HELDER CALDEIRA*
Mais um processo eleitoral está em curso e, novamente, a ordem dos caciques políticos é uma só: evitar temas polêmicos. O imperativo é a hipocrisia. Esta talvez seja a única e maior nota consonante a servir de exemplo às causas apartidárias. Em uníssono, os pleiteantes majoritários estão convictos: o povão prefere uma mentira descarada a uma realidade difícil, mas necessária. E, assim, vamos aniquilando a possibilidade de discutir temas de relevância nacional e encontrar soluções prementes para questões seculares da sociedade brasileira.
Protagonista na lista das hipocrisias imperativas está a legalização dos jogos no Brasil. O tema é pauta diária nacional desde fevereiro, quando eclodiu o escândalo envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seus vastos tentáculos na política, nos órgãos públicos e na iniciativa privada. Os métodos do contraventor goiano são exemplos clássicos das consequências primárias do tratamento propositalmente equivocado que é dado ao setor pelas autoridades do país.
A realidade nua e crua é: Carlinhos Cachoeira, assim como 99% dos contraventores brasileiros, deseja a manutenção da ilegalidade dos jogos para que possa seguir alimentando os infindáveis vertedouros de corrupção. São eles que beneficiam diretamente a malha bandida instalada no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Na teia dos ilegais, escoam bilhões de reais em propinodutos que bancam, a peso de ouro, seus títeres institucionais.
Ainda mais alarmante é a constatação de que criminosos da envergadura do bicheiro de Goiás e seus congêneres espalhados por todo Brasil, são notórios patrocinadores dos grandes veículos de imprensa do país. Vide o carnaval do Rio de Janeiro e de São Paulo. O maior espetáculo a céu aberto do planeta, além de receber maciços subsídios governamentais, ganha patrocínios milionários de grandes marcas do mercado e fatura alto com a venda da exclusividade na cobertura da festa. Não seria essa uma forma supostamente legal de lavagem de dinheiro sujo, já que, por óbvio e notório, a ampla maioria das escolas de samba tem como patrono os contraventores mais temidos dessas cidades?
Não por acaso, como parte desse esquema mafioso, conceituadas emissoras de televisão e rádio e os jornais e portais de notícias mais lidos do Brasil se esmeram ao longo do ano para produzir matérias jornalísticas demonizando os bingos, os cassinos, o jogo do bicho e toda seara da jogatina. A pretexto de dogmas religiosos, falsos moralismos e na hipocrisia sedimentada por estatísticas inexistentes oficialmente, a "mídia-média" brasileira garante seu quinhão na divisão dos lucros da corrupção institucionalizada.
Fosse apenas um trailer pornográfico, com astros institucionais e empresas se prostituindo em troca de gordas cifras nauseabundas, talvez, um dia, o trágico poderia dar lugar ao cômico e as interjeições político-sexuais passariam aos anais da história como um período lamentável da chanchada brasileira. Mas o roteiro desse filme caminha, a passos largos, para as temáticas de terror, escorado pela bandeira da impunidade absoluta e insolúvel no maior país da América do Sul.
Vejamos os episódios mais recentes e sombrios do Caso Cachoeira: após contratar um ex-ministro da Justiça para atuar como seu advogado de defesa, o bicheiro conseguiu sua transferência do presídio de segurança máxima, em Mossoró/RN, para a porta do galinheiro, na penitenciária da Papuda, em Brasília/DF; nos dias seguintes, deputados e senadores da CPMI, instalada para investigar o caso, jantam em Paris com um dos envolvidos e a Comissão ganhou "novo foco", excluindo os principais suspeitos.
Um mês depois, o jovem juiz federal que autorizou os grampos contra a quadrilha e acabou prendendo Cachoeira, abandona o caso e é obrigado a sair do país, alegando ameaças de morte contra ele e sua família; na mesma linha de tiro, a procuradora do Ministério Público de Goiás que acompanha a ação pede proteção ao Conselho Nacional de Justiça por também ser alvo de ameaças de morte; o delegado da Polícia Civil que aparece várias vezes nas gravações telefônicas do caso está desaparecido há mais de uma semana; com diferença de três dias, dois agentes da Polícia Federal que atuaram na Operação Monte Carlo foram encontrados mortos em Brasília.
Tudo isso pode ser uma triste coincidência, mas ela cheira mal. Muito mal. Faz parte do universo sombrio produzido pela hipocrisia imperativa no que tange a pauta da legalização dos jogos no Brasil. E a imprensa "marronzista" (na melhor das expressões do antológico Odorico Paraguaçu), como meio formador de opinião, é um dos filhotes alimentados pela excrescência da manutenção dos jogos ilegais e, portanto, clandestinos e sem qualquer fiscalização de proa.
Quando você assistir ou ler uma matéria demonizando a jogatina, pode apostar: tem dinheiro sujo financiando esse marketing tergiverso. Até porque, legalizar os jogos no Brasil pode significar a redução drástica dos bilhões de reais que vertem impunes dos propinodutos financiados com o dinheiro dos nossos impostos. Não sejamos hipócritas, como eles desejam. Façamos uma reflexão profunda acerca do tema. Isso basta.
Escritor, Jornalista a Apresentador de TV
www.ipolitica.com.br - helder@heldercaldeira.com.br
*Autor do best-seller "A 1ª PRESIDENTA" (Editora Faces, 2011, 240 páginas) e Jornalista e Comentarista Político da REDE RECORD, onde apresenta o "iPOLÍTICA" e os telejornais "JORNAL MÉDIO NORTE" e "JORNAL PISOM"