Uma mistura explosiva de direita política raivosa, elite reacionária, imprensa golpista e um governo rendido ao capital especulativo internacional.
Certamente existem muitos problemas no Brasil. Mas, hoje, há dois que poderiam ser considerados os principais. São gravíssimos e imensos. O primeiro é representado pela mistura explosiva de uma direita política raivosa, uma elite reacionária, uma imprensa golpista e uma massa supostamente apolítica. A elite controla a imprensa, a direita controla o parlamento e a imprensa controla a massa. O chamado terceiro turno continua e promete atormentar um governo que recém inicia. A oposição já tentou deslegitimar os resultados das urnas. Depois, fez de tudo para impedir a posse. Agora, quer ganhar no tapetão. O candidato derrotado à vice-Presidência pelo PSDB transpareceu a linha de ação ao expelir que, mais importante do queimpeachment, agora o plano é "sangrar a Dilma".
Os jornalões se atrapalharam feio ao combinar com os policiais a quantidade de presentes nas ruas no dia 15 de março. Ainda assim, foi uma jornada importante. Levar quase duzentas mil pessoas à avenida Paulista tem algum valor. Mesmo que, em sua imensa maioria, se trate de uma elite branca, conservadora, moralista, alienada e noveleira. Foi como um rolezinho de gente diferenciada. Muitas socialites, artistas dereality shows, modelos acompanhantes de luxo, ex-jogadores de futebol, cantoras de músicas de rodeio e descendentes de militares torturadores. Também compareceu o desacreditado ex-cantor Lobão, que havia prometido ir para Miami em caso de nova vitória progressista, em 2014, e ainda não cumpriu.
As gravações dos depoimentos, disponíveis nas redes sociais, demonstram que o mote dos gritos raivosos foi a ameaça comunista, o perigo da revolução, a cubanização e a venezuelanização do Brasil, uma iminente ditadura marxista e o avanço do exército do MST. Sem qualquer vergonha do ridículo, os entrevistados repetiam chavões dignos do período mais assado da Guerra Fria, com meio século de demora. Uma das saídas para o país seria a intervenção militar, bradavam musculosos truculentos, senhoras com uniformes camuflados e moças disfarçadas de Barbie. "Os militares devem assumir o poder até a realização de novas eleições", recomendava uma jovem de 35 anos, estreante em protestos de rua, que se mostrava fascinada por conhecer o metrô. As explanações são dignas de internação por demência ou até de prisão por incitação ao golpe de Estado.
Esta é a nossa elite culta, estudada e viajada, protetora da sua propriedade privada, sedenta da sua democracia e forjadora da sua liberdade. A cada movimento, exala remordimento e intolerância por ter perdido, na última década, uma reduzida parcela de sua condição de VIP. Não admite que negros e brancos ex-pobres estejam viajando de avião. Não entende como que um ser sem pedigree nem sangue azul possa comprar um carro ou um apartamento com financiamentos do Estado. Não aceita que os filhos de empregadas domésticas, agora melhor amparadas pela lei, estejam estudando medicina nas universidades públicas. Não percebe minimamente o lugar do Brasil no mundo e nem a importância da integração da América do Sul. Contraditoriamente, se vestem de verde e amarelo e cantam o hino nacional, demonstrando um falso nacionalismo, como fizeram seus generais Dutra, Médici e Costa e Silva, além de tantos outros subalternos.
A raiva, o rancor e a cegueira impedem que muitos brasileiros vejam as transformações do país nos últimos 12 anos. Há quem fique triste com o progresso dos outros. Não enxergam ou menosprezam a construção de milhões de residências populares, a geração de milhões de empregos com carteira assinada, o acesso de milhões à eletricidade subsidiada, a inauguração e a potencialização de universidades públicas e de qualidade, a expansão do SUS e o lançamento do "Mais Médicos", o aumento do poder de compra do salário mínimo, a ativação do mercado interno e a política externa altiva, entre outras conquistas. Nas passeatas, faixas diziam que "Lula e o PT quebraram o Brasil", sem saber (ou apagando da memória) que, nos anos 1990, o desgoverno de FHC - com o apoio da grande imprensa e de maioria da elite - privatizou o Estado e colocou a economia brasileira de joelhos para o FMI.
As manifestações de 15 de março foram majoritariamente de direita, reacionárias, rancorosas, tristes, conservadoras e racistas. Dizer que o povão insatisfeito estava na rua se trata de um oportunismo deslavado ou de fanatismo anti-Dilma. Além do medo do "comunismo", o escudo para as mobilizações segue sendo a sigla ICIA (a Inflação, a Corrupção, a Insegurança e o Autoritarismo). Este vem sendo o lema usado pela direita golpista no Brasil, na Argentina, na Venezuela e nos países onde a elite atada ao imperialismo decidiu partir para a ofensiva. É como se a corrupção, que deve ser julgada, tivesse surgido agora. Seguindo o mesmo script moralista da UDN, os maiores corruptos estão denunciando a corrupção.
Mas, e as escandalosas privatizações dos anos 1990? E o caso da telefonia e do grampo do BNDES? E os tucanos Sérgio Motta e Mário Covas? E o propinoduto de Serra e Alckmin? E o mensalão mineiro de Aécio, Azeredo e Anastasia? Naquela época a Polícia Federal e o Ministério Público não podiam investigar como hoje. Os presentes na caminhada dominical da Paulista e de Copacabana não querem saber de corrupção. Querem cortar a cabeça de Lula, do PT e do progressismo. Além disso, é como se a inflação de 7% fosse algo totalmente inaceitável. É inaceitável para o sistema financeiro, que exige a elevação dos juros. O povão ainda não foi para a rua. Não foi exatamente porque é uma parcela da elite tupiniquim a que sobredimensiona a sigla ICIA, bandeira internacional de luta contra os governos progressistas.
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Leonardo Wexell Severo