Mariana: De onde vem a flechada

Por várias vezes me disseram que eu considero o ser humano o câncer do planeta. Não é bem assim, mas é um pouco assim. Nenhum animal tem o poder de destruição que o homem tem. Imaginemos um grupo de antas, de lontras ou de qualquer outro animal sentado numa sala de aula com alguém lhes ensinando a minerar e a acumular rejeitos da mineração. Nenhum animal vai aprender tais práticas. Portanto, se o mundo fosse governado por antas, não haveria a catástrofe provocada pela Samarco em Minas Gerais e Espírito Santo.

Por Arthur Soffiati, Ecohistoriador e Ambientalista

 

         A família dos hominídeos, da qual fazemos parte, aprimorou seu cérebro, nos últimos sete milhões de anos. O resultado final, até o momento, é o "Homo sapiens", a nossa e única espécie que representa a família atualmente. Nosso cérebro transformou-se numa faca de dois gumes: ou pode ser usado para construir obras fantásticas, como a arte, por exemplo, ou engenhos destruidores, como bombas, automóveis, aviões e... barragens de rejeitos de minérios. Entre os nossos parentes macacos, o mais perigoso é o chimpanzé. Ele pode matar um companheiro da sua espécie. Talvez, até mais de um. Mas não consegue matar milhões, como os Estados Unidos fizeram com as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Não consegue fazer guerras exterminadoras como os homens, em conjunto, fazem. Não conseguem minerar a terra e fazer barragens de rejeitos.

         Pode-se objetar que os nativos americanos ou de outros continentes encontrados pelos europeus não seriam capazes de praticar genocídios, apesar de pertencerem à nossa espécie (isto se a pessoa que objeta não for racista). De fato, as sociedades nômades, com tecnologia do paleolítico, ou sedentárias, com tecnologia neolítica ou das civilizações anteriores ou exteriores à ocidental capitalista até poderiam provocar destruições, mas nunca do mesmo quilate que a nossa.

         Então, chegamos a um ensaio de interpretação do ser humano. Em si, ele é potencialmente a espécie mais perigosa que conhecemos em toda a história da vida. Talvez até mesmo mais que os micro-organismos patogênicos, que tanto combatemos. Metaforicamente, o problema é ser ou não fumante, e o tipo de cigarro que ele fuma. Se for um cigarro de palha, tudo bem. Estamos nos limites da Terra e das sociedades humanas. Contudo, se for um cigarro saturado de nicotina e outras substâncias perigosas, o fumante pode desenvolver células cancerígenas.

         O ocidente é a única sociedade que passou a fumar o mais perigoso tipo de cigarro, a partir do século XI. E o pior de tudo é que ele espalhou o vício para todos os povos do mundo. Atualmente, a ocidentalização do mundo, conhecida por nós como globalização, fuma o cigarro cancerígeno. Deixando de falar em metáforas: a partir da revolução industrial do fim do século XVIII, na Inglaterra, o ocidente tomou um rumo muito perigoso: criou um estilo de desenvolvimento e convenceu as pessoas e o países que só é possível alcançar o desenvolvimento trilhando esse caminho. Quem alerta quanto aos perigos que existem nesse caminho é considerado louco, passadista, ingênuo ou, no mínimo, pessimista.

         A todo momento, topamos com esses perigos, mas não vamos à mais profunda raiz deles. Tomemos o caso do rompimento de barragens contendo rejeitos de mineração em Minas Gerais. Os milhões de metros cúbicos vazados destruíram aglomerados humanos, poluíram profundamente as águas do Rio Doce, afetaram o solo e a vida das margens, privaram as pessoas ao longo do percurso da lama de captarem água para fins públicos e agora vão chegar ao mar, por maior que sejam as exigências dos governos para conter a lama e impedir que as águas marinhas sejam poluídas e matem os seres que a habitam.

         O mar de lama concretou os vales que percorreu. A natureza se recupera a duras penas porque é resiliente, ou seja, capaz de voltar ao estado anterior à agressão. Só que esse estado já não era bom. Os governos federal, estaduais e municipais criticam, cobram soluções emergenciais e multam, mas, no fundo, querem que a Samarco volte a operar porque ela gera dinheiro para os cofres públicos. A maioria daqueles que militam nas hostes da esquerda culpam a privatização e a internacionalização. A Samarco é uma empresa com razão social própria, mas pertence à Vale do Rio Doce, privatizada com o nome de Vale e à anglo-australiana BHP.

         Essa análise é superficial porque não questiona o estilo de desenvolvimento seguido pelo mundo a partir do século XVIII. O problema não é a privatização e a internacionalização. A Petrobras é, segundo o governo, uma empresa nacional e estatal, mas essas condições não impediram que ela sofresse danos por fora e por dentro. Como nossa memória é curta, já esquecemos as ondas de acidentes que ela provocou na Baía de Guanabara e no Paraná. esqueceremos também que, por dentro, ela vem sendo corroída com o pão bolorento da corrupção. Certo que existem países mais exigentes com a fiscalização que o Brasil, mas nem por isso as bombas deixam de explodir nesses países. A lista de exemplos seria interminável.

 


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Timothy Bancroft-Hinchey