Criada em 2006 com o objetivo de aumentar o rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar, a Lei nº 11.340, conhecida como Maria da Penha, tem sido desvirtuada por juízes que se têm deixado levar por argumentos falsos. Assim é que, hoje, qualquer pessoa de má fé pode ir ao Fórum e procurar um juiz para supostamente denunciar um familiar (irmão ou irmã), acusando-o de agredir a mãe. Ou pressionar e constranger a mãe, quase sempre já com sinais de mal de Alzheimer, a fazê-lo. Não é preciso enumerar os problemas que isso acarreta ao relacionamento familiar.
Adelto Gonçalves (*)
Afinal, o que tem ocorrido é que alguns juízes, sem levar em conta se as acusações são verdadeiras ou falsas nem ouvir a outra parte, o que primeiro fazem é, com base na Lei Maria da Penha, expedir mandado de proibição de condutas, proibindo que o suposto agressor ou agressora se aproxime da ofendida, fixando o limite físico de cem metros. Como o não acatamento da ordem implica em crime de desobediência, podendo até ensejar decretação de prisão preventiva, o acusado(a) fica impossibilitado(a) de se aproximar da mãe, para ajudá-la na idade avançada, até que o processo se desenrole e fiquem, efetivamente, comprovadas a má fé, as injúrias e as aleivosias feitas pelo acusador(a). Ou seja, o infeliz que sofre esse tipo de acusação acaba sendo punido antecipadamente, sem que tenha tido o direito de se defender.
Não se contesta aqui as virtudes de uma lei, que, em sete anos, tem resultado em mais de cem mil processos, milhares de prisões em flagrante e prisões preventivas de agressores, contribuindo para a redução da violência doméstica. O que se ressalta é que essa lei, mal aplicada, pode se transformar em apenas mais um recurso jurídico para servir como munição nas desavenças entre familiares, já que permite que um lado, munido de acusações infundadas ou fantasiosas, sem provas, possa recorrer ao juiz para que o outro lado fique impossibilitado de se aproximar da suposta agredida.
Sem maiores embasamentos jurídicos, os juízes, que têm recorrido a esse recurso previsto na lei, alegam que, "na dúvida", procuram proteger a vítima, sem levar em conta que o agressor pode ser, na verdade, aquele que acusa (ou que pressiona por trás a suposta agredida) e que apenas teve a esperteza de recorrer primeiro à Justiça.
Também não se pode esquecer que a Lei Maria da Penha tem sido desvirtuada em outros casos, tendo sido utilizada por advogados que têm procurado justificar crimes cometidos por mulheres contra seus maridos, sob a alegação de que se defendiam de maus tratos. Como os mortos não têm como se defender, restam apenas as palavras das mulheres e eventuais testemunhas.
Ora, nada disso invalida a boa intenção dos legisladores em favor das mulheres vítimas de maridos e companheiros agressores e que precisam de ajuda da lei. Mas a lei não pode servir para outros fins. No caso de pessoas com idade avançada, há o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03).
Se continuar a ser usada indiscriminadamente, a Lei Maria da Penha, que já foi apontada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher como uma das três leis mais avançadas do mundo, pode se transformar em mais uma lei desacreditada deste País. É preciso que os legisladores se preocupem com o desvirtuamento do objetivo principal da Lei Maria da Penha, que é o de coibir e punir a violência do marido contra a mulher.
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(*) Adelto Gonçalves, jornalista e escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras, 2012), entre outros.