Romero Jucá e WikiLeaks: A Hipocrisia Esquecida do PT

A demagogia que marcou os mais de 13 anos do governo pela metade do Partido dos Trabalhadores (PT) não poderia ficar de fora da atual retórica contra-golpista que envolve os encontros do senador Romero Jucá (PMDB-RR) com a "diplomata" norte-americana em Brasília, Lisa Kubiske, revelados por WikiLeaks.

Pois o mesmo WikiLeaks usado também hoje pelo partido que se deslumbrou descomedidamente com os privilégios do poder e, cegado pela arrogância excessiva, esqueceu-se de que o golpe de direita sempre latente, desde que assumiu o poder, poderia se concretizar ignorando e até atacando todas as advertências (com direito a estigmas tais como "radicais de esquerda"), também havia revelado em 2010 e 2011 que o homem mais forte do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, o então ministro da Casa Civil José Dirceu, havia se prestado ao mesmo papel de Jucá, com o pires na mão em pleno centro de espionagem dos Estados Unidos com fachada de Embaixada, ou em fraternal almoço como também foi o caso. Porém, a dose de hipocrisia de José Dirceu foi ainda maior.

Com exclusividade ao Jornal Pravda, mais abaixo tradução de três dos telegramas confidenciais emitidos pelos espiões estadunidenses, agora tão condenados pelos partidários do PT, revelando encontros em 2005 em que o outrora todo-poderoso ministro da Casa Civil prestava contas em nome do governo brasileiro junto a dois "embaixadores" norte-americanos diferentes.

No primeiro a seguir, datado de abril de 2005 e liberado por WikiLeaks em janeiro de 2011, o homem da mais alta confiança de Luiz Inácio, que certamente teria sido candidato do PT em 2010 não tivesse ido para detrás das grades pelo escândalo do Mensalão, simplesmente apoiou, contrariamente à sua retórica pública assim como a de todos os petistas, a ideia da concretização da ALCA (Área de Livre Comércio para as Américas) idealizada por George Bush, a qual minaria o Mercosul. não apenas a apoiou: esforçou-se para buscar alternativas com os norte-americanos.

O segundo telegrama confidencial, de outubro de 2005, liberado por WikiLeaks cinco anos mais tarde, em dezembro de 2010, revela outro discurso secreto de José Dirceu bem diferente daquele que marcou sua vida pública, bem como das campanhas com forte apelo moralista de seu partido, que prometia raivosamente um Brasil decente, e mudança especialmente em relação à sua precária defesa sobre o Mensalão:

Dirceu admitiu que ele próprio tinha habitualmente gasto o dobro do que relatou em suas próprias campanhas, e que todos os políticos brasileiros empregam algum tipo de Caixa 2 (recursos não contabilizados ou não revelados). Embora incomodado com a hipocrisia dos seus adversários atuais sobre este assunto, Dirceu considerou esta prática natural e mesmo inevitável em um país onde os políticos não gostam de ser vistos recebendo dinheiro, e os doadores não gostam de ser vistos dando-o.

Portanto, na briga de cachorro raivoso pelo poder, secretamente vale, sim, o "todo mundo faz...", ou "rouba, mas faz".

No terceiro traduzido mais abaixo, de agosto de 2005, liberado pela organização do jornalista australiano Julian Assange em dezembro de 2010, José Dirceu criticou duramente alguns de seus próprios "companheiros" petistas, e de alto escalão, aos norte-americanos. Uma importante observação sobre José Dirceu no cabo confidencial enviado pelo então "embaixador" John Danilovich ao Departamento de Estado em Washington, dizia impiedosamente do "ex-comunista" do PT:

A saída de Dirceu do cenário político seria um divisor de águas, encerrando um capítulo distinto na moderna política brasileira.

Contudo, não podemos nos deixar levar muito por acreditar que este camaleão, cruel e brilhante, está disposto a cair tão silenciosamente no esquecimento - não ainda.

Logo que vieram à tona, algumas pouquíssimas vozes no deserto que divulgaram tais telegramas - e protestaram - presenciaram o silêncio omisso de muitos petistas, e em outros casos acabaram atacadas por eles: "ultra-esquerdistas" que, em seu radicalismo, não entendiam nada de política e de diplomacia. Agora, ao lado da mídia dita alternativa (outra face de uma mesma moeda politiqueiro-midiática, que sempre ignorou este caso) lamentam-se, indignam-se profundamente contra o golpista Romero Jucá, para não perder o costume condenando no outro o que tanto praticavam.

"Não se pode confiar no Império nem um tantinho assim", disse certa vez Che Guevara. Pois apenas o PT, no auge da patologia do poder, acreditou que poderia se aliar ao que existe de pior, dentro e fora do país, e gozar do assento ao trono das demagogias em nome de suposta "revolução social", impunemente. Como disse recentemente Heloísa Helena, expulsa do PT por não seguir as orientações do partido nas votações que favoreciam as elites nacionais em detrimento dos trabalhadores: "O mundo dá voltas".

De falta de aviso ao londo de todos estes anos, nenhum desses petistas pode, jamais, reclamar. Enfim, abaixo as traduções com as devidas ligações aos documentos originais mencionados.

 

Escrito em 20.4.2005 / Liberado à Imprensa em 12.1.2011 / Classificação: Confidencial / Origem: Brasília

Fonte: https://wikileaks.org/plusd/cables/05BRASILIA1067_a.html

Tradução de Edu Montesanti

C O N F I D E N T I A L SECTION 01 OF 02 BRASILIA 001067

SIPDIS

 

STATE PASS USTR

NSC FOR SHANNON, BREIER, AND RENIGAR

 

E.O. 12958: DECL: 4/19/2012

TAGS: ETRD KIPR SOCI BR FTAA

 

ASSUNTO: Chefe da Casa Civil Dirceu sobre a ALCA e a PATENTE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS

 

REF: BRASILIA 1017

Classificado por: EMB. Danilovich baseado na razão 1,4 (B)

 

 ¶ 1. (C) Resumo. Em 18 de abril, o embaixador e uma delegação do Estado da Flórida, encontraram-se com José Dirceu, chefe da Casa Civil, para discutir a proposta de Miami de se tornar o local do secretariado permanente da ALCA. Dirceu aproveitou a oportunidade para manifestar seu desejo que as negociações da Alca avancem, declarando repetidamente que o Brasil pode exportar pelo menos quatro vezes mais para os EUA que atualmente (20 bilhões de dólares). Acrescentando que já conversou com o ministro das Economia Palocci sobre a inflexibilidade do Ministério das Relações Exteriores sobre a ALCA, Dirceu disse que, no próximo mês, ele e Palocci tentariam falar com o presidente Lula sobre isso. Membros da delegação da Flórida manifestaram reações variadas com o desempenho de Dirceu, alguns observando seus comentários como uma forma de dar início a negociações paralisadas, e outros interpretando suas declarações como disfarçante (isto é, que o Brasil sinceramente tenta superar o impasse) caso a reunião de 12 de maio co-presidencial entre EUA-Brasil não produzam resultados. Dirceu mal tocou na postura do Brasil em relação a questões fundamentais de interesse dos EUA, como o tratamento dos direitos de propriedade intelectual dentro do mercado comum da ALCA. (Em uma conversa posterior, mais tarde naquele dia, chefe do governo para política da ALCA, Regis Arslanian, disse à delegação que o chanceler Amorim pressionaria o 4 - 1 Mercosul - EUA do Brasil, em favor da ALCA na reunião ministerial de 26 de abril com o secretário de . Brasília). O embaixador aproveitou a ocasião para levar a dirceu as preocupações da USG sobre o direito de patente de medicamentos para HIV / AIDS anti-retrovirais, produzidos por empresas dos EUA, ao que Dirceu disse que o governo brasileiro iria consultar a USG antes de qualquer decisão do presidente Lula. Fim Resumo.

 

 ¶ 2. (SBU) Em 18 de abril, o embaixador acompanhou visita da delegação do Estado da Flórida a uma reunião com o chefe da Casa Civil, José Dirceu. A delegação (composta pela secretária de Estado da Flórida, Glenda Hood, pelo secretário da ALCA na Flórida e ex-embaixador, Charles Cobb, e pelo presidente da ALCA na Flórida, Jorge Arrizurieta) pediu para discutir;se o caso de Miami como local de uma Secretaria Permanente da ALCA. Do lado brasileiro, Dirceu esteve acompanhado pelo Assessor Especial Américo Fontenelle. O encontro, previsto para durar meia hora, durou o dobro desse tempo.

 

 ¶ 3. (C) Depois, a delegação da Flórida falou sobre as perspectivas sobre a ratificação da CAFTA e sobre as ligações de comércio substanciais entre a Flórida e o Brasil, com Dirceu dando sua opinião. Atualmente, o Brasil exporta cerca de 20 bilhões de dólares aos EUA, embora possa exportar pelo menos quatro vezes esse valor, disse ele. Por causa do impasse da Alca, o Brasil estava perdendo uma oportunidade histórica de obter acesso ao mercado dos EUA, algo que ele denominou e um escândalo. Para manter o crescimento de 5 a 7 por cento ao ano, o Brasil precisaria aumentar o percentual do PIB ao investimento para 25 por cento (contra 21,5 por cento atuais), e gerar 2 milhões de empregos por ano. Um acordo da ALCA, afirmou ele, ajudaria a trazer esse investimento tão necessário para o Brasil, estimular ainda mais o altamente competitivo setor agroindustrial do país, e ajudar o Brasil a aumentar suas exportações do setor de serviços. Dirceu alegou o Brasil poderia desempenhar importante papel no setor de serviços, destacando que, atualmente, 60 por cento do lucro da construtora Odebrecht vem do exterior.

 

 ¶ 4. (C) Dirceu comentou que o quadro da ALCA acordado em suas reuniões ministeriais em 2003 foi uma boa base para negociação, e que a falta de progressos nas negociações deveu-se ao desejo do ministério do Exterior [do Brasil, grifo nosso], de promover seus objetivos de integração regional, em detrimento das preocupações empresariais. O que era necessário para resolver o impasse, disse ele, era dar um empurrão nas negociações políticas. Dirceu afirmou que ele já tinha conversado com Palocci, o ministro da Economia, sobre essa questão, e que ele iria retomar a discussão quando voltasse de sua viagem a Nova Iorque. Então, os dois se aproximariam do presidente Lula em maio, a fim de argumentar em favor da retomada das negociações da ALCA. Acercar-se ao ministério da Agricultura e a grupos empresariais influentes (ou seja, a Confederação Nacional da Indústria e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) envolvidos no processo era fundamental, acrescentou.

 

 ¶ 5. (C) Dirceu fez notar que havia problemas práticos a ser enfrentados. A agricultura foi uma questão complexa para ambos os lados, mas se um acordo pudesse ser alcançado no âmbito da OMC que limitam os subsídios agrícolas, certamente ajudariam, disse. Dirceu lembrou que em sua conversa anterior com o secretário em Washington, havia assinalado que os temas mais importantes do momento, como algodão e açúcar, precisam ser tratados como questões comerciais e não políticas. O que seria realmente um sinal ruim, um péssimo sinal ao Governo Federal dos EUA, acreditava ele, era qualquer rejeição do Congresso dos EUA ao CAFTA.

 

 ¶ 6. (C) Os membros da delegação da Flórida reagiram de maneiras distintas às observações de Dirceu. Um dos participantes na reunião consideraram que o interesse de Dirceu da pode impulsionar as negociações paralisadas. Outros acharam que Dirceu pode ter tentado encontrar um atalho caso as conversações co-presidenciais de 21 de maio entre EUA e Brasil falhem, ou exima o Brasil de responsabilidades por qualquer impasse.

 

 ¶ 7. (C) Mais tarde naquele dia, a delegação da Flórida encontrou-se com o diretor do Ministério das Relações Exteriores de Negociações Comerciais Internacionais, Regis Arslanian, formulador de políticas do Governo Federal diretamente responsáveis para as negociações da ALCA. (Parece que, a pedido de Dirceu, o nível da reunião do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi interrompido pelo gabinete do diretor Secretário Assistente). Quando perguntado por Cobb o que ele esperava do ministro Amorim sobre a ALCA em reunião de 26 de abril com Rice, disse Arslanian que, sem dúvida, o ministro vai pressionar o 4 - 1 Mercosul-EUA do Brasil, para aceitar a proposta dos EUA. Arslanian reiterou a oposição do ministério do Exterior para a idea do governo brasileiro de aceitar qualquer compromisso com aplicação do direito a patentes, no âmbito da ALCA.

 

 ¶ 8. (C) Comentário. Embora as declarações de Dirceu, sem dúvida, sejam bem-vindas, como apontado acima estão sujeitas a interpretação. Por exemplo, apesar de seus comentários gerais, Dirceu não fez nenhuma menção de flexibilidade do governo brasileiro sobre questões centrais do impasse atual, sobre a ALCA. Além disso, Dirceu, dá ênfase no acesso ao mercado demonstrando razão nos argumentos de Arslanian de que o governo brasileiro não havia desistido de sua proposta de acesso a seu mercado 4 - 1. Também não está claro qual o prazo para qualquer intervenção de Dirceu no possível processo de tomada de decisão do governo brasileiro (antes ou depois da agendada reunião co-presidencial Brasil-EUA de 12 de maio) e se Dirceu (ou Dirceu e Palocci em conjunto) pode fazer com que o presidente e o chanceler Amorim mexam na ALCA. Na verdade, Lula foi citado recentemente pela Imprensa no exterior da seguinte maneira: (Sobre o tema da ALCA), Os Estados Unidos só querem negociar em assuntos que sirvam aos seus interesses, tais como serviços. Eles não querem negociar sobre assuntos que são de nosso interesse, tais como produtos agrícolas. . . O Brasil é um negociador-chave para as negociações da ALCA, e vamos continuar negociando o tempo que for preciso para alcançar o que é necessário.

 

 ¶ 9. (SBU) Por último, o embaixador levou a Dirceu a preocupação com a USG, de que o governo brasileiro pudesse romper as negociações com empresas farmacêuticas dos EUA e buscar patentes destas empresas para remédios HIV / AIDS anti-retroviral. Dirceu observou que ele pretendia abordar tal questão com o ministro da Saúde Costa, em 19 de abril, e que qualquer que seja a decisão do governo brasileiro, tomasse viria do próprio Presidente Lula. Dirceu salientou que o governo brasileiro se encontrou em situação difícil dado o aumento do custo de fármacos anti-AIDS, e seu desejo de manter em andamento o programa de tratamento em âmbito mundial. No entanto, concluiu ele, antes de chegar a qualquer decisão definitiva, o governo brasileiro estaria em contato com a USG para ouvir nossas opiniões.

 

Danilovich

 

 

 

Escrito em 13.10.2005 / Liberado à Imprensa: 20.12.2010 / Classificação: Confidencial / Origem: São Paulo

 

Fonte: https://wikileaks.org/plusd/cables/05SAOPAULO1158_a.html

 

Tradução de Edu Montesanti

 

C O N F I D E N T I A L SECTION 01 OF 02 SAO PAULO 001158

 

SIPDIS

 

E.O. 12958: DECL: 10/12/2015

 

TAGS: PINR PGOV BR

 

ASSUNTO: CONVERSA COM JOSÉ DIRCEU, 9 DE OUTUBRO DE 2005

 

REF: A. BRASILIA 2219 B. BRASILIA 2687 AND PREVIOUS

 

Classified By: ACTING CONSUL GENERAL ARNOLD VELA. REASON:

 

E.O. 12958, 1.4(D)

 

 

Resumo: Enquanto esteve em São Paulo, Poloff da embaixada de Brasília almoçou, em 9 de outubro, com amigos no qual o deputado federal e ex-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, estava presente. Durante conversa de 30 minutos, Dirceu compartilhou suas visões sobre a crise política, o futuro do Partido dos Trabalhadores (PT), as perspectivas para a reforma política, e seu próprio status atual e os planos para o futuro. Fim de resumo.

 

 ¶ 2. (C) Dirceu pareceu bem, e razoavelmente relaxado. No decorrer da refeição, falou principalmente de sua própria família, gastronomia, viagens e coisas pessoais que queria fazer no futuro. Era notório que, no dia da segunda rodada decisiva das eleições internas PT, ele tinha dedicado quatro horas contínuas a esse tipo de atividade. Seu celular tocou apenas três ou quatro vezes. Várias dessas chamadas pareceram relacionadas aos esforços da oposição para acusar o filho de ter cometido irregularidades, o que, obviamente, o irritou. Após a refeição, Poloff teve a oportunidade de conversar cara-a-cara com Dirceu, por cerca de 30 minutos.

 

 ¶ 3. (C) Em relação a conversas anteriores - logo após a sua demissão do Planalto em junho, e novamente no final de agosto (referência A) - Dirceu foi menos crítico ao governo e mais otimistas sobre perspectivas para a reeleição de Lula, no próximo ano. Ao contrário de predizer categoricamente que o presidente perderia, ele agora pensa que haverá uma disputa competitiva, resultado atualmente imprevisível. Em relação à eleição da PT à presidente nacional, ele previu (com precisão) que Ricardo Berzoini ganharia por pouco, com cerca de 52 por cento dos votos. Ele não previu que a composição nova, a mais esquerdista da Direção Nacional, causaria grande problema dentro do partido ou do governo. Em resposta a uma pergunta sobre o possível volta à radicalização da esquerda brasileira a médio e longo prazo, Dirceu fez as seguintes observações: O PT (mais ou menos como é hoje) vai continuar a dominar o lado esquerdo do sistema político brasileiro. Algumas poucas deserções mais poderiam ocorrer, sobre o que apontou que ele mesmo teria prazer em ver, mas que nenhum partido de massa se levantaria à esquerda do PT. E que ninguém dentro de suas fieis fileiras retornariam à antiga postura (de esquerda mais radical), durante o período pós-Lula. Em interessante parêntesis, Dirceu asseverou que (toda a modéstia de lado), ele foi o único que poderia realizar tal mudança total de postura, mas que ele não tinha nenhuma intenção de fazê-la, pelo tipo de pessoa que é, e pelo fato de que seria ruim para o país.

 

 ¶ 4. (C) Como em ocasiões anteriores, Dirceu não pareceu muito interessado na questão da reforma política, ou nos detalhes ou pormenores de tal reforma. Ele reconheceu que os candidatos, inclusive Lula, teriam que usar a reforma como um tema de campanha. Neste contexto, Dirceu admitiu que ele próprio tinha habitualmente gasto o dobro do que relatou em suas próprias campanhas, e que todos os políticos brasileiros empregam algum tipo de Caixa 2 (recursos não contabilizados ou não revelados). Embora incomodado com a hipocrisia dos seus adversários atuais sobre este assunto, Dirceu considerou esta prática natural e mesmo inevitável em um país onde os políticos não gostam de ser vistos recebendo dinheiro, e os doadores não gostam de ser vistos doando-o.

 

 ¶ 5. (C) No que diz respeito à sua própria situação, Dirceu pretende continuar defendendo-se vigorosamente contra qualquer coisa, a não ser a aceitação da responsabilidade política geral em relação aos problemas atuais do PT e do governo Lula. De acordo com Dirceu, ele está em bons termos com o governo, mas este não o está ajudando muito, e ele não quer nem precisa de nenhum favor do gabinete do presidente. No entanto, Dirceu ainda espera ser expulso do Congresso e privado do direito de concorrer novamente por oito anos, e parecia, nesta ocasião, com um pouco menos de certeza do que tinha anteriormente, que este resultado poderia ser paralisado ou revertido nos tribunais. Mas considera a sentença como uma questão puramente política. Ao que lhe parece, em contraste com a maioria dos outros deputados acusados, não há provas concretas de irregularidades de sua parte e o comitê de ética do Congresso não tem competência jurídica em seu caso, já que ele não estava atuando como deputado federal quando ocorreu qualquer um dos atos dos quais é acusado de ter cometido. No entanto, ele tem que aceitar o que, finalmente, venha a acontecer. Sua estratégia agora é manter a tranquilidade, e trabalhar para manter a velha influência que ainda exerce dentro do partido.

 

 ¶ 6. (C) A esse respeito, Dirceu reiterou fortemente seu interesse em viajar aos Estados Unidos durante o período dezembro-fevereiro, com o objetivo de relaxar, desenvolver um livro e aprender inglês. Pela primeira vez, começou a fazer perguntas concretas sobre tais questões práticas como, por exemplo, um visto, onde ele deveria ficar nos EUA, e o que ele poderia fazer por lá. Poloff não se comprometeu em nada, mas prometeu falar com ele novamente, em Brasília.

 

 ¶ 7. (U) Esta mensagem foi coordenada com a Embaixada de Brasília.

 

VELA

 

 

Escrito em 19.8.2005 / Liberado à Imprensa em 20.12.2010 / Classificação: Confidencial / Origem: Brasília

 

Fonte: https://wikileaks.org/plusd/cables/05BRASILIA2219_a.html

 

Tradução de Edu Montesanti

 

C O N F I D E N T I A L SECTION 01 OF 02 BRASILIA 002219

 

SIPDIS

 

TREASURY FOR PARODI, STATE PASS TO USTR AND USAID/LAC/AA

 

E.O. 12958: DECL: 08/17/2015

TAGS: PGOV PREL ECON BR

 

ASSUNTO: BRASIL ESCÂNDALO DE CORRUPÇÃO DADOS: JOSÉ DIRCEU REFLEXIONA

 

BRASÍLIA A. 2082: REF

 ¶ B. BRASÍLIA 1979

 ¶ C. BRASÍLIA 1874

 ¶ D. BRASÍLIA 1973

 ¶ E. BRASÍLIA 1631

 ¶ F. BRASÍLIA 2025

 ¶ G. BRASÍLIA 2150

 

Classificado por: Classificado por Dennis Hearne Conselheiro Político. Razões 1.4 (b) (d).

 

 

 ¶ 1. (C) Introdução: José Dirceu, ex-ministro mais poderoso do gabinete do presidente Lula da Silva e, atualmente, deputado federal que possivelmente será cassado do seu mandato no Congresso, é uma figura central nos escândalos atuais que assolam o governo e o PT. Por isso, neste momento ele está "muito buscado" para contatos diretos com o pessoal da missão. No entanto, Pol Couns, sob aprovação do COM, decidiu aproveitar a visita esta semana a Brasília, onde se encontra o Assessor Especial da Embaixada, Bill Perry - que esteve no Brasil em qualidade semi-privada, e conviveu com Dirceu por vários anos, pessoalmente - a fim de avaliar as opiniões de Dirceu sobre a crise política, e sobre sua complicada situação. Perry também concordou em procurar Dirceu, e reuniu-se de maneira privada com ele em um café da manhã, no apartamento de Dirceu em Brasília em 17 de agosto. Perry informou posteriormente os seguintes pontos e impressões a partir dessa conversa, e contribuiu ao comentário no parágrafo 6.

 

 ¶ 2. (C), Dirceu parecia bem e em forma, apesar do estresse das últimas semanas. Ele disse que tinha se disciplinado a fazer exercícios regularmente e manter bastante contato com a família, e está dormindo razoavelmente bem. Mas Dirceu parecia muito menos combativo do que em um encontro com Perry no final de junho, logo após sua demissão como ministro da Casa Civil. Notadamente, Dirceu alegou que tinha desistido porque vai ser "cassado" - ou seja, sofre cassação de seu assento parlamentar e do direito de correr para qualquer cargo por um período de oito anos - o que,provavelmente, ocorrerá em novembro.

 

 ¶ 3. (C) Dirceu, o que era previsível, considerou isso injusto e defendeu sua reputação. Seu raciocínio foi que a direção do PT, após-2002, surgiu com esquemas de financiamento ilegal, perversos e "até os ossos" que estão no centro das investigações atuais, em resposta às pressões dos partidos aliados, pequenos e mercenários - PTB, PL, PP - e desde 2002, na campanha do especialista em mídia, Duda Mendonça. Nesta versão, Dirceu não teve nada a ver com esses acordos. Na verdade, o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, "não deu as caras" - Soares surgiu do movimento sindical -, e Dirceu nunca o aceitou em tal cargo delicado. Dirceu também criticou a fraqueza do ex-presidente do PT, José Genoíno, e do presidente interino do PT, Tarso Genro (quem atualmente tenta assumir o controle do PT, a partir da poderosa facção de Dirceu).

 

 ¶ 4. (C) Essa defesa esteve entrelaçada com críticas de Dirceu ao governo Lula. Lula não faz muito, de sua própria iniciativa, afirmou Dirceu, e ele disse que Lula deveria ter prestado mais atenção à busca de legítimas fontes de financiamento das empresas, na sequência das eleições de 2002. Ele também deveria ter trazido o PMDB e outros grandes, os responsáveis pelo governo anterior e recompensado-os com cargos ministeriais. Dirceu disse que estava querendo deixar o dividido ministério, e voltar ao Congresso muito antes que o presidente pudesse fazer algo contra isso. Importante, Lula está conduzindo mal a crise atual, afirmou Dirceu.

 

 ¶ 5. (C) Como resultado dessas deficiências e do fracasso em seu desdobramento, Dirceu agora acredita que é improvável que Lula se reeleja no ano que vem. Na verdade, Dirceu disse que acha que Lula não pode ser candidatar, "se ele está enfraquecido." Dirceu vê um candidato do PSDB como provável vencedor (o prefeito de São Paulo, José Serra, previu), mas não acha que a administração liderada pelo PSDB será capaz de governar com eficiência. Dirceu foi mais otimista sobre o futuro do PT, ao menos após alguns anos de reabilitação e recuperação. Dirceu disse que acha que sua facção vai ganhar de novo as eleições do partido em setembro, seguindo assim seu domínio sobre o PT.

 

 ¶ 6. (C) Comentário. Dirceu eximiu-se completamente de qualquer culpa pelos escândalos, que assola seu partido e o governo Lula, e sustentou "Eu não sabia de nada", foi a defesa de seu recente depoimento perante a comissão de ética do Congresso. Ambas as posições são amplamente consideradas ridículos por políticos e jornalistas brasileiros, que têm acompanhado a carreira de Dirceu e compreendem tanto a extensão de seu poder dentro do governo brasileiro, quanto de um ministro e da mão de ferro que exerce sobre o PT, até hoje. Compartilhamos do ceticismo. Além disso, a sinceridade das profissões de Dirceu sobre o seu futuro pode ser colocada em dúvida, dada sua longa e extraordinária história pessoal de pensamento de poder único. Mas, para ser justo, talvez ele esteja sendo realista. Parece altamente provável que Dirceu irá, de fato, perder o mandato parlamentar e os direitos políticos. Além disso, as feridas provocadas pela crise no governo Lula - que é criatura de Dirceu, de várias maneiras - em conjunto com novas pesquisas, que mostram que Lula perde para candidatos do PSDB, sugerem que a era Lula pode estar acabando. Por agora, as únicas coisas que Dirceu vai fazer, são tentar evitar mais acusações graves, preservar certa medida de influência nos bastidores por meio da dominação do PT por sua facção, e, aos 59 anos, fazer o possível para aproveitar ao máximo o resto de sua vida . Por isso, ele meditou sobre algumas possibilidades específicas, inclusive sair do Brasil por vários meses rumo aos EUA, a fim de aprender Inglês e escrever um livro. A saída de Dirceu do cenário político seria um divisor de águas, encerrando um capítulo distinto na moderna política brasileira. Contudo, não podemos nos deixar levar muito por acreditar que este camaleão, cruel e brilhante, está disposto a cair tão silenciosamente no esquecimento - não ainda.

 

Danilovich

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey