Esta corrupção que as entranhas rói

O conflito geo-financeiro entre credores e devedores teve, entre outros, o efeito nocivo de aumentar a ganância pelo controlo da gigantesca massa de dinheiro à solta no mundo

 

Perplexidades

Dinheiro à solta

O conflito geo-financeiro entre credores e devedores teve, entre outros, o efeito nocivo de aumentar a ganância pelo controlo da gigantesca massa de dinheiro à solta no mundo.

A corrupção é o caminho mais curto da ganância. Dinheiro fácil, dinheiro sujo, dinheiro por baixo da mesa, dinheiro em saco azul. Quem consegue resistir? Surgem os intermediários das lavagens de dinheiro, operações de maquilhagem. Segredos lascivos bem guardados num mundo em que o dinheiro se tornou rei. Se há dinheiro à solta, há corrupção à vista. Os exemplos abundam, desde os pequenos crimes económicos, que destroem vidas e consciências, à grande corrupção que deita abaixo instituições, degrada o estado social e empobrece nações como Portugal.

Há a corrupção de sobrevivência. Há a corrupção dos facilitadores que evitam problemas ao estado, a empresas, a particulares. A pequena corrupção anuncia dolos em níveis superiores e mais graves se não for combatida. Por detrás de Vara, Sócrates? Por detrás de Sócrates, Salgado? Quem sabe? A puxar os pequenos, os grandes, isso é certo.

A grande corrupção de governantes, banqueiros e empresários - que abusam dos cargos a fim de obter ganhos ilícitos - envolve subornos de muitos tipos. Inclui fraudes, branqueamento de capitais e operações no mercado negro e contas em paraísos fiscais. Além de configurar um crime económico, tem formas de peculato, abuso de poder, concussão, favorecimento pessoal e tráfico de influência.

A corrupção não é um problema cultural. Surge em todas as sociedades. Não é só de países pobres nem de países ricos. É preciso dois para o tango. É o problema social e humano em que a soberba do dinheiro se tornou o culto predominante. A corrupção é o pecado que se tornou sistema, como incansavelmente repete o Papa Francisco.

Na Alemanha, com a Volkswagen em 2015; em Angola, com o nepotismo presidencial; no Brasil, com a Petrobrás; na China, com governantes e privados que dirigem indústrias. Nos EUA, com os Madoff,  presos e à solta. Na FIFA com Sepp Blatter. Em Portugal, com os bancos zombies.

A lista da grande corrupção é inesgotável

A comunicação social tem um papel crucial na denúncia e investigação, quando assume independência e coragem. Jornais e revistas generalistas como o Correio da Manhã, a Visão e Exame, são mais eficazes que as publicações económicas a denunciar os crimes de corrupção, combatendo a ineficácia das instituições.

Alguns trabalhos marcantes têm surgido sobre a triangulação entre poder político, o mundo financeiro e os consórcios de advocacia. Gustavo Sampaio em Os privilegiados (2013) e Os facilitadores (2014) denunciou os que movem influências em seu benefício com negócios intermediados pelas grandes sociedades de advogados. O prejuízo é para nós, portugueses.

Carlos Moreno em Como o estado gasta o nosso dinheiro, (2010) denunciou os negócios ruinosos com o sector privado. Gabriel Zucman em A Riqueza oculta das nações, (2014) fala de uns 30 mil milhões de euros de portugueses na Suíça, 80% dos quais provêm de evasão fiscal. Dinheiro não declarado. Nem tributado. Dinheiro subtraído ao investimento social.

As campanhas contra a corrupção só serão bem-sucedidas se tiverem o apoio do público.  Não basta uma voz como a de Paulo Morais, corajoso candidato presidencial que fez da anti-corrupção o motivo único da sua campanha, e depois quase desapareceu da comunicação social.

Estaremos condenados a pensar que os melhores, se existem, não estão na política? E que os piores estão entre a política e a corrupção? O país precisa de escutar os exemplos de todos aqueles que, tivessem ou não a possibilidade de «falar às massas», souberam «recusar a massa».

Acima de todos se destaca o presidente Ramalho Eanes. Entre muitos outros actos com que evitou onerar o Estado, recusou ser ressarcido dos retroactivos que lhe eram devidos de mais de 1 milhão de euros e rejeitou a promoção a Marechal.

Precisamos deste exemplo de Ramalho Eanes e de outros ainda anónimos para fortalecer a nossa confiança e perseguir os bandidos sociais. Podemos estar de joelhos, mas ainda não estamos de rastos. Precisamos de media livres que fortaleçam este combate. De magistrados com cultura de cidadania. De escolas com educação para a cidadania. De criadores de literatura com entusiasmo cívico. E de cidadãos a tempo inteiro.

Fonte: Jornal Tornado

Texto: Mendo Henriques · 15 Novembro, 2016

 


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Timothy Bancroft-Hinchey