VITORIA/BRASIL - A diretora da ONG internacional Human Rights Watch para o Brasil, Maria Laura Canineu, elogiou a iniciativa do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Sudeste do Brasil, em criar a Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura. "O exemplo do Judiciário capixaba tem que ser espalhado para todo o Brasil", afirmou Maria Laura Canineu. Em todo o território brasileiro, apenas o Tribunal de Justiça do Espírito Santo tem Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura.
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
PRAVDA.RU
A diretora da Human Rights Watch para o Brasil reconhece que o Brasil é conservador para tratar de crimes de tortura, tanto no Executivo e Legislativo quanto no Judiciário. "Destaco os avanços que o Estado do Espírito Santo alcançou nos últimos anos e esses avanços devem ser disseminados para o Brasil inteiro", disse Maria Laura Canineu, que também elogiou a Presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo por dar transparência em seu portal na Internet aos casos de tortura, contando, inclusive, com um link para a população fazer denúncias e acompanhar a tramitação da ocorrência.
"Não é comum o site de um Poder Judiciário relatar, com textos e fotos, denúncias de tortura. As divulgações feitas no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo têm que mexer com a sociedade, para refletir e reagir contra as atitudes de quem ainda pratica tortura. Fico muito feliz que o Judiciário do Espírito Santo tenha se antecipado aos problemas, porque o governo federal já tem projeto destinado a combater a tortura no País. Parabenizo a Comissão de Tortura pelo trabalho que vem realizando", enfatizou a dirigente da Human Rights Watch.
Para Maria Laura Canineu, a questão da tortura no Espírito Santo continua, mesmo depois de o governo do Estado ter feito melhorias nas unidades prisionais. "Identificamos que, embora avanços tenham sido tomados pelo Espírito Santo, a prática de tortura continua. Reconheço que as estruturas físicas e arquitetônicas me parecem adequadas, mas não significam que a prática dos agentes penitenciários seja condizente com os direitos dos internos", afirmou a diretora da Human Rights Watch para o Brasil.
Maria Laura Canineu informou que a ONG Human Rights Watch conta com 400 funcionários em sua estrutura de pessoal e atua em 90 países do mundo.
A Human Rights Watch vai acompanhar os casos de tortura e maus-tratos praticados no sistema prisional e nas unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei no Espírito Santo.
A informação foi dada por outra diretora da Human Rights Watch no Brasil, Stephane Morin, que esteve em Vitória junto com Maria Laura Canineu, e participou de reunião com a Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura, no gabinete do presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
Stephane Morin e Maria Laura Canineu levaram para os Estados Unidos todas as 356 denúncias recebidas em 2012 pela Comissão de Tortura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, para serem analisadas por pesquisadores e técnicos da Human Rights Watch.
Stephanie Morin disse que como pesquisadora da Human Rights Watch, atua há dois anos no Brasil, na área de segurança pública. Atualmente, pesquisa a ação das polícias nos estados do Rio de Janeiro e em São Paulo, "sobretudo no que diz respeito às ocorrências de auto de resistência, que, em muitos casos, são forjadas". No México, pesquisou os chamados desaparecimentos forçados, principalmente no interior do país, onde a força dos narcotraficantes é muito grande.
Sobre a Comissão de Tortura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Stephanie Morin disse que o Poder Judiciário do Espírito Santo está fazendo um trabalho muito importante, tanto no monitoramento dos casos quanto na adoção de providências, como a garantia do encaminhamento das provas colhidas para o Ministério Público e outros órgãos responsáveis pela apuração.
"Mesmo com toda a ação da Justiça, porém, a situação continua grave. Há gravíssimas denúncias de desrespeito aos direitos dos internos e de seus familiares, como o uso indevido de gás de pimenta, comida inadequada servida nos presídios. Nessa seara, é imprescindível o trabalho da Comissão de Tortura do Tribunal; assim como é imprescindível que a sociedade esteja atenta", disse a dirigente da Human Rights Watch.
Sobre o papel da Human Rights Watch diante de denúncias de desrespeito aos direitos humanos, Stephanie Morin disse que é o de monitorar e acompanhar não só denúncias de tortura física e psicológica, mas qualquer outro tipo de violação. "Já verificamos que no Brasil há sempre o uso excessivo da força letal. No Espírito Santo, estamos recebendo denúncias de tortura em presídios e em unidades para adolescentes em conflito com a lei. Quando tomamos conhecimentos, cobramos investigação por parte dos governos para impedir que os casos continuem", afirmou.
Sobre a atuação do grupo no Espírito Santo, Stephanie Morin afirmou que a Human Rights Watch vai continuar em contato permanente com a Comissão de Tortura do Tribunal de Justiça. "Iremos sistematizar as denúncias de tortura e maus-tratos verificados em 2012 para pensarmos numa ação mais relevante para mudar o quadro geral. Vamos levar as 356 denúncias recebidas pelo Judiciário do Espírito Santo para serem analisadas no escritório central da Human Rights Watch".
Stephanie Morin disse que este é o número de procedimentos que nos foi passado pelo Tribunal, mas acredita que o total de denúncias não condiz com a realidade. "Acredito que seja bem maior, porque muitas pessoas têm medo de fazer denúncia", afirmou.
Questionado sobre a que se deveu a iniciativa que teve de criar, na sua gestão na Presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, disse que é hora de se buscar mudar uma cultura segundo a qual tudo é admissível contra certo tipo de gente. É hora de colocarmos às claras a prática vergonhosa, covarde e burra da tortura.
Vergonhosa, porque nos expõe negativamente. Covarde, porque praticada somente contra miseráveis. E burra, dado que só piora a condição conforme a qual os presos serão devolvidos, mais dia menos dia, ao convívio da sociedade.
O desembargador Pedro Valls Feu Rosa disse, também, que os elogios recebidos da Human Rights Watch, uma respeitada e honrada instituição internacional de diretos humanos, são um estímulo e um alento. Redobra as energias na busca de uma sociedade livre de tortura.
O presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo disse, finalmente, ser chegado o momento de rediscutirmos, de forma ampla, a questão penitenciária. Pelo mundo afora os índices de reincidência chegam a 70%, e no Brasil a 80%. Ou seja, estamos "enxugando gelo". Até quando a humanidade deixará de admitir que a ideia das prisões modernas deu errado, e partir para a elaboração de um novo modelo? É este o debate que se impõe, um debate sereno e equilibrado, distante das paixões e principalmente da hipocrisia.
ANTONIO CARLOS LACERDA é correspondente internacional do PRAVDA.RU