Padre Cícero Romão Batista, importante líder religioso brasileiro, nasceu em 1844 na cidade do Crato, Estado do Ceará.
Em 1889, 19 anos depois de sua ordenação, Padre Cícero foi reconhecido pelos fiéis de sua paróquia como "milagreiro", pelo suposto fato de uma hóstia por ele consagrada ter-se transformando em sangue na boca de uma beata. A notícia repercutiu em âmbito nacional, chegando ao conhecimento da cúpula da Igreja Católica.
Fernando Soares Campos
Eminentes autoridades eclesiásticas condenaram o alardeado "milagre", consideraram-no uma manifestação de exacerbado fanatismo religioso, com o qual Padre Cícero teria se tornado conivente. Assim, cassaram-lhe o direito de exercer o ministério sacerdotal. Entretanto ele viajou para Roma e conseguiu a absolvição com o Papa João XIII.
Entrou para a política e foi, por 15 anos, prefeito da cidade de Juazeiro.
Padre Cícero também foi responsável pela criação e desenvolvimento da comunidade Caldeirão de Santa Cruz do Desterro, no Sertão do Cariri (CE).
Canudos é conhecida mundo afora, principalmente através de "Os Sertões", obra de Euclides da Cunha, que relata drama envolvendo essa comunidade em verdadeira guerra que a levou à destruição. Porém Caldeirão da Santa Cruz do Desterro, apesar de ter tido idêntico destino, sua história é desconhecida pela maioria das pessoas que conhecem os acontecimentos de Canudos.
Em meados dos anos 20, José Lourenço, um beato que foi preso por pregar em praça pública, acabou sob a proteção do Padre Cícero do Juazeiro, que lhe concedeu o direito de habitar uma propriedade abandonada, num pé da serra. Não demorou muito, o beato atraiu cerca de 500 famílias para o local, onde fundaram um vilarejo, a comunidade Caldeirão, no Sertão do Cariri. O vilarejo prosperou, com suas casinhas simples, igrejinha, escola, trabalho, atividades culturais, religiosas e de lazer, tudo sob sistema de mutirão, sem qualquer ajuda externa. A comunidade era formada por retirantes de diversos estados nordestinos.
Caldeirão tornou-se uma comunidade autossuficiente, até mesmo ferramentas de trabalho eram fabricadas no local, algumas foram desenvolvidas apropriadamente para o trabalho em condições peculiares.
Sobre a agricultura, remanescentes daquela experiência relatam que tudo era tratado de forma ecologicamente correta, atentando-se para a preservação do solo, dos mananciais hídricos, da fauna e flora, cujas explorações atendiam às normas específicas da comunidade, as quais, provavelmente, devem ter sido elaboradas sob um conjunto de preceitos, hoje conhecidos como...
Os 10 Mandamentos do Padre Cícero
1 - Não derrube o mato. Nem mesmo um só pé de pau.
2 - Não toque fogo no roçado. Nem na caatinga.
3 - Não cace mais. Deixe os bichos viverem em paz.
4 - Não crie o boi nem o bode soltos. Faça cercados. Deixe o pasto descansar para se refazer.
5 - Não plante de serra acima. Nem faça roçado em ladeira muito em pé. Deixe o mato protegendo a terra, para que a água não arraste a sua riqueza.
6 - Faça uma cisterna no oitão de sua casa, para guardar a água da chuva.
7 - Represe os riachos, de 100 em 100 metros, ainda que seja com pedra solta.
8 - Plante cada dia pelo menos uma árvore. Um pé de caju, de sabiá, ou qualquer outra. Até que o sertão todo seja uma mata só.
9 - Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, tais como a maniçoba, a favela, a jurema, e tantas outras. Elas podem ajudar você a conviver com a seca.
10 - Se obedecer esses preceitos, a seca vai se acabando aos poucos. O gado vai melhorando e o povo terá sempre o que comer. Se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai virar um deserto só.
(Assista à matéria da CETV 1ª EDIÇÃO - JUAZEIRO DO NORTE: "Obra reúne os mandamentos ecológicos de padre Cícero", exibida em 15/09/2015.)
Criações de bovinos e caprinos garantiam o fornecimento de carne e leite, que por sua vez geravam a produção de charque, queijo e manteiga, enquanto as peles se transformavam em calçados, cintos, bolsas e artesanatos. A produção atendia ao consumo interno, e o excedente era vendido nas cidades vizinhas, principalmente nas prósperas Juazeiro e Crato, gerando receita para a aquisição de produtos necessários à sobrevivência naqueles confins.
Em fevereiro de 2007, escrevi artigo sobre a comunidade do Caldeirão de Santa Cruz. Publicamos aqui na Pravda, alguns parágrafos acima foram extraídos desse artigo: "O caldeirão que o diabo abominou".
Profecia
Contam que o Padre Cícero dizia que o rio São Francisco um dia iria passar por muitas outras cidades dos sertões nordestinos. "Muitos lugares por onde hoje ele não passa", afirmava.
Antão, o povo ficava abismado. Muitos diziam: "O Padim Ciço tá caducando!". Outros pediam para que os romeiros tivessem fé e aguardassem os acontecimentos.
Ainda existem algumas pessoas que, quando criança, ouviram o santo padre profetizar e agora testemunham o cumprimento da profecia através da transposição do rio São Francisco, um projeto de deslocamento de águas do rio São Francisco por canais de concreto construídos em dois grandes eixos, ao longo de aproximadamente 700 km, atravessando regiões do semiárido nordestino, passando por dezenas de municípios, beneficiando centenas deles, formando açudes, perenizando trechos de alguns rios temporários e alcançando cidades litorâneas.
(Vídeo da inauguração da primeira estação de bombeamento do Eixo Norte, canal de transposição do rio São Francisco )
Padre Cícero morreu no ano de 1934, tornando-se uma das principais figuras religiosas da história do país. Hoje, a cidade de Juazeiro, onde repousam os seus restos mortais, é considerada "A Meca Nordestina", por ser um local de intensa peregrinação religiosa, um dos mais importantes do Brasil.
Ele não é reconhecido como santo pela Igreja Católica, porém é assim considerado por muitas pessoas, principalmente pelos nordestinos.
Para reconhecer e declarar como santo um indivíduo falecido, segundo as regras e rituais prescritos pela Igreja Católica, a Sé Apostólica exige que sejam realizadas investigações necessárias à comprovação de que tal indivíduo tenha-se revelado possuidor de virtudes que sirvam de exemplo aos fiéis, para que estes se edifiquem e se valham de suas intercessões.
Se me fosse dada a oportunidade de argumentar em favor da canonização do Padre Cícero perante o Papa Francisco, eu diria que ele não fez o milagre do gol com "La Mano de Dios", mas merece ser canonizado, pois jogou um bolão de virtudes, enquanto atuou na equipe dos homens de boa vontade que, vez ou outra, passam uma temporada aqui na Terra.
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons