Ao fim de minha crônica mais recente, publicada aos 27 de maio do ano corrente, formulei a seguinte pergunta concernente ao Ministério do presidente interino: "Não falta estofo a um grupo ministerial arranjado segundo critérios condenáveis de atender a estes e àqueles?". A resposta a este questionamento foi dada pela própria realidade, pois, em dezenove dias de governo, dois ministros já conheceram a demissão.
Iraci del Nero da Costa *
Ao que parece, o senhor Michel Temer ao assumir interinamente a presidência da República optou, na formação de seu Ministério, por um velho caminho o qual - dado seu comportamento aparentemente automático e cego - certamente vem trilhando de há muito, qual seja, a via do arreglo com o restolho da república.
É forçoso reconhecermos não se tratar, essa atitude, de algo novo e original, pois tanto Luiz Inácio da Silva como Dilma Rousseff percorreram a mesma estrada, secularmente conhecida dos dirigentes máximos da Nação. Assim, uma grande parcela dos componentes dos ministérios de Lula, Dilma e de Temer foi colhida nos desvãos os mais obscuros da degradada vida política brasileira.
Evidentemente não nos escapa aqui a verificação de que a tal escória devem ser agregados vários dirigentes partidários sem mandato, muitos empresários, um sem-número de corruptos vinculados aos serviços públicos e meros intermediários que se colocam a serviço dos demais desencaminhados ora referidos.
Não obstante a amplitude de tal camorra, interessa-nos, no momento, ressaltar a composição do Ministério composto pelo presidente interino da República.
Como sabido, para vários ministérios foram escolhidas pessoas envolvidas pela justiça em diversos casos escusos. A consequência decorrente de tal fato não se fez esperar, em pouco mais de duas semanas de vigência do governo interino dois ministros já foram defenestrados: Romero Jucá, Ministro do Planejamento e Fabiano Silveira, Ministro da Transparência, Fiscalização e Controle.
Tais demissões deveram-se à divulgação pela imprensa de gravações nas quais esses ex-ministros expuseram suas opiniões restritivas e críticas com respeito ao andamento das medidas judiciais implementadas no âmbito da denominada "Operação Lava Jato", à qual devemos uma luta consequente contra a corrupção existente em larga escala no Brasil. Essas declarações colocaram em xeque, perante todo o povo e o poder Judiciário, a seriedade e as reais intenções do presidente interino o qual se viu impelido a rejeitar seus colaboradores imediatos como forma de dar publicidade ao seu respeito pela condução dos trabalhos realizados pelos encarregados da aludida Operação a qual tem atuado de maneira independente e merece o apoio amplo da população brasileira.
Como se observa, aceitar sem análise pormenorizada indicações efetuadas por partidos ou políticos pode resultar em demissões que desmoralizam e desqualificam a presidência da República.
Como temos repetidamente alertado em nossos textos, em face falência de muitos políticos, da maioria dos partidos e do próprio poder Legislativo, apenas a mobilização popular pode dar embasamento salutar às decisões políticas de fôlego pois, sem tal presença do eleitorado, só resta a obediência a políticos ou a partidos cujos objetivos são mesquinhos e não apontam no cumprimento dos interesses da população brasileira.
* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.