Durante o surto de sonambulismo que agitou o Brasil em junho, muitos ficaram espantados com o silêncio das instituições. Alguns espantalhos metediços vieram a público propor pactos inexequíveis e mudanças simbólicas que, atualmente, já estão confortavelmente instaladas no fundo de gavetas empoeiradas. Na surdina, mequetrefes de colarinho branco - os verdadeiros vândalos da República - financiaram grupos violentos, que invadiram manifestações legítimas e expulsaram das ruas o que havia de crédulo democrático.
HELDER CALDEIRA*
Escritor e Jornalista Político
www.heldercaldeira.com.br - helder@heldercaldeira.com.br
*Autor dos livros "ÁGUAS TURVAS" e "A 1ª PRESIDENTA".
Na liturgia brasileira dos feudos e currais, as muitas quadrilhas planaltinas conhecem bem seu gado. O silêncio ante a revolta foi estratégico. Três meses depois - graças ao marketing político que hoje sobrepõe quaisquer vertentes de ética, moral, responsabilidade e idoneidade - tudo volta ao normal no país do carnaval. Em se tratando de Brasil, por "normal" leia-se: a cambada de vagabundos faz o que quer, rouba além do que seja crível e manda tanto quanto permite suas alianças espúrias. Em burlesca democracia, a massa de ignorantes obedece ao chicote, entrega a cabeça à bocarra do leão e ovaciona o circo. Para que os aplausos não pareçam generosidade gratuita, à saída o povo recebe alguns pães bolorentos.
Não por acaso, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional estão comemorando a ordem e o progresso da flâmula. Ordem das coisas como elas sempre foram: tratativas e roubalheiras garantidas e a soberania da impunidade. Progresso visível nas pesquisas eleitoreiras, no aparelhamento do Estado e na corrosão das instituições. Duas recentes pesquisas do Ibope - uma encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e outra pelo jornal O Estado de S.Paulo - corroboram a festa da canalhice.
Na primeira, a avaliação positiva do (des)governo de Dilma Rousseff subiu de 31% para 37% desde o levante varonil de junho. A aprovação da maneira como a "presidenta" governa o país saltou de 45% para 54%. A segunda pesquisa é ainda mais emblemática: a intenção de reeleger a petista voltou a crescer, deixando os 30% de junho para chegar a 38% hoje. Enquanto isso, seus supostos principais adversários minguaram: Marina Silva (talvez Rede) despencou de 22% para 16%; Aécio Neves (PSDB) oscilou de 13% para 11%; e Eduardo Campos (PSB) foi de 5% para 4%.
Enquanto isso, uma terceira pesquisa surge como instrumento esclarecedor para essa volubilidade do eleitorado. No mesmo dia quando pipocaram os supramencionados números, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados oficiais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 2012. No emaranhado de percentuais, salta aos olhos o crescimento do analfabetismo na sociedade brasileira contemporânea. O índice dos que não sabem ler nem escrever ou, quando conseguem, não compreendem a leitura e não tem capacidade de exprimir por escrito o que pensam, cresceu na mesma proporção do número de ministérios inúteis e cargos em comissão para apaniguados no (des)governo petista. É, sem dúvida, esclarecedor.
São apenas mais 300 mil analfabetos na conta. Quem se importa? Você pode reeleger Dilma, conversar com Aécio, fingir que planta árvores com Marina ou ficar hipnotizado pelo olhar esverdeado de Eduardo. Nada disso mudará o saldo. Segundo o IBGE, acima dos 15 anos de idade, já são mais de 65 milhões de analfabetos e semianalfabetos, enquanto apenas 14 milhões conseguiram concluir o ensino superior. Mudar essa matemática sinistra não lhes interessa, afinal, não é preciso saber ler, escrever, compreender, raciocinar, equilibrar ou projetar para que se possa votar.
No cenário eleitoral deste país mazelar, Brasil bom é Brasil ignorante. Uma conclusão dura. Duríssima. É possível que a cegueira ideológica faça alguns encontrarem nesta leitura fria de números tétricos um viés politicamente incorreto a lhes servir de escudo, como bem ensinou Luiz Inácio, aquele ufano que "chegou lá" sem nada saber. A democracia, por conceito e por sua extraordinária existência, aceita carimbos.