No Brasil republicano a indicação para o cargo de Presidente da República sempre foi uma prerrogativa da Casa Grande, que cabia a Senzala apenas aprovar.
Quando surgia uma divergência entre os integrantes da Casa Grande, chamava-se o Exército para dirimir as dúvidas.
A primeira grande cisão se deu em 1930, quando os grandes senhores não se entenderam e foi preciso então apelar para as armas.
Cada grupo mostrou suas cartas e como o grupo de Getúlio Vargas tinha em mãos um Royal Straight Flush, a oligarquia do café-com-leite, entregou logo os pontos.
Essa é aliás, uma regra de ouro da Casa Grande: pode-se discutir, trapacear, trair, mas nada de derramamento de sangue entre a nobreza.
Os escolhidos pela Casa Grande não devem satisfações à Senzala, mas os mais inteligentes costumam fazer alguns agrados a ela.
Getúlio, por exemplo, sempre cultivou boas relações com essa gente, porque era mais inteligente que seus pares. Ele sabia que apertando demais, a corda pode se romper. Então tratou de fazer alguns agrados à Senzala, obviamente sem misturar o patriciado com a plebe.
Mesmo assim, nem todos gostaram disso e Getúlio acabou deposto uma vez e levado ao suicídio noutra.
Outro discípulo de Getúlio, João Goulart, foi mais adiante do que a prudência recomendava e aí não teve jeito: foi preciso chamar os milicos.
A coisa tinha ido longe demais e já havia representantes da Senzala falando coisas desagradáveis para os ouvidos sensíveis dos donos do poder.
Nessas horas decisivas, como disse aquele coronel Passarinho, dado a pensamentos filosóficos, "ás favas os escrúpulos de consciência"
A gente fina da Casa Grande, que dizia cultuar os valores democráticos americanos e europeus, pelo menos na aparência, teve que conviver durante 20 anos com aquela plebe rude, pouco acostumada aos salamaleques dos finos salões em que vivia.
Mas, o que fazer?
Pior seria entregar ao poder à gentelha pobre da Senzala que não sabia nem se comportar na mesa.
Quando os novos donos da Casa Grande começaram a ficar cansados com aqueles generais e coronéis que queriam disputar os melhores butins nos seus muitos negócios, voltaram de novo a falar naquela palavrinha mágica que antes fizera tantos estragos: democracia.
Valeria a pena trocar a tranquilidade daqueles anos de ditadura por uma democracia cheia de riscos?
Aquele velho tio, sempre disposto a dar bons conselhos, o Tio Sam, garantia que sim.
Ele dizia que uma boa democracia, com a mídia sempre a favor, tranquiliza a pobreza e deixa os ricos mais livres para ganhar dinheiro.
E então, a democracia voltou.
Com o apoio de uma grande rede de televisão e da maioria dos jornais, tudo ia correndo muito bem.
Quando o candidato perfeito que a Casa Grande tinha encontrado terminou seu mandato e não havia outro melhor para seu lugar, mudou-se a regra do jogo. Comprou-se alguns votos no Congresso e o príncipe dos sociólogos, o FHC, pode ser reeleito.
Mas, como não há bem que sempre dure, aquele metalúrgico chato do ABC, que já havia perdido três eleições, conseguiu ganhar a quarta.
Não adiantou todo o esforço da mídia comprada, Lula virou presidente
E não só virou Presidente, como se reelegeu e depois reelegeu Dilma, que se reelegeu também.
Aí ficou demais.
Não é que o Lula e a Dilma tenham acabado com o poder da Casa Grande. Não, eles sempre foram compreensivos com os direitos da elite. O problema é que eles começaram a melhorar a vida do pessoal da Senzala e como todos sabem, essa gente nunca se conforma com o que tem, está sempre querendo mais.
Então, foi preciso mexer de novo na Constituição.
Mas, nada de chamar os milicos, que depois eles não querem mais ir embora. Dessa vez foi um golpe limpo em que ninguém ficou ferido.
Só a Constituição, mas afinal quem se importa com ela.
Bastou os apoios do Judiciário, do Parlamento e da Mídia.
Tudo muito fácil, porque tanto o Lula, quanto a Dilma, não quiseram fazer o que a turma da Casa Grande sempre fez, colocar gente da sua turma nos lugares da decisão.
O Lula e a Dilma acreditaram naquela história, que a Casa Grande divulgava, mas não seguia, de respeito à divisão de poderes e nomearam seus futuros algozes.
Em vez do Procurador Geral, que na época do FHC era chamado de "Engavetador Geral da República", nomearam um sujeito que indiciou os dois. A Polícia Federal, que eles modernizaram, os tratou como criminosos.
Só a mídia continuou sempre igual, na defesa intransigente dos direitos históricos da Casa Grande.
Então ficou fácil para a Casa Grande retomar o poder com o Temer e restabelecer a normalidade na República.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS