Deambulam pela Europa e outros continentes, filhos e filhas da nuvens que se encontram numa situação única no mundo.
Chamam-lhes os filhos das nuvens, saharauis, nómadas de génese, porque durante séculos seguiam as nuvens no deserto do Sahara procurando pasto e água para os camelos e cabras.
Passados 40 anos de uma ocupação feroz e sanguinária do Reino de Marrocos do Sahara Ocidental, antiga colónia espanhola, conhecida pela província 53, o Sahara Ocidental continua na lista de países da 4a Comissão para a Descolonização. O referendo de autodeterminação é continuamente adiado por imposição de Marrocos e o povo saharaui separado e isolado pelo maior muro de separação do mundo com 2720km.
Continuam a ser filhos das Nuvens mas o que procuram não é a água, o que procuram é a paz, a sua pátria e justiça.
Chamam-lhes refugiados quando vivem nos acampamento de refugiados no sul da Argélia em Tindouf, onde cerca de 300mil saharauis sobrevivem há 40 anos nas condições mais inóspitas imagináveis, no deserto da morte.
Não lhes chamam nada quando vivem nos territórios ocupados pelo reino de Marrocos, ignorados e silenciados pela comunidade internacional, não são noticia quando são sequestrados, torturados, assassinados, são como fantasmas para a comunicação social que os ignora deixando assim Marrocos continuar lentamente o genocídio que iniciou com a invasão em 1975 e os bombardeamentos de fósforo branco e napalm.
Chamam-lhes pateros (pessoas que chegam em pequenos botes à Europa) quando chegam às costas de Lanzarote, fugindo do inferno dos territórios ocupados. Uns chegam vivos outros mortos, há décadas ... mas não há televisões nem rádios, nem jornais presentes. Os corpos que flutuam nas costas das Ilhas Espanholas parecem não ter o mesmo interesse que os outros, crianças, mulheres e homens saharauis não têm audiência nos telejornais.
Chamam-lhes indocumentados, ilegais, emigrantes quando trabalham na Europa. Em Bordéus há um grupo de cerca 300 saharauis a viver debaixo de uma ponte há 3 anos, refugiados, mas ignorados... sempre silenciados.
O inferno destes refugiados que não têm o estatuto de refugiados, que são ignorados há 40 anos não tem fim à vista. A resistência pacífica absolutamente única e exemplar dos saharauis não é noticia.
Muito se debate e fala agora em refugiados, nas causas, nas consequências e possíveis soluções, é com desgosto e nojo que vejo mais uma vez os saharauis ignorados, silenciados transformados nos fantasmas, existem todos os mecanismos necessários para parar o sofrimento deste povo, para evitar esta tragédia, mas o cinismo impera, os interesses geoestratégicos e de alianças sobrepõem-se mais uma vez aos direitos humanos, à dignidade e justiça.
Raabub tinha um ano quando a sua familia fugio para os acampamentos de refugiados em Tindouf, uma menina querida e inteligente saiu dos acampamentos com pouco mais de 13 anos para ir estudar em Cuba. Mais de uma década separada da sua família, num país que a acolheu como uma filha, a ela e a muitos como ela, nunca perdeu a sua identidade saharaui, antes pelo contrário reforçou a sua identidade e a sua ansia de libertar o seu pais, de reaver o direito de pisar as areias da sua terra natal, de abraçar os seus familiares que nunca viu porque vivem na maior prisão a céu aberto do mundo, os território ocupados do Sahara Ocidental.
Veio para Portugal, já médica, mas teve que servir às mesas, limpar casas, tirar bicas num café antes de poder exercer a sua profissão, o acaso e a vida levaram-na para o País Basco onde vive com parte da sua família. Na sua casa, assim como na casa de todos os saharauis, não falta abrigo, nem comida nem carinho para todos os que os visitam, que ficam aí uma noite ou as noites de um, dois ou três meses, saharauis em viagem, nessa longa viagem que parece não ter fim em busca do seu país.
Raabub sorri, tem um dos sorrisos mais lindos que conheço, um sorriso que aquece a alma e repõe a fé na humanidade, uma calma e uma dignidade tão típica dos saharauis e a certeza inabalável que o dia da vitória chegará.
Ali nasceu nos território ocupados, foi marinheiro no tempo da ocupação espanhola, foi enfermeiro na guerra, treinado sob as balas e as bombas, foi fotografo depois do cessar fogo em 1991 e muitas coisas mais. Viveu nos territórios ocupados, nos acampamentos e na Europa.
Filho das Nuvens deambula para ganhar a vida entre os territórios ocupados, os acampamentos de refugiados e a Europa, vive num carro, numa tenda, em casa de amigos, não segue as nuvens, segue as colheitas, buscando trabalho onde pode, numa inquietude constante. É inteligente e ávido de conhecimento, tem a sabedoria de uma pessoa que sofreu e sofre "o que não está escrito", mas não desanima. Depois de um dia duro no campo troca palavras, ideias e sonhos, memórias e esperanças com amigos, sabe o que se passa no mundo, leu poetas e escritores entende a geoestratégia e a política universal, tem ansia de viver e discutir, de aprender e evoluir, sempre com um sorriso e uma voz doce que descreve as estrelas e os lagos, os filhos, a família, pronto a ajudar quem pode.
A sua viagem é uma fuga e uma busca, refugiado? De quem? Quem o refugia?
Mohamed é jovem, ex-preso político, um dos primeiros na resistência pacífica, filho de uma família de resistentes, de activistas, sofreu as torturas, o racismo, o apartheid político, social e económico nos territórios ocupados. Já foi taxista, marinheiro, pescador ... estremece interiormente sempre que vê um carro da policia nas ruas de Espanha onde se encontra agora. Sabe que ninguém lhe faz mal aqui, mas foi um vida de terror e sequestros nos territórios ocupados.
Um jovem que não perde uma oportunidade de estudar, de apreender, um exemplo de vida, honesto e trabalhador, com uma gargalhada refrescante que afasta a tristeza.
Quando fala das novidades que ouve de El Aaiun (capital do Sahara Ocidental) dos sequestros, das prisões dos ataques aos activistas de direitos humanos, termina quase sempre com a frase: sabes , é a ocupação. E está tudo dito, o horror é a ocupação.
Refugiados? Todos eles, mas de quem ? E quem fala deles? Quem esquece e quem silencia?
E tu? Também os esqueces?
Isabel Lourenço
18 de Setembro de 2015