Santo Amaro sepulta e chora Dona Canô ao sol do meio dia

Carlos Alberto Santana

Fotos Valter Xéu

A terra mais do que amada de Santo Amaro da Purificação abraçou o corpo de Claudionor Vianna Telles Veloso sob o sol escaldante do meio dia desta quinta-feira, 26 de dezembro. Mãe de Caetano Veloso e Maria Bethania, os dois mais famosos rebentos da sua prole, Dona Canô, como passou para a eternidade por conta da dificuldade de um colega de escola em pronunciar o seu nome na distante juventude, morreu em plena manhã de Natal e em casa, junto à família. "Ela escolheu bem o momento. Foi bem do jeito dela" disse uma popular que tentava se esconder do sol forte enquanto esperava o término da missa de corpo presente, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Purificação.

Jorge Portugal: legado de respeito

O corpo da matriarca dos Veloso foi velado no Memorial Caetano Veloso de onde saiu às 9 da manhã para a Igreja da Purificação onde foi encomendado. Fora da Igreja onde era rezada a missa, artistas, jornalistas, 

e amigos da família faziam comentários sobre a vida da mulher pequena e determinada que ultrapassou em meia década a marca dos cem anos e deixou um "verdadeiro legado de respeito pelo outro" - nas palavras do professor, compositor e poeta santamarense Jorge Portugal, seu compadre. "A gente perde uma pessoa, mas ganha esse legado de respeito ao outro. Isto é o que me ficou desses mais de quarenta anos de convivência com essa universidade chamada Dona Canô" balbuciou um abatidíssimo Portugal, cuja casa em Santo Amaro é praticamente em frente ao número 179 da Avenida Vieira Bandeira onde a sua comadre viveu 105 anos.

Margareth Menezes: silêncio e lágrimas

 

As virtudes de Dona Canô, o seu amor por Santo Amaro e pelos seus conterrâneos foram a tônica em todos os comentários daqueles que enfrentaram um calor acima dos 30 graus para dar o último adeus ou acompanhar o cortejo fúnebre até o pequeno cemitério situado no final de "uma ladeirazinha meio ingrata" segundo um motorista de táxi  santamarense - mas que trabalha em Salvador - e que aguardava o cortejo à sombra de uma árvore em frente ao prédio que abriga a "Imprensa Oficial". Um ato de amor por ela. Explicava ele, que preferiu ficar anônimo.

 

Missa de corpo presente

 

A missa de despedida a Dona Canô terminou às 10h04 da manhã e, duas horas depois, seu corpo baixava à sepultura. Ausências ilustres foram notadas e criticadas. Veladamente, na maioria dos casos. No caso inverso, algumas presenças foram também notadas e comentadas como a do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que esteve no velório ainda na quarta-feira e retornou ao Recife na madrugada desta quinta e  a do prefeito eleito de Salvador, ACM Neto e seu pai, o ex-senador ACM Júnior.

 

ACM Neto "era amizade de 5 décadas!"

 

Neto, que já havia expressado suas condolências através das redes sociais desde a primeira notícia dando conta do falecimento, confirmou os laços entre a matriarca santamarense e a sua família afirmando que essa amizade era fruto de uma relação de mais de 5 décadas. "A Bahia toda deve lhe render homenagens. Dona Canô não era apenas de Santo Amaro, era uma mulher da Bahia" afirmou o prefeito diplomado de Salvador, secundado pelo pai que ressaltou a "amizade concreta, despretensiosa e profunda" entre dona Canô e o patriarca dos ACMs, o Cabeça Branca.

 

 

 

Reações

Roberto Mendes "uma porrada forte demais!"

 

"Essa foi uma porrada forte demais que Santo Amaro tomou!" a frase, carregada no linguajar do Recôncavo foi dita entredentes pelo cantor, compositor e mais radical santamarense conhecido: Roberto Mendes. Só, postado do lado direito do final das escadarias da Igreja de Nossa Senhora da Purificação, o cantor e compositor repetia a intervalos, a variação desse sentimento: "Santo Amaro perde um marco de 105 anos, é uma porrada enorme, imensa".

 

Pellegrino e Filhos de Ghandi: presença discreta e toque de clarins

 

Nelson Pellegrino, ex-candidato à prefeitura de Salvador, quase passa despercebido na multidão que acompanhava o cortejo ao cemitério. "A cidade, o povo de Santo Amaro perde sua grande embaixadora" disse o petista.

 

Se o respeito e a admiração por Dona Canô foram a unanimidade, a distância imposta pelo resto dos Veloso à população também fez surgirem reações da multidão que se manteve a distância da Igreja e, somente se fez presente quando o caixão seguiu para o seu destino final. "Enquanto ela (Dona Canô) era assim, um doce, os filhos, ó..." reclamou a doméstica Regilda Santos, ela mesma afastada das proximidades do altar e do clã Veloso no interior da Igreja. Ao lado de Regilda, na calçada da Igreja o radialista comunitário Zé Bastos acrescentou: "pelos filhos, ninguém nem encostava."

 

Cortejo para em frente à casa 179: adeus

 

Não foram os únicos. Pelo menos é o que mostrava a distância que centenas e centenas de pessoas mantiveram dos filhos famosos de Dona Canô. "As pessoas, nós, estamos tristes por ela. Por ela!" frisou o dono de um mercadinho na mesma avenida por onde passaria o cortejo e por onde Dona Canô deve ter passado milhões de vezes, ao sintetizar o pensamento corrente mesmo que guardado a sete chaves em respeito à miúda e grandiosa figura que preferiu retornar ao lugar amado para morrer suavemente entre os seus.

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey