Escrito por Mário Maestri
Por além das avaliações triunfalistas ─ burocráticas, oportunistas ou piedosas ─, a greve de 11 de julho foi estrondoso fracasso que superou as expectativas mais pessimistas. Mobilização de ares governistas, sem os entraves de praxe, caracterizou-se pela ausência quase total dos trabalhadores sindicalizados, na paralisação do trabalho e nas desmilinguidas manifestações. Entretanto, esperava-se que os trabalhadores fossem os protagonistas do evento.
É certo que se tratava de greve de mentirinha, chamada pela burocracia cutista, humilhada no âmago da empáfia funcional pelas estrondosas mobilizações de junho, que conseguiram, em dias, fazer o poder balançar, o que a CUT não faz, há anos! Greve marcada para quando aquelas mobilizações refluíam, para exibir sem contraponto a força operária que a burocracia cutista diz representar. Proposta abraçada pelas demais centrais, muitas de faz-de-conta, pelo MST, pela UNE e pelo próprio PT.
Sobretudo, esperava-se demonstração de força que não revivesse o fôlego das mobilizações populares, armando-as de direção operária e de pauta de exigências ambiciosa e exequível. Por precaução, propôs-se, não uma Greve Geral, mas um Dia Nacional de Luta, decretado desde arriba, sem consulta e mobilização dos de abajo.
Ajudando a Presidenta
Havia que dar uma mãozinha à senhora presidenta, enquadrando os descontentes sob as bandeiras da colaboração. Mesmo tendo ela sido somítica na concessão das exigências operárias, seguiu enviando os dinheiros arrancados aos trabalhadores às multidões de sindicalistas apelegados. E jamais fechou a porta aos que se esforçam para obter o status de central sindical para cair na festança.
A escassa adesão certamente surpreendeu a própria burocracia das centrais. A incapacidade de mobilizar o que pretendem ser suas bases depauperou um já questionado poder de representação. Através do Brasil, ali onde foi seguida, como em Porto Alegre, devido à falta de transporte público, a greve foi vivida como um feriado. Os centros urbanos esvaziaram-se e os bares das periferias encheram-se. Nas mobilizações participou a vanguarda de esquerda e jamais os núcleos centrais dos trabalhadores.
Centrais pagaram sem pruridos jetons para que manifestantes de aluguel agitassem suas bandeiras, faixas e balões em colunas desminliguidas que percorreram acabrunhadas ruas ainda habitadas pelas sombras transbordantes de centenas de milhares de populares indignados. Foi dito que não se devia comparar as mobilizações de junho com a greve geral do dia 11. Em verdade, essa última deveria ter superado as anteriores!
Um Fiasco Histórico
O fracasso foi histórico. Em lugar algum, a greve geral parou as grandes fábricas, arrastando os trabalhadores às ruas. O ABC e outros centros industriais do Brasil seguiram como se fosse um dia qualquer. Os metroviários de São Paulo, em teoria dirigidos por sindicalistas da Conlutas-PSTU, sequer interromperam simbolicamente o transporte de passageiros. Por que? Ninguém disse.
Um fato paradoxal. As mobilizações do dia 11 não foram abraçadas pelos populares que manifestaram em junho. A classe trabalhadora faltou à festa desertada igualmente pelas multidões de populares que registraram a sua indignação no mês anterior. Se as burocracias sindicais pretendiam isolar a demonstração de tudo o que ocorrera antes, foram estrondosamente vitoriosas!
Impõe-se reflexão sobre tamanha defecção de trabalhadores e populares em 11 de julho. Sobretudo porque não foi, jamais, como proposto, derrota restrita à burocracia sindical. Ao contrário, tratou-se de fiasco do projeto de constituição dos trabalhadores brasileiros como segmento social centralizador das lutas sociais e políticas. No dia 11, vivemos uma derrota do mundo do trabalho. E das grandes!
Uma Classe Poderosa
O fracasso do dia 11 não se deveu ao depauperamento físico dos trabalhadores, engolidos pela sociedade pós-industrial. Na década passada, trabalhadores e assalariados expandiram-se no Brasil, consolidando-se ainda que relativamente nos últimos anos suas capacidades de barganha. Em 2011, as greves superaram as dos anos anteriores e, em 2012, em verdadeiro salto, ocorreram quase novecentas paralisações, com destaque para a indústria privada.
Em geral, essas lutas foram breves, isoladas, por salário e, não raro, deram-se à margem dos sindicatos e centrais e, em alguns casos, traídas por eles e por elas ─ General Motors (GM), de São José dos Campos; Metroviários de São Paulo etc. E o governo de Dilma Rousseff tudo fez para deprimir as mobilizações sindicais públicas e privadas e negou-se a satisfazer suas reivindicações, quando lhe diziam respeito.
Possivelmente, a pauta avançada pela burocracia sindical foi compreendida pelos trabalhadores e pela população como exercício retórico. As propostas sobre as quarenta horas, o fator previdenciário, a terceirização, a interrupção dos leilões do petróleo, a reforma agrária etc. são levantadas pela CUT há doze anos e rejeitadas, também educadamente, pelos governos petistas.
Partido e Governo dos Patrões
Os governos petistas não concederam sequer uma reivindicação histórica dos trabalhadores e liquidaram com importantes conquistas sociais ─ pensões públicas; privatização do petróleo, dos portos, dos aeroportos, das estradas etc. ─, enquanto satisfez e satisfaz, por além da imaginação, os grandes interesses nacionais e internacionais. Depois de dez anos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, uma família recebendo salário mínimo deve recorrer às bolsas misérias, para sobreviver!
A CUT e as centrais aderentes não levantaram pauta de reivindicações dos trabalhadores para o país, capaz de apontar para unificação nacional de suas lutas com as da população, em um novo projeto de governo ─ anulação das privatizações; nacionalização do petróleo; estabilidade no trabalho; respeito ao direito de greve; Assembleia Nacional Constituinte, livre e democrática etc. Era como se, após todo mundo, os trabalhadores, no final da fila, agitassem bandeirinha com alguns pedidos, para dizer que estavam ali!
Consciente e inconscientemente, as centrais sindicais fizeram tudo para desmobilizar os trabalhadores. Mas a grande pergunta que se impõe é: ─ se a burocracia sindical tivesse ido à luta, violentando sua natureza social, a greve do dia 11 teria sido qualitativamente diversa? Temos que superar o mito esquerdista de uma classe trabalhadora brasileira sempre pronta para lutas nacionais, imobilizadas por falta de convocação de confiança em suas direções pelegas.
Reconstruir Politicamente os Trabalhadores
No dia 11, a classe trabalhadora, como grupo social singular e unitário, nas suas diversidades, não respondeu apenas à CUT, como a todas as outras centrais sindicais, mesmo àquelas que se autoproclamam revolucionárias. Não respondeu por não subsistir subjetivamente como tal. Ou, dito em forma clássica, por não se constituir, plenamente, nacional, regional e mesmo localmente, como classe para si, fora alguns núcleos excepcionais.
Há muito foi superado o contexto singular conhecido pela classe trabalhadora com ápice no ano de 1979, que resultou na construção da CUT, do PT e do MST anti-capitalistas. Vivemos hoje as duras sequelas da ainda não superada derrota histórica objetiva e subjetiva do mundo do trabalho diante da contrarrevolução, de uma década mais tarde. Do longo refluxo das lutas sociais e da desorganização de redutos operários centrais, nos anos 1980 e 1990. Da social-liberalização do PT, do PC do B, da CUT e de outras organizações sociais. Das multidões de sindicalistas, de líderes sociais, de políticos de esquerda, de intelectuais etc. engolidos pela adesão ao Estado ou simplesmente pelo desânimo.
A atual classe trabalhadora brasileira possui escassa experiência sindical real, sobretudo que ultrapasse seu local de trabalho. Conhece apenas o sindicalismo superestrutural, colaboracionista e corporativista das burocracias de todas as pelagens, sem raízes reais nos locais de trabalho. Burocracias que não são vistas como efetivas direções sociais e políticas. Amplos segmentos de trabalhadores jovens acreditam em promoção através da mobilidade individual no emprego. Não raro, consideram sua participação na classe trabalhadora como transitória.
O fracasso da saída dos trabalhadores na arena política e social terá indiscutíveis repercussões no mundo político e social. Ele enfraquece o PT, o governo de Dilma Rousseff, a representação já simbólica da CUT e das demais centrais. Debilita, sobretudo, o mundo do trabalho como centralidade política e social. Em sentido contrário, fortalece as articulações políticas conservadoras, sobretudo propondo a superação da política tradicional e das ideologias. Saem fortalecidos representantes do grande capital como Marina Silva e sua Rede; as bancadas evangélicas e seu conservadorismo de massa etc.
Mário Maestri é historiador e professor do PPGH da UPF. E-mail. maestri@via-rs.net
Mário Maestri
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