marítima, sobre escorbuto, sobre a história das descobertas, geografia, escravatura... E muito mais. E ainda não falámos sobre a área cultural: arte, música, cinema, literatura ...; não falámos sobre a possibilidade de ser palco para apresentações culturais, de danças, lançar músicos, livros, poetas; não falámos sobre a possibilidade de estabelecer um espaço gastronómico, bancadas ou restaurantes apresentando a comida destes países. As possibilidades são infinitas.
Colóquios abordando questões importantes como a escravidão, comércio, micro e macroeconomia poderiam seguir. Em suma, poderia ser um recinto com um enorme impacto, com diferentes espaços apresentando diversos temas para várias audiências.
O momento ideal para lançar tal idéia teria sido em 1998 na época da EXPO ou em 2000, o quinto centenário da descoberta (oficial) do Brasil. Oportunidades perdidas? Talvez. Mas a ideia permanece, o ideal permanece e certamente, o espaço lusófono (escolham o nome mais adequado se houver) merece tal plataforma.
Lisboa é capaz disso? Seria muito mais sensato abrigar um museu tão espetacular e tão abrangente com tanto impacto na cidade capital de Portugal, de onde as naus partiram da Torre de Belém, atracando-se a ela, os marinheiros subindo as escadas até a torre e entrando nos navios de lá, naquela altura no meio do rio.
Mas se Lisboa não estiver interessada, talvez o Porto seja. Ou Sagres... Peço a todos para aceitar o desafio sem politiquices, sem brigas partidárias, sem medo. Ninguém vai perder seu espólio e ninguém vai usar om projecto destes para se vangloriar. Para quem estiver interessado em continuar esta discussão, os meus contactos são os seguintes:
Timothy Bancroft-Hinchey
Twitter: @TimothyBHinchey
timothy.hinchey@gmail.com
Um desafio para Portugal: Um Museu dos Descobrimentos
* Timothy Bancroft-Hinchey trabalhou como correspondente, jornalista, editor-adjunto, editor, editor-chefe, diretor, gerente de projeto, diretor executivo, sócio e proprietário de publicações diárias, semanais, mensais e anuais impressas e on-line há mais de vinte anos; Contribuiu para a publicação do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Dialog e as Publicações Oficiais do Ministério de Relações Exteriores de Cuba. Ele passou as últimas duas décadas em projetos humanitários, conectando comunidades, trabalhando para documentar e catalogar línguas, culturas, tradições desaparecidas, trabalhando contra a homofobia em rede com as comunidades LGBT ajudando a criar abrigos para vítimas abusadas ou assustadas e como Media Partner da UN Women, Trabalhando para promover o projeto ONU Mulheres para combater a violência de gênero e lutar pelo fim do sexismo, do racismo e da exclusão. Também é Media Partner da Humane Society International, lutando pelos direitos dos animais. É Director e Editor Chefe da versão portuguesa do Pravda.Ru desde o seu lançamento em 14 de Setembro de 2002.