No rescaldo da greve geral do dia 22 de Março, vamos analisar por quê o povo português está frustrado, para não dizer desesperado. Portugal teve uma Revolução em 1974, cujos objetivos eram o fim da guerra colonial em África, a introdução de leis garantindo os direitos dos trabalhadores, o direito à participação política e social plena dos cidadãos e a modernização do país.
Dois partidos políticos estiveram no Governo desde então, nomeadamente o PSD (social-democratas) e o PS (socialistas). Nem o primeiro tem qualquer preocupação social nem o segundo é Socialista em nada, senão no nome. Ambos seguem uma política de direita e têm governado Portugal desde 1974 sozinhos ou numa coalizão/coligação, às vezes com o CDS / PP (democratas-cristãos, conservadores).
Os resultados desses quase 40 anos de má gestão política por parte do PSD, PS e CDS são os seguintes: o sector das pescas foi destruído e barcos espanhóis vêm pescar em águas portuguesas; o sector da agricultura foi dizimado, como se pode ver quando se atravessa a fronteira para Espanha, estéril de um lado e verde no outro; o sector industrial foi praticamente varrido do mapa. Agora é que eles de repente aperceberam que não há empregos para os jovens, que estão migrando massivamente para o exterior - 150.000 emigraram no ano passado. Numa população de 10 milhões?
Quem foi responsavel por esta situação? O Partido Comunista? Não. Vamos colocar a culpa naqueles que estiveram no Governo e não naqueles que passaram quase 40 anos a darem boas alternativas a um eleitorado que temia em eleger os mesmos, esperançado que de repente surja um Dom Sebastião. Azar. Sai sempre Cavaco ou um lacaio dele.
Por quê é que o povo português está frustrado? Porque há mais de 1,2 milhões de desempregados e se as autoridades portuguesas elaborassem os números correctamente, a cifra seria ainda mais. Nem todos que não conseguem arranjar um posto de trabalho contam como "desempregados" e no grupo daqueles que fazem o trabalho, uma enorme percentagem são trabalhadores precários, sem direitos plenos, que podem ser despedidos a qualquer momento, não podem usar o seu salário como garantia para comprar uma casa, conseguir um carro ... ou começar uma vida.
Por quê é que o povo português está frustrado? Que segurança tem nas ruas? Onde estão as agentes da polícia? O que fazem? Por quê é que rediziram o número de esquadras (uma velha cavacada)?
Por quê é que o povo português está frustrado? O sistema de saúde está se tornando um negócio - as pessoas têm que pagar para serem recebidas ("Quero marcar uma consulta para o meu marido, ele anda cansado e tem dor no peito". "Quem? Ai tem de esperar. Tenho uma consulta no dia 25 do próximo mês, se é que a senhora doutora aparecer. Ela está de baixa." Quem não ouviu isso?). As listas de espera são tão longas, que em muitos casos, a melhor coisa a fazer é desistir, ir para o setor privado, e, claro, pagar milhares de Euros para ser tratado. E viver.
E viver? Como, se o salário médio em Portugal é muito inferior a 1.000 euros (894 euros de facto)? Antes de impostos, isso é. Acrescentado a isso, existem cerca de 350.000 trabalhadores que recebem o salário mínimo (485 euros), 22 por cento da força de trabalho tem contratos de curto prazo. Agora vamos ver uma folha de despesa "média" para um orçamento familiar em Portugal (preços mínimos absolutos).
Aluguel: 500 Euro (naverdade, seria um desafio para encontrar qualquer coisa por esse preço nos dias de hoje em Lisboa), gás 30 euros; electricidade 30 euros; TV, Internet e telefone - pacote de 70 euros; celular 20 euros, transporte 27 euros para um passe de metro, muito mais para combinado Metro de trem, e passes de ônibus; água 20 euros; alimentos - entre os preços mais caros da Europa para fazer compras em supermercados - um mínimo de 300 Euros por mês para um casal sem crianças.
Por isso, vamos ver o nosso total: 997 Euro em despesas, 894 de rendimento por pessoa antes de impostos. Se os dois membros do casal receberem um salário médio (que não é o caso normalmente), em números redondos a renda bruta é 1.790 euros, menos imposto de renda, seria de cerca de 1350 euros e com despesas mínimas absolutas em torno de 1.000 euros. Ainda temos que levar em consideração um carro, combustível, roupas e se o casal tiver filhos ou parentes dependentes, obras na casa e assim por diante e vemos que o dia-a-dia do português é um pesadelo.
Com os meios de produção destruídos, os postos de trabalho são piores do que escassos, o futuro para os jovens de Portugal é pior do que sombrio, a dependência de uma criança na família já não é o final da adolescência, é mais provável ser o início da casa dos trinta. Imaginem os níveis de estresse que estas situações criem.
Então não é de surpreender que os cidadãos usam o único meio que eles têm para atrair a atenção do Governo, nomeadamente chamando uma greve geral. Duas observações aqui. Em primeiro lugar, a reação das autoridades e, segundo, da população.
A reação das autoridades foi previsivelmente estúpida, mas, novamente, o quê esperar daqueles que praticam políticas de estupidez endêmica? Para aqueles que retiram dinheiro da economia e depois reclamam quando esta não cresce...? Duuuuhhhhhh....
A tentativa de silenciar os órgãos de comunicação nas empresas que registram os efeitos reais da greve foi uma tentativa pueril de censura quando todos podem ver quão exasperados estão os portugueses; e com cada aumento no preço do combustível e eletricidade, vai piorar.
Deixemos que a verdade seja dito. No entanto, os policiais de choque são outra coisa e às vezes parece que eles são alimentados com fígados de tubarão antes da gaiola abrir e lá saem. No princípio da década de 1990, quando Aníbal Silva era primeiro-ministro e Pedro Coelho Presidente da Comissão Política Nacional do JSD, eu testemunhei algumas cenas horríveis quando estas...pessoas?...carregavam contra cidadãos inocentes na Ponte 25 de Abril, em seguida, na Marinha Grande, batendo nas mulheres na cabeça com cassetetes e na minha frente, em Lisboa, vi uma senhora idosa espancada no chão, chutada, e chamada de "puta de merda". Eu estava lá, ela estava em pé na calçada, sem fazer nada. Fui leventá-la. Essas cenas e o clima que seguiu foram eventualmente o suficiente para fazer Aníbal Silva atravessar o deserto político por dez anos, antes que ele cultivou cuidadosamente seu retorno.
Agora, com o mesmo Aníbal Silva Presidente e seu antigo protegido, Pedro Coelho, Primeiro-Ministro), começamos a ver as mesmas cenas novamente. Mulheres atacadas com cassetetes, piquetes fisicamente removidos das portões das fábricas ... não foi um caso, mas muitos, documentados na net. Basta alguns casos destes para a polícia portuguesa ganhar fama daquilo que não é. Curioso é que Aníbal Silva parece ser o denominador comum em todos os episódios de crises sociais em Portugal desde 1974.
Quanto à população portuguesa, vários comentários resumem como tais greves gerais são recebidas. Um deles: "o caminho a seguir é trabalhar, não parar. Temos que trabalhar juntos, como patriotas". Este tipo de demagogia bem, não é? Especialmente para a pessoa que arrota essas palavras para fora.
No entanto, é exatamente isso que eles querem - as pessoas a trabalhar, mais horas, por salários inferiores, sem direitos e sem garantias. Quem ganha com a crise? Com a queda no preço das casas, quem está a aproveitar? Quem está a zelar pelo aumento das rendas? Quem pode despedir trabalhadores com mais facilidade? Confiar nas pessoas que colocam Portugal na situação em que se encontra, trabalhando no duro para eles.... é como baixar as calças, virar-se e...
Outra: "Esses filhos da p..., a única coisa que eles sabem é não trabalhar e tornar as coisas difíceis para mim, se eu não trabalhar eu não sou pago".
Bem, pois, temos aqui o cerne da questão. Os grevistas não são "filhos da p...", são "patriotas", porque é a única maneira que têm de fazer o Governo sentir a necessidade de reconsiderar o rumo que está a produzir os efeitos que se vê. Ao invés de adoptar uma abordagem "nós e eles", a questão é, sem recorrer a uma Revolução, qual é a solução para salvar o pa+is deste bando de incompetentes?
O navio está afundando, todos estão pulando ao mar. O capitão e os oficiais estão bem,, eles têm um salva-vidas esperando por eles, pilotado pelo Almirante Silva e Vice-Almirante Coelho. Devem lá entrar também os Contra-Almitantes Assis e Seguro e o Capitão Portas. Será que aqueles e que ficarem no navio vão permitir que seus filhos afundem? Acho que não.
Não basta fazer greve. Há que continuar a acção social em manifestações e chamadas de atenção que obriguem a classe política a actuar de forma adequada. Deixar o país ficar neste estado é incompreensivel, a não ser que sejam uma cambada de idiotas. Há alternativas. Mas não dentro do PS e PSD.
Timothy Bancroft-Hinchey
Pravda.Ru