Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República Sexta
6 de Julho de 2012
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A Proposta de Lei apresentada pelo Governo segue um rasto de destruição do Cinema provocado pela política de PSD e CDS. Os cortes de 100% no apoio à produção cinematográfica foram uma opção deste Governo e não uma fatalidade. Na verdade, esses cortes resultam do incumprimento da Lei do Cinema em vigor e são utilizados como elemento de chantagem para a aceitação de uma nova lei. Há muito que o ICA vive exclusivamente da cobrança de taxas, apesar da ilegalidade dessa situação.
Sejamos claros: o Governo não cumpre a lei, contribui para que ninguém a cumpra, furta-se aos seus compromissos, congela apoios já aprovados e cancela a abertura de concursos para novos apoios. Com isto, à margem da lei, coloca em agonia, em asfixia, todo um sector, um vasto conjunto de indivíduos e coletivos que produz arte e cultura. O mesmo Governo que não cumpre a lei em vigor vem dizer que tudo se resolverá com uma nova lei, pior do que a vigente.
O que não se pode esquecer é que se hoje o sector atravessa as dificuldades que atravessa isso se deve única e exclusivamente à política do Governo e não à falta de uma nova lei. Não é por falta de lei que o governo não abre os concursos, não é por falta de lei que o ICA não paga o que deve aos realizadores e produtores. É, isso sim, por subserviência à troika e ao Pacto de Agressão, que fazem da cultura, do direito à fruição e criação artísticas, um luxo para quem pode pagar e do cinema apenas um mercado de entretenimento reservado às grandes produtoras e nas mãos do monopólio da distribuição.
Não é por falta de lei que a maior parte, a quase totalidade, das curtas-metragens portuguesas não tem apoios do ICA. Não é por falta de lei que o cinema português não passa nas salas de cinema, não entra no circuito de distribuição a não ser através de privados, associações e empresas, clubes e cineclubes, que por dedicação e empenho, prestam um autêntico serviço público, colocando à disposição do público o que de outra forma nunca veria a luz do dia. Mas esse trabalho é feito sem remuneração, sem remuneração do artista e sem remuneração do distribuidor e exibidor. Mas é também aí, em pequenos festivais, bares, cineclubes, que pulsa o cinema português. Para esse cinema, a lei em vigor seria suficiente, quisesse o Governo cumpri-la.
A proposta de lei tem como objetivo ganhar tempo para o governo não abrir os concursos, ganhar tempo para o Governo. Mas o PCP dará o contributo para que suceda o contrário, trabalhando na especialidade para que esta má Proposta de Lei possa ser alterada no sentido da responsabilização do Estado. O PCP entende que o financiamento das artes e da cultura é da responsabilidade direta do Estado. Pode ser complementada com recurso e afetação de outras receitas, nomeadamente as obtidas através de taxas de incidência específica, mas não aceitamos nem aceitaremos que o financiamento ao cinema independente seja sujeito às receitas da publicidade dos circuitos comerciais.
Entendemos a livre fruição e criação culturais como um direito constitucional de igual dignidade a todos os restantes e por isso o Estado tem perante as artes uma responsabilidade fundamental e indeclinável.
O PCP não aceita a chantagem do Governo. E desde já lança aos restantes Grupos Parlamentares o desafio para que aprovem a resolução que hoje mesmo entregamos:
Que o governo crie imediatamente um programa de emergência para apoio à produção cinematográfica, independentemente do desenvolvimento deste processo legislativo e que o Governo pague imediatamente os compromissos assumidos pelo ICA correspondentes a projetos aprovados e já em curso. Entendemos que só assim estarão criadas as condições para que a Assembleia da República não seja colocada na condição de braço administrativo do Governo, para que tenha o tempo e o espaço para fazer o que lhe compete, para que possa discutir livre e democraticamente o conteúdo desta proposta de lei.
Não concebemos a aprovação de uma lei, que deteriora o quadro legal em vigor, que demite o Estado das suas responsabilidades fundamentais, sem que a Assembleia tenha uma palavra a dizer par alterar o texto, ouvindo os agentes do sector, os interessados, os profissionais, os criadores, cineastas, técnicos, mas também as organizações representativas e aquelas entidades que aqui são taxadas.
Não deixa de ser curioso que os mesmos que aqui propõem quotas para os filmes apoiados pelo ICA nos circuitos comerciais tenham sido os que atacaram a proposta do PCP para a introdução de quotas para o cinema português. Ou seja, para este governo as quotas são legitimadas pelo crivo de uma política do gosto. Quotas para dinamizar e promover o cinema português não. Quotas para o cinema que o ICA decida apoiar, sim. Estranha forma de liberdade de mercado esta que a maioria defende.
Também não deixa de ser estranho que aqueles que rejeitam a proposta do PCP para cobrança de 0,75€ para legalização da partilha de ficheiros na internet e assim financiar a produção cinematográfica, sejam os mesmos que agora propõem uma taxa de 5 euros sobre a subscrição de canais, sem que o utilizador tenha qualquer espécie de melhoria do serviço.
Esta Proposta de Lei vem fazer com que a produção cinematográfica independente fique sujeita à dinâmica do mercado da publicidade, que fique sujeita ao investimento privado e que se autonomize assim do serviço público de arte e cultura. O PCP defende que o cinema, a produção e criação, tal como a fruição dessas produções, são direitos independentes do mercado do entretenimento, devem existir mesmo que não haja publicidade privada nos meios de comunicação social. O cinema livre e alternativo deve existir e ser financiado mesmo que não haja subscritores de canais desportivos, e deve ter um financiamento estável por parte do Estado.
Os cidadãos portugueses não querem que os seus impostos paguem salários de luxo de gestores de empresas públicas, lucros obscenos de parcerias público-privadas, juros à banca e favores ao FMI e à União Europeia. Os cidadãos querem que os seus impostos sirvam para melhorar a vida de todos e não apenas dos que vivem à grande enquanto os trabalhadores empobrecem. Os cidadãos portugueses querem que os seus impostos paguem a cultura, a arte, a criação, que garantam a liberdade criativa, que contribuam para democratizar a fruição, a arte nas ruas e nas salas de cinema. Queremos que os impostos de quem trabalha sejam aplicados em cinema, em arte, em cultura, e não em bancos e na salvação de criminosos e agiotas. Isso é que este Governo não tolera, porque para colocar 8 mil milhões de euros nos buracos da banca tem de sacrificar aproximadamente 530 anos de apoio à produção artística.
Disse.
Fonte: PCP