Ainda bem que temos o Eike Batista

Não só o prenderam, como rasparam os cabelos do Eike Batista, embora alguns estejam dizendo que era um aplique capilar que ele usava para esconder a calvície. Os jornais deram em destaque a notícia. Muita gente festejou. Agora estão prendendo os graúdos. Resultado da Lava Jato.

Outros foram mais longe ainda: é o fim da corrupção no País.

Embora a ministra Carmen Lúcia tenha homologado a delação da Odebrecht, mas não divulgado os nomes dos envolvidos, os jornais afirmaram que estamos caminhando para um Brasil sem corrupção.

Dizem que o Temer suspirou aliviado. Estamos salvos por enquanto.

Está tudo no Jornal Nacional, da Rede Globo, na RBS, no Estadão, no O Globo ou na Folha para os mais politizados.

Todo mundo é convidado a falar sobre os temas da hora: Eike Batista e delação da Odebrecht

O David Coimbra, disse na sua coluna em Zero Hora, que está com pena do Eike, inadaptado para uma vida na prisão.

Está certo, o David.

A Dra. Tatiana, Defensora Pública, diz que, como o Eike existem milhares de pessoas presas no Brasil, muitos em prisão provisória por crime muitos menores dos que os praticados pelo Eike.

Está certa, a Dra. Tatiana.

O importante é discutirmos esses assuntos pautados pela mídia.

Quando eles se esgotarem, a mídia tem muitos outros em estoque para as nossas discussões diárias.

Tem a sempre presente Lava Jato, tem a situação dos presídios, tem as loucuras do Trump, tem o verão na praia, tem o futebol e qualquer coisa, se volta a discutir a tragédia do boite Kiss.

Esse é o papel da mídia: nos propor temas para debates

Não todos, é claro. Temos que acreditar que as coisas melhoraram com a saída da Dilma, que a corrupção está com os dias contados com a Lava Jato e que o capitalismo brasileiro é uma maravilha.

O IBGE diz que o percentual de desempregados continua crescendo no Brasil e já existem mais de 11 milhões de brasileiros sem emprego: a mídia esconde nas páginas internas e jamais dirá que é fruto da política recessiva do Temer.

Falta dinheiro para investir na saúde e na educação: a mídia não vai dizer que é culpa dos governos que temem cobrar os sonegadores, preferindo financiar os empresários com esse dinheiro.

A violência cresce nas ruas e a mídia diz que faltam presídios, mas não diz que os soldados do crime são formados pela divisão social que empurra milhões de brasileiros para a miséria.

A história recente do Brasil mostra que houve uma hegemonização da mídia. Os jornais, as revistas, as emissoras de televisão e rádio, dizem a mesma coisa, apenas se diferenciando pelo seu estilo. Os que pensam e escrevem coisas diferentes do que o establishment diz que é o correto sob o ponto de vista político, foram expurgados para os meios alternativos de comunicação, para as redes sociais, onde devem conviver com os mais estranhos assuntos, que vão desde o último escândalo social às receitas de comida vegetariana.

A mídia que forma opinião, que define comportamento, está solidamente nas mãos de meia de dúzia de empresários, que se transformaram em guardiões de um dos sistemas capitalistas mais injustos do mundo.

Assuntos como a dívida pública, o ajuste fiscal, a influência retrograda do discurso religioso e até o mesmo o futuro dos partidos de esquerda, ficam restritos a poucos iniciados nesses temas e não interessam à população.

Devidamente industriadas pela mídia, quando chegam às eleições, segundo dizem o grande momento de definição da nossa democracia, as pessoas elegem o Sartori, O Crivella, o Dória, o Marchezan.

Ou seja, fazem exatamente aquilo que a grande mídia diz que devem fazer.

Os grandes revolucionários da história moderna, como Lenin, Mao e Fidel, quando, se aproveitando de situações fortuitas do momento (guerras impiedosas nos casos de Lenin e Mao e uma corrupção generalizada do governo anterior,  no caso de Fidel) tomaram o poder num golpe de força, trataram de monopolizar os meios de comunicação, obviamente mais precários em suas épocas.

Lenin disse mais de uma vez que a revolução estava apenas começando quando os bolchevistas chegaram ao poder. Era preciso educar as massas, dizia.

Nenhum deles caiu na conversa de que era preciso ter uma ampla liberdade de imprensa. Liberdade apenas para quem for a favor da revolução.

É como se depois de uma grande luta para abolir a escravidão, um país permita que surjam jornais defendendo a volta da escravidão.

Os sucessores de Lenin e Mao não pensaram assim. Na União Soviética, Gorbatchov, deslumbrado com a abundância dos supermercados americanos (não para todos americanos é claro), quis faz rapidamente o mesmo no seu País e pôs fora o que já fora construído em 70 anos.

Cuba, possivelmente, vai pelo mesmo caminho.

As pessoas são convencidas de que a coisa mais importante na vida é conquistar um bem material. Svetlana Aleksiévitch (o fim do homem soviético) mostra como os russos trocaram uma vida pobre, mas com garantia de trabalho, saúde e educação da melhor qualidade, pela aventura do capitalismo que lhe oferecia calças jean, sanduiches do McDonalds, Coca-Cola e a oportunidade de comprar um carro moderno, ainda que apenas para alguns.

Os alemães do lado oriental levantaram um muro para separar o lado ocidental que os americanos transformaram num imenso outdoor, mas não adiantou muito. Acabaram derrubando o muro.

Mas, se as pessoas acham que e o lado ocidental era melhor em Berlim, se o capitalismo era melhor para a Rússia e a China e vai acabar sendo melhor para Cuba, porque impedir essa mudança?

Por que, basicamente, o capitalismo é pior para a maioria das pessoas e só é bom para os empresários e seus servidores mais próximos, que afinal não são tão poucos.

Eu posso achar por mil razões que o sistema socialista é melhor para a imensa maioria das pessoas, mas eu preciso provar isso.

Seria preciso uma disputa ideológica aberta entre os dois sistemas através da grande mídia, mas isso é impossível hoje porque, como Lenin, Mao e Fidel no passado, quem tem o poder nas mãos, hoje os grandes empresários, não o oferece de graça nenhuma parcela ao adversário;

Por isso, a grande tarefa da esquerda, hoje, é de, se não conseguir conquistar o acesso pleno à mídia, lutar para abrir, ao menos, algumas brechas nesse monopólio.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


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Timothy Bancroft-Hinchey