O imperialismo segue sendo o principal inimigo da humanidade. Relativizar esse conceito é o mais grave dos erros políticos
Editorial da edição 489 do Brasil de Fato
Os alardeados bombardeios aéreos do governo Kaddafi, que serviram de pretexto para a intervenção militar da OTAN, comprovadamente jamais existiram. Silêncio total da grande mídia que comoveu o mundo com as notícias de civis destroçados por bombas. Os desmentidos repousam na mesma gaveta onde está a pasta "inexistência de armas de destruição em massa no Iraque".
A invasão de tanques e tropas da Arábia Saudita no pequeno Bahrein, promovendo a repressão da luta popular, mereceu minúsculas linhas e comentários de jornais. Poucos sabem de sua existência. Quase nada se falou das torturas, desaparecimentos e assassinatos políticos no Iêmen. Nada se fala dos presos políticos na Arábia Saudita e Marrocos. Quantos morreram nestes países? Quantos estão morrendo?
Diariamente, os jornais nos mantém atualizados sobre as mortes e crimes na Síria. Uma crescente e macabra estatística, em todos os telejornais.
É verdade. Ocorre uma verdadeira matança neste país. E os EUA anunciam, abertamente, o fornecimento de armas cada vez mais sofisticadas a alguns seletos grupos de oposição ao governo. Todas as mortes, ferimentos, explosões de bombas, são creditadas à ditadura genocida e sanguinária. Cresce a tensão fronteiriça com a Turquia, incondicional aliado dos EUA. O polêmico episódio da derrubada de um avião turco no espaço aéreo sírio nos recorda as escaramuças patrocinadas pelos EUA contra Cuba e Nicarágua.
Vai se montando o cenário.
Estamos assistindo a destruição da Síria. Querem derrubar o governo do presidente Bashar Al-Assad, não pelos seus eventuais problemas, mas por suas qualidades, por não ser submisso aos interesses do imperialismo na região. O objetivo é sangrar ao máximo a Síria, para causar uma comoção que permita superar os vetos da Rússia e da China e autorizar uma nova intervenção militar.
País criado a partir dos interesses do imperialismo inglês ao desmontar o império otomano, as fronteiras sírias foram definidas a partir do traçado da linha férrea que ligava Istambul a Beirute. Por conta disso, até hoje guarda profundas contradições entre os grupos étnicos e religiosos que permaneceram nas linhas traçadas num gabinete de Londres. Permaneceu como colônia francesa até 1946. Mas as tensões entre sunitas, xiitas, alauitas, drusos, curdos, cristãos, armênios e circassianos permanecem latentes. Conhecemos a habilidade dos estrategistas militares para fomentá-las, reavivá-las. Recordemos como os ingleses agiram na independência da Índia, fomentando o Paquistão, os belgas reavivando tragicamente o conflito entre tutsis e hutus para manter o controle sobre a atual Ruanda. E a forma como destruíram o perigoso Estado Iugoslavo que ameaça sobreviver soberano na Europa do leste.
A máquina estatal, encontra-se principalmente, no controle de uma minoria alauita, representada politicamente pelo governo da família Assad. Bashar al Assad herdou o poder de seu pai, Hafez al Assad que, por sua vez, era um dos principais herdeiros da principal corrente política árabe dos anos 1940-50, o nacionalismo pan-arabista. O nome de seu partido, que até hoje governa o país, é Baath, o mesmo nome do partido de Sadam no Iraque. O egípcio Gamal Abdel Nasser foi a principal liderança deste movimento.
Existe repressão efetiva e contradições populares com a ditadura Síria, que potencializaram as primeiras manifestações, duramente reprimidas. A grande diferença com as demais lutas democráticas nos países vizinhos é a presença direta dos interesses estadunidenses armando e financiando grupos interessados em ampliar a cifra de mortos e feridos entre a população civil. Curiosamente, as minorias armênias, cristãs e curdas temem muito mais os "rebeldes fundamentalistas" que o governo alauita de Assad.
As forças e movimentos populares ficam atônitos com esta situação. Como posicionar-se?
A questão é simples. EUA e Israel querem destruir o governo Sírio. Não aceitam sua reivindicação histórica pela devolução das colinas de Golan, ocupadas militarmente pelo Estado de Israel desde 1967. Não permitem a existência de um governo que além de não se submeter a seus interesses, preserva sua soberania nacional. Utilizam a influência de seu aliado incondicional Arábia Saudita, apostando em grupos fundamentalistas.
Uma guerra civil prolongada não serve hoje aos interesses da classe trabalhadora e das massas populares da Síria. Os que estimulam a continuidade da guerra civil agem como aliados das forças da OTAN, que já se posicionam na fronteira turca para um ataque contra mais esta nação árabe.
Momentos como este não permitem vacilações. Não se trata de apoiar o regime de Bashar Assad, mas de ter claro que é preciso barrar as ações do imperialismo na região. Aos que se iludem com uma possível rebelião popular em curso, basta recordar os recentes resultados da Líbia. O imperialismo segue sendo o principal inimigo da humanidade. Relativizar esse conceito é o mais grave dos erros políticos.
Não à guerra civil prolongada! Basta de assassinatos da população civil! Que cessem os ataques de ambas as partes e que seja construída uma saída política democrática, popular, progressista e anti-imperialista para a crise na Síria!
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