Os filmes argentinos também estão em destaque no Festival de Locarno, mas isso não coloca a questão de se o cinema argentino é superior ao brasileiro ou vice-versa, apenas mostra a diferença de culturas dentro do cinema latinoamericano com destaques diferenciados e sucessivos em cada ano no Festival, destaca o crítico de cinema italiano Carlo Chatrian, no seu segundo ano de direção do Festival Internacional de Cinema de Locarno.
Pergunta - Como se explica a presença marcante, este ano, do cinema brasileiro?
Carlo Chatrian - A seleção do Festival não é feita segundo um critério geográficos mas escolhe-se filmes que nos surpreendem, nos tocam e nos agradam. É o caso do filme de André Mascaro, Ventos de Agosto, na competição internacional, que nos tocou por sua enorme beleza visual e por uma abordagem especial do corpo e os espaços. Trata-se de um pequeno relato, não há um drama, como num ambiente restrito íntimo, ligado à praia. O mar tem uma participação especial como uma barreira. É um filme que nos surpreendeu. O realizador já fez diversos documentários e é a primeira vez que se defrontou com uma ficção.
Temos também na mostra Sinais de Vida, um filme ousado, dentro do espírito de Locarno, dos irmãos Pretti, com experiência na realização de filmes, Punhos Cerrados, um filme alegre e muito humor grotesco, dentro da beleza estética.
No ano passado, tivemos Julio Bressane e este ano, esperamos, serão descoberto, espero.
Pergunta - E, dentro da lusonia, temos o cinema português, também presente...
Carlo Chatrian - Temos na competição internacional o filme Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa, grande cineasta não só português como mundial, e o filme de Edgar Pera, Lisboa Revisitada, que toma como ponto de partida uma frase do poeta Fernando Pessoa, e a linguagem de Pessoa não é só lusófona como plural, pois o filme é falado também em francês e inglês. Eu acho que o cinema português é sempre vivo e rico e tenho o máximo prazer em acolhê-lo.
Pergunta - E a presença dos filmes latinoamericanos confirma ser uma cinematografia forte?
Carlo Chatrian - Não só em Locarno, mas em Cannes, Veneza, Berlim, sem esquecer o Festival de San Sebastian, onde ainda é mais marcante, o cinema latinoamericano está sempre presente e este ano, aqui em Locarno, tem uma presença ainda mais forte e realizada. Mas quero acentuar não se tratar de uma exigência geográfica essa presença, foram os filmes latinoamericanos que se impuseram.
Os filmes de Martin Rejtman, Dos Disparos, e de Matias Pinheiro, La Princesa de Francia, ambos argentinos, são inovadores em matéria de linguagem cinematográfica, algo incrível. O filme do uruguaio Arauco Hernandez, Los Enemigos del Dolor, misturando ficção científica com realismo extremo, é surprendente, e para nós um prazer tê-lo em Locarno pois recebemos pouca coisa desse país. (Nota do redator - este filme é uma co-produção com o Brasil). Ha outro filme argentino, Favula, de Raul Perrone, cineasta conhecido por suas exsperimentações e que neste filme quer reatualizar o cinema mudo.
Pergunta - Podemos falar numa enorme diferença entre os filmes latinoamericanos de idioma espanhol e os filmes brasileiros em português. São muito diferentes ou têm pontos comuns que os aproximam?
Carlo Chatrian - Sim, eles são extremamente diferentes, como o cinema francês é diferente do cinema italiano. O cinema é uma questão de cultura, não apenas de línguas. Cito o filme mexicano deste ano, Navajazo, de Ricardo Silva, e o filme uruguaio já citado - são próximos mas bastante diferentes, mesmo falados no mesmo idioma. O mesmo caso entre filmes argentinos e uruguaios, geograficamente muito próximo mas com culturas diferentes. Mesmo ce maneira inconsciente os filmes refletem a história de cada país, e o tratamento das cores é igualmente diferente. É verdade que a formação internacional dos cineastas e os meios comuns de realização os aproximas. Um cineasta, por exemplo, como o mexicano Carlos Reygadas tem uma relação muito próxima da Europa e seus filmes mostram isso, mas é sempre complicado se fazer generalizações sobre os realizadores.
Pergunta - existem dois brasileiros nos júris de Locarno, como foram escolhidos?
Carlo Chatrian - Helvécio Marins é um amigo do Festival, com filmes já mostrados em Locarno, e colaborou conosco na seleção de curtas-metragens. Gostei muito do seu filme Grimunho, primeiro longa-metragem. Quanto a Alice Braga é uma grande atriz e acho ser uma pessoa que pode representar o Brasil. Este ano o Brasil também está em destaque pela Carta Branca, pela qual diversos filmes em pós-produção serão mostrados para produtores e compradores e Alice Braga traz o filme Latitudes, feito pelo realizador Felipe Braga, que embora com o mesmo sobrenome não é de sua família.
Pergunta - E o Festival de Locarno dá igualmente um destaque para o cinema africano de língua portuguesa, quando têm sido esquecido pelos outros festivais...
Carlo Chatrian - Este ano um destaque é dado aos filmes da África Subsaariana de língua portuguesa e inglesa, uma quinzena de filmes recentes e menos recentes, que para muitos serão uma verdadeira descoberta. Alguns são políticos outros pessoais, mas todos permitem uma visão dos países de onde vêm.
O cinema africano enfrenta sérios problemas para criar novos filmes, problemas de produção, financeiro mas principalmente dificuldade de encontrar uma linguagem própria. Espero que essa mostra paralela africana, não só com o objetivo de mostrar mas de criar condições para se fazer novos filmes, possa dar novo fôlego ao cinema africano.
Rui Martins