Sua alma não subiu ao céu, pois desceu ao rés do chão; este o destino do poeta Michel Temer (1) que pretendeu construir um ministério provisório de notáveis porém, excluídos alguns bons nomes, só conseguiu preenchê-lo com medíocres.
Iraci del Nero da Costa *
Tomemos um exemplo incontestável: Raul Cutait, cirurgião universalmente reconhecido como médico notável, titubeou ele no início mas, obtido o aval da família, decidiu aceitar o convite para ocupar o Ministério da Saúde deixando claro que só aceitaria subalternos com formação técnica e que fossem aprovados por ele. Infelizmente para nós, no entanto, tentaram fazê-lo aceitar um conjunto de auxiliares a serem indicados por um partido político (Partido Progressista). O resultado de tal tentativa de manipulação infame foi, obviamente, o imediato afastamento de Cutait. Ganhou ele, por não emascular ser caráter, perdemos nós, por não podermos desfrutar de sua inquestionável competência.
Outro caso paradigmático nos é dado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação o qual poderá vir a ser encabeçado por um criacionista - presidente nacional do Partido Republicano Brasileiro - vinculado como bispo licenciado a uma organização denominada Igreja Universal do Reino de Deus. Como se pode imaginar tal possibilidade foi largamente criticada por cientistas, pois representa um acordo político de baixo nível por ferir a sensibilidade dos que fizeram da ciência sua preocupação maior com o desenvolvimento do conhecimento humano.
Certamente tendo em vista as ocorrências arroladas acima bem como outras mais, o jornal Folha de S.Paulo assim se pronunciou em um seu editorial recente: "O anúncio informal do possível ministério de Michel Temer (PMDB), porém, suscita dúvidas não só a respeito da habilitação técnica de setores da nova administração mas também, e sobretudo, acerca de sua estabilidade política e, por que não, judicial. Há implicados em escândalos; partidos associados têm mau histórico ético e administrativo." (2) Um articulista desse mesmo jornal é ainda mais categórico em sua crítica à condução por Michel Temer das negociações para a constituição de seu eventual futuro ministério, diz ele: "Em uma semana evaporaram as expectativas de uma racionalização da máquina ou de nomeações midiáticas, para não citar a óbvia semelhança entre o atual e o futuro ministério - um monte de nulidades indicadas para áreas teoricamente nobres do governo." (3)
É este o quadro com o qual nos deparamos nos momentos que antecedem a possível substituição da atual presidente da República por um período mínimo de seis meses: a continuidade de acordos políticos espúrios para a constituição de ministérios que deveriam conduzir as mais importantes áreas da vida nacional de sorte a alcançarmos a recuperação socioeconômica e política da nação.
NOTAS
1 Michel Temer, atual vice-presidente do Brasil, é dado a escrever poesias. Como sabido é quase certo que Temer virá a substituir por no mínimo seis meses a atual presidente da República.
2 São Paulo, Folha de S.Paulo, EDITORIAIS: Ruínas como exemplo, p. A2, 07/05/2016.
3 GIELOW, Igor. O estado das coisas. São Paulo, Folha de S.Paulo, p. A2, 07/05/2016.
* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.