Fernando Soares Campos
O professor, jornalista, advogado e político San Tiago Dantas, falecido em setembro de 1964, teria dito:
"A Índia tem uma grande elite e um povo de bosta, o Brasil tem um grande povo e uma elite de bosta".
Com a própria frase, o ilustre professor, de certa forma, autoafirmou-se, pois somente um elemento vaidosamente elitizado poderia chamar qualquer povo de "bosta". Ainda mais naquela época, em que as elites subservientes faziam (e ainda tentam fazer) o próprio povo brasileiro acreditar que somos uma nação de cães lambedores dos restos de banquetes dos colonizadores, estes espécies de bwana, como os africanos chamavam os expedicionários do Império Britânico que "safariavam" e faziam outras safadezas no Continente Mãe.
Acontece que o termo "bwana", aportuguesado para "buana", significa "composto de resíduos animais", eufemismo de "carniça", ou, derivação por metonímia, "bosta".
- Pode deixar que a gente toma conta de sua mulher, seu bwana!
O professor San Tiago, como tanta gente hoje em dia, criou frase de efeito nocivo jogando pra galera. Apesar de ter sido um político aparentemente bem intencionado, arrependido de ter participado ativamente da Ação Integralista Brasileira, de orientação fascista, podemos dizer que bem-intencionado é o cara que deve ser perdoado, mesmo tendo agido exatamente como agiria o mal-intencionado. Por isso o Céu está cheio de São Tiagos.
Dilma, Lula e o fogo-ambíguo
Em 2009, escrevi artigo intitulado "Lula, o espetacular engolidor de sapo!", publicado em diversos blogs, sites e portais internet adentro, inclusive no "Moçambique para todos" (é só clicar aí, acessar diretamente a postagem e depois navegar pelo macua.blog}.
No artigo, comentei sobre mensagem que recebi tratando do prêmio "Estadista do Ano", recebido pelo presidente Lula, concedido por Chatham House (Instituto Real de Assuntos Internacionais).
Hoje atualizo o meu texto, intitulando-o...
Lula e Dilma - os espetaculares engolidores de sapo
"Procuro dar meu recado através do humor. Humor pelo humor é sofisticação, é frescura. E nessa eu não tou. Meu negócio é pé na cara. E levo o humorismo a sério. " ( Henfil )
O inimigo do meu inimigo não é necessariamente meu amigo; assim como o amigo do meu inimigo pode não ser meu inimigo. Também, nada impede que o inimigo do meu amigo possa ser um dos meus melhores amigos. Entretanto o pseudoinimigo do meu inimigo é, invariavelmente, muito mais hostil aos meus propósitos e pode me causar muito mais prejuízos que o meu próprio inimigo declarado.
Não sei exatamente em que proposição, entre as relacionadas acima, se enquadra o João Miramar, editor-redator-chefe de Brasilianas [não confundir com Brasilianas.Org], título que dá aos textos que ele produz e distribui por e-mail, com o propósito de combater a "ditadura lulodilmista". Arrisco classificá-lo como "pseudoinimigo do meu inimigo", pois o João Miramar às vezes critica meus inimigos (inimigos do povo), mas observo que o faz na condição de revisor de texto, tentando aparar arestas de prismáticas e difusas argumentações das elites pensativas.
Já me disseram que o Miramar é um oportunista, não apenas um indivíduo que tira vantagens pessoais de certas situações, mas especialmente por ser elemento a serviço do Grupo Opportunity, do famigerado banqueiro Daniel Dantas. Porém, sobre isso, não tenho informações concretas. Sei apenas que posso compará-lo a um microrganismo oportunista, capaz de infectar o hospedeiro quando as resistências deste estiverem bastante debilitadas pelas suas insistentes investidas. Ou seja: se o indivíduo não tiver uma base imunológica fortalecida pelas verdades dos fatos, as Brasilianas do Miramar miram bem no núcleo das células cancerosas, associam-se a estas e provocam metástase.
Tempos atrás eu recebia os textos Brasilianas mirabolantes. Ia à forra enviando ao Miramar o que publicamos aqui na nossa Agência Assaz Atroz. Sempre ficamos no zero a zero, com alguns bate-bocas inócuos à beira do teclado. Mas nunca passou disso.
Certa ocasião, finalmente, recebi um texto do João Miramar cujos argumentos se alinhavam com aquilo que imaginei em relação ao tal prêmio de "Estadista do Ano" concedido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Vi pela televisão as imagens da cerimônia, Lula discursando, entendi que o nosso presidente não estava à vontade, até os ares de descontração pareciam forçados. Pensei: Lula é versado na arte de engolir sapo - pressuposto indispensável para o exercício de relações diplomáticas.
Ao descreverem as personalidades que concorreram com Lula, não tive dúvida: "Isso não é prêmio! É afronta!".
Enfim, não foi a tal "honraria" que determinou que Lula estava sendo consagrado o "Estadista do Ano", mas o fato de aceitar aquele trambolho revelava que ele era, na verdade, o "Estadista do Século".
Alguém aí acredita que existam imperialistas e colonialistas honestos? Não, essa gente, além da fleugma glacial, é de uma sutileza que extrapola as enganações convencionais.
Aquele "prêmio" estava mais para Cavalo de Tróia que para a cobiçada coroa de Laurus nobilis que enfeitavam as cabeças de atletas e guerreiros dos impérios Grego e Romano.
Lula pode negar de pés juntos, mas dava pra notar que ele aceitou a premiação apenas para não fazer desfeita. Perfeita postura de um estadista.
"Reconciliar-se com o inimigo não quer dizer anuir aos seus propósitos, mas apenas mantê-lo incapacitado, ou ao menos inibido, de nos prejudicar. Acho que é isso que fazem os governantes progressistas, reformadores e até os revolucionários." ["Quem são nossos verdadeiros inimigos?" - Irã News]
Certamente João Miramar e toda a ultradireita brasileira jamais argumentarão sob esse aspecto, o de que Lula é realmente um estadista porque conhece a arte de engolir sapo. Que não deve ser confundida com subserviência, mas sim com a inteligente capacidade de lidar com os sentimentos e emoções conflitantes entre si.
Eu escreveria sobre o prêmio basicamente nos mesmos termos que o Miramar escreveu, mas sem empregar expressões tais como "países deploráveis em comparação ao Brasil". Deplorável é o preconceito dele, ou do autor do texto (acho que ele estava repassando o petardo). No meu conceito, não existe "país deplorável", mas governos abomináveis, como, por exemplo, os que se arvoram a donos do mundo. Este é um dos motivos pelos quais eu não assinaria o texto que o Miramar me enviou. O outro diz respeito às razões que nos levam a criticar o prêmio, elas são distintas e antagônicas.
Depois da minha resposta, ele finalmente me retirou de sua lista de correspondentes.
Aí está o texto que o João Miramar me enviou há alguns anos.
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"Em homenagem à sua sanidade e honestidade intelectual, reconhecendo que pode ser mentira, pode ser verdade... e... para contribuir com temas de tamanha relevância e pureza de alma - aliás, essenciais para a correção de rumos da pátria potência que nos embala, enviamos a seguinte notícia. Claro, o senhor e todo o oficialismo naturalmente nem tomaram conhecimento, mas já que se trata de relevância, entendemos que sim... lá vai..."
JM
LULA VENCE LIBÉRIA E ARÁBIA SAUDITA E SE TORNA "ESTADISTA DO ANO"
Deu n'O Globo, em reportagem de hoje: Lula recebe prêmio de "Estadista do Ano" na Inglaterra. Bom, né? Aliás, poxa vida, é ótimo. Ah, não sejamos modestos, é magnificamente excelente!
Quando Obama fez aquela brincadeira de "o cara", muitos foram contra, dizendo que não era bem assim. Achei errado porque REALMENTE ele falou - independentemente do significado ou isso e aquilo.
Mas agora, quanto ao prêmio, sejamos honestos. Vale a pena saber que raio de coisa é essa. Vamos por partes (trechos da reportagem):
"O prêmio anual foi concedido pela prestigiosa instituição Chatham House (Instituto Real de Assuntos Internacionais), para a qual o presidente brasileiro é "um dos principais facilitadores da estabilidade e da integração na América Latina". Lula concorreu ao prêmio ao lado do ministro saudita de Relações Exteriores, príncipe Saud Al-Faisal bin Abdulaziz al-Saud, e da presidente da Libéria, Elle Johsnson-Sirleaf." (grifos nossos)
Notem a lista tríplice de "estadistas" e países da qual Lula e o Brasil fazem parte. Além de nós, havia ARÁBIA SAUDITA e LIBÉRIA, duas ditaduras dessas que pegam pessoas no meio da rua, por qualquer motivo torpe, e os matam a pedradas. Só não espero que tenha sido uma votação muito difícil.
Bom, podem dizer que foi um lapso apenas deste ano, não é mesmo? A tal "prestigiosa" instituição teve um surto meio maluco. Vamos a outros vencedores:
"Nos anos anteriores, o prêmio foi concedido ao presidente de Gana, John Kufuor, em 2008, a Sheikha Mozah, uma das três primeiras-damas do Catar, em 2007, e ao ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano, em 2006." (grifos nossos)
Percebam, portanto, que a idéia não é premiar "estadistas" ou países proeminentes, mas talvez distribuir medalhinhas utilizando critérios pra lá de heterodoxos. Aliás, Lula está no poder desde 2003, e tomou surra de Gana, Catar e Moçambique nos três últimos anos (obviamente, uma galhofa, pois são três países deploráveis [grifo AA] em comparação ao Brasil).
Vamos ao futebol, um clássico das analogias quando se trata do "estadista" ora premiado. Suponhamos um campeonato "mundial" com Palau, Vaticano, Formosa e Argentina. Nossos hermanos ganham e dizem: SOMOS CAMPEÕES DO MUNDO. Isso seria admissível? É mais ou menos por aí.
E, na comparação futebolística, coloquei países talvez melhores no esporte bretão que nossos concorrentes, da lista tríplice, quanto a qualquer critério correspondente à atuação dos Chefes de Estado. Arábia Saudita e Libéria? Países que espancam mulheres por andar na rua sem companhia? Chega a ser vergonhoso participar da cerimônia, sejamos honestos.
Atualização: O PRÊMIO É PATROCINADO POR, ENTRE OUTROS, BANCO DO BRASIL, BNDES E PETROBRAS. [Nota AA: Que também patrocinam uns poucos jornalistas da chamada blogosfera progressista, a trincheira de Lula, Dilma e de milhões de brasileiros excluídos dos meios de comunicação de massa, ficando apenas como passivas vítimas destes.]
Agora o foguetório-ambíguo se volta para Dilma. Fuçam sua agenda, sacam cinco ou seis audiências dela em um mês, com o propósito de apontar que Dilma está alinhada com as elites político-econômicas e abandonando os excluídos da sorte ao Deus dará.