Entrevista. Edu Montesanti: Jairnilson Paim sobre Aprovação da PEC 55

Entrevista. Edu Montesanti: Jairnilson Paim sobre Aprovação da PEC 55

A série de entrevistas sobre o maior corte em investimentos sociais da história do Brasil, que no segundo semestre de 2016 tramitou na Câmara dos Deputados como Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 e no Senado como PEC 55, aprovada em 13 de dezembro do ano passado, traz a visão do médico e escritor Jairnilson da Silva Paim.

O pesquisador, que esclarece como poucos no País as implicações do congelamento aprovado em dezembro para o sistema público saúde, explica que são previsíveis as consequências da medida para a sociedade brasileira, e como o caos no sistema público de saúde tende a se agravar através do congelamento de investimentos sociais para os próximos 20 anos, que afetará áreas como educação, assistência social e a própria saúde, já precárias no País. 

Além disso, ele explica por que o congelamento dos investimentos sociais em questão é inconstitucional, afirmando ainda que atende a "compromissos de setores do Governo com o capital financeiro e, especialmente, em função dos vínculos estabelecidos entre políticos e gestores com o setor privado". Para ele, a medida "representa mais um engodo para uma população necessitada de serviços de saúde de qualidade".

"O Brasil já é um dos países com menor gasto público per capita, inferior inclusive aos valores da Argentina e do Chile que não dispõem de um sistema público universal de saúde", afirma o prof. dr. Jairnilson Paim. "O Estado brasileiro gasta em saúde por dia com cada habitante um pouco mais de três reais! E as estimativas feitas em termos per capita apontam um gasto público em saúde após 20 anos de PEC do Teto menor que 500 reais", acrescenta o médico.

Para o entrevistado, as afirmações de políticos de que a saúde não vai ser prejudicada pela PEC do Teto aprovada no mês passado, pois poderiam ser retirados recursos de outros setores, trata-se de fraseologia, uma completa distorção dos fatos. "Cerca de 45% do orçamento do Governo Federal é destinado ao pagamento de juros e amortizações  para os banqueiros e rentistas. Para este gasto com bancos não tem 'teto1. A prioridade não é para os gastos sociais, mas para remunerar os bancos que têm ganhado muito dinheiro com crise ou sem crise".

"A grande mídia que apoiou a aprovação da 'PEC dos gastos', provavelmente vai ser uma das primeiras instâncias a denunciar 'o caos do SUS'! Melhor dizendo: pode até reclamar, mas vai ser muito difícil reverter à situação instalada", garante o pesquisador afirmando, sem rodeios, que a partir de agora o abandono à saúde pública está "constitucionalizado".

O prof. dr. Jairnilson Paim é doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), professor permanente do Instituto de Saúde Coletiva da (ISC-Ufba), atualmente  coordenador do projeto de pesquisa "Reforma Sanitária Brasileira: Contribuição para a Compreensão e Crítica", e autor do livro O Que É o SUS (Rio de Janeiro, 2009).

 

A seguir, a íntegra da entrevista com o grande especialista sobre um dos temas mais distorcidos pela grande mídia nos últimos anos - e não por mera coincidência, tão ignorado pela sociedade brasileira em geral apesar de sua fundamental importância.

Edu Montesanti: Quais as consequências da PEC 55, especificamente para o sistema público de saúde?

  

Jairnilson da Silva Paim: As consequências são previsíveis, pois em parte agravarão o subfinanciamento crônico do SUS. O que antes poderia ser atribuído ao descaso ou à falta de sensibilidade e de prioridade dos governos em relação às necessidades de saúde da população, agora tais condutas serão "constitucionalizadas" com esta aprovação da PEC 55, e amparadas pelos três poderes da República.

 

Mesmo com o caos instalado no atendimento médico-hospitalar do SUS, no controle de doenças e epidemias bem como nas medidas de proteção à saúde, vai ser difícil reclamar depois. A grande mídia que hoje apoia a 'PEC dos gastos', provavelmente vai ser uma das primeiras instâncias a denunciar 'o caos do SUS'! Melhor dizendo: pode até reclamar, mas vai ser muito difícil reverter à situação instalada. 

 

Por quê? Porque além do subfinanciamento crônico teremos um problema inteligível por uma simples razão aritmética. Se em termos reais os recursos para a saúde estarão congelados (os ajustes previstos pela PEC aprovada em dezembro apenas corrigirão a inflação calculada para o ano anterior, portanto são correções meramente nominais) e a população vai aumentar em 21 milhões de habitantes no período é óbvio que o valor per capita dos recursos do orçamento federal para a saúde vai reduzir. 

 

E o Brasil já é um dos países com menor gasto público per capita, inferior inclusive aos valores da Argentina e do Chile que não dispõem de um sistema público universal de saúde. Segundo o IPEA o gasto público per capita em saúde no ano de 2013 era R$ 946,00 (US$591,20) enquanto na Argentina era era de 1167 dólares e no Chile 795 dólares. 

 

Nesse mesmo ano os valores em dólares nos EUA correspondiam a 4.307, Alemanha a 3.696, França a 3.360 e Reino Unido a 2.766. O Estado brasileiro gasta em saúde por dia com cada habitante um pouco mais de três reais! E as estimativas feitas em termos per capita apontam um gasto público em saúde após 20 anos de PEC do Teto menor que 500 reais.

 

Nesse período de vinte anos a população de idosos duplicará (de 16,8 milhões para 36,1 milhões), requerendo do SUS recursos maiores para a implementação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) face à elevada carga de doença dessa faixa etária, incluindo as chamadas co-morbidades (vários problemas de saúde simultâneos). 

 

O perfil epidemiológico da população brasileira persistirá em mudança, com redução relativa das doenças transmissíveis e aumento das doenças crônicas e degenerativas, como o câncer e as doenças do aparelho circulatório, ao lado do incremento das violências, acidentes e transtornos mentais. As tecnologias diagnósticas e de tratamento para esses problemas de saúde tendem a ser de alto custo, cujos insumos na maioria das vezes são importados, em que o valor em dólar não é controlado pelo SUS.

 

Finalmente, mas não menos importante, os economistas e administradores da saúde referem-se à "inflação médica" para designarem o fenômeno do aumento dos preços de medicamentos, equipamentos e procedimentos maior do que a inflação média de um país.

 

Todos esses elementos apontam consequências nefastas e violentas da PEC 55 para a saúde dos brasileiros e brasileiras, bem como para manter o seu sistema público de saúde em condições razoáveis.

 

 

Qual o quais alternativas o senhor apontaria para equilibrar as contas públicas, a fim de não sacrificar a sociedade e áreas de vital importância, como a própria saúde pública?

  

Quando políticos e dirigentes afirmam que a saúde não vai ser prejudicada pela PEC do Teto, pois poderiam ser retirados recursos de outros setores estamos diante de um conjunto de sofismas. Nas disposições transitórias da Constituição de 1988 havia a recomendação de que pelo menos 30% do orçamento da seguridade social fosse destinada à saúde o legislativo e o executivo não respeitaram tal dispositivo na elaboração dos orçamentos. 

 

A Emenda Constitucional 29 no ano 2000 e posteriormente a Lei Complementar 141 em 2012  foram aprovadas, justamente pela falta de prioridade da saúde, dadas as pressões e lobbies que atuam sobre o Congresso, muito mais intensos e politicamente articulados do que a ação de parlamentares que defendem o SUS, os direitos sociais e o bem-estar da maioria da população.

 

Não sou economista nem especialista em contas públicas. Mas estudo recente do IPEA indica que só no setor saúde 25,4 bilhões de reais representam renúncia fiscal e subsídios para apoio ao sistema privado, em detrimento do SUS. As desonerações para empresas específicas, inclusive comprometendo a arrecadação da seguridade social, permanecem representando muitos bilhões de reais. 

 

Os mais ricos são os que menos impostos pagam no país, cuja estrutura tributária é extremamente regressiva. E cerca de 45% do orçamento do governo federal é destinado ao pagamento de juros e amortizações  para os banqueiros e rentistas. Para este gasto com bancos não tem "teto". A prioridade não é para os gastos sociais, mas para remunerar os bancos que têm ganhado muito dinheiro com crise ou sem crise. 

 

Há, no entanto, economistas conceituados no Brasil e no mundo que fazem pesquisa, publicam estudos e participam de debates, demonstrando que existem alternativas para equilibrar contas públicas com critérios mais finos, sem penalizar a maioria da população.

 

 

O senhor afirma em seu livro O Que É o SUS que "um sistema que atende menos pessoas tende a ser pior". Por quê?

 

Neste livro argumento quanto à necessidade e à pertinência de sistemas públicos e universais de saúde, ressaltando os princípios constitucionais de igualdade e universalidade do SUS no Brasil. Nessa perspectiva, o SUS deve ser para todos e não um sistema pobre apenas para os pobres.

 

 

Como o senhor avalia a escalada governamental em prol dos planos de saúde particulares?

 

É compreensível diante dos compromissos de setores do governo com o capital financeiro e, especialmente, em função dos vínculos estabelecidos entre políticos e gestores com o setor privado. Entretanto, representa mais um engodo para uma população necessitada de serviços de saúde de qualidade. 

 

Esses "produtos" tem sido alvo de inúmeras reclamações nos órgãos de defesa do consumidor. Certamente, o governo não vai entregar aquilo que promete.

 

 

Como o senhor avalia os 13 anos do governo do PT? Não acredita que o atual governo é apenas o estágio mais avançado das políticas neoliberais petistas?

  

Desde o início do governo Lula publiquei um artigo com uma colega na revista Saúde em Debate (Cebes), analisando o que se apresentava e qualificando-o como "a dialética do menos pior". Em outubro de 2013 publiquei nos Cadernos de Saúde Pública (Fiocruz) outro artigo, realizando um balanço crítico dos 25 anos da Constituição Cidadã e não poupei nenhum dos governos que deixaram de se comprometer com a Reforma Sanitária Brasileira e o SUS. 

 

Não há dúvida quanto à continuidade dessas políticas neoliberais, mas com nuances que precisam ser consideradas e analisadas com mais cuidado. Penso que essas políticas ditas "petistas" mais se aproximam de um certo liberalismo social. Podem não ser efetivamente neoliberais, mas não chegam a ser social democratas, muito menos socialistas.

 

Quanto às políticas do atual governo parecem-me mais regressivas do que avançadas. Nem a troika propôs algo parecido para Grécia e nem mesmo a ditadura de Pinochet implantou algo semelhante no Chile. 

 

 

Outras entrevistas da série, em Pravda Brasil

 

Célio Turino, Historiador e ex-secretário do MinC: http://port.pravda.ru/cplp/brasil/22-01-2017/42548-entrevista_pec-0/

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey