Milton Lourenço (*)
Quem passa pelo ferryboat na Ponta da Praia conhece os problemas que aquele sistema obsoleto acarreta no dia a dia de moradores e visitantes. Mas, antes de pensar na comodidade do usuário, é preciso olhar mais longe: não dá para prever se, daqui a algumas décadas, essa ponte virá a representar restrições à entrada de embarcações em razão de sua altura. Se, um dia, isso vier a ocorrer, com certeza, será o fim do Porto de Santos, tal como já ocorreu com os antigos portos do Recife e do Rio de Janeiro.
Há quem diga que, se a ponte for construída com um vão de 85 metros, tal como está projetada, dificilmente, oferecerá obstáculos. Mas a verdade é que, se já tivesse sido construída, teria dificultado a passagem de portêineres (guindastes sobre trilhos que percorrem o costado do navio) da geração super-post-Panamax totalmente montados. Quando esses portêineres vêm desmontados, o seu custo logístico é maior.
É de lembrar que, em 1950, o engenheiro Francisco Prestes Maia (1896-1965), ex-prefeito de São Paulo, ao idealizar o Plano Regional de Santos, previu uma ponte entre o bairro do Saboó e a Ilha Barnabé. Dizia que, se fosse erguida na Ponta da Praia, a ponte não só poderia prejudicar a navegação como seria alvo fácil em caso de ataque externo. E, portanto, no fundo do estuário, não haveria tanto risco. Era uma época em que os horrores causados pela II Guerra Mundial ainda estavam muito presentes.
Só que Prestes Maia, ainda que tenha deixado obras e projetos que comprovam sua genialidade, imaginava uma ponte com 50 metros de altura. Tivesse sido erguida à época, aquela região teria sido condenada à solidão: não haveria lá as instalações da Usiminas (antiga Cosipa) nem da Ultrafértil e de outras grandes empresas. Afinal, a experiência mostra que uma ponte - ainda que, por um lado, possa acelerar a integração - pode funcionar também como fator inibidor do desenvolvimento.
Foi o que aconteceu com o município de São Vicente, que acabou bastante prejudicado pela construção da quase centenária Ponte Pênsil (1914), cuja finalidade principal era conduzir o esgoto coletado nas cidades de Santos e São Vicente para seu lançamento no Oceano Atlântico, na Ponta de Itaipu, em Praia Grande, além de servir de passagem para veículos e pedestres.
Por tudo isso, é de concluir que um túnel que venha a ligar o Saboó com a margem esquerda do porto talvez seja a melhor opção. Ainda que seja a opção mais cara, o túnel oferece melhores perspectivas para a empresa privada que assumir a sua construção em troca de cobrança de pedágio por um período determinado de anos. Já a ponte prevista para a Ponte da Praia seria reservada ao tráfego leve e não desafogaria o trânsito pesado ligado ao cais do porto.
Empresários alemães já se ofereceram para construir o túnel porque detêm tecnologia para tanto, além de financiar outros projetos de estrutura do Porto. Esse tipo de construção não é nenhuma novidade, como sabe quem já passou pelo Canal da Mancha. Roterdã, na Holanda, há tempo dispõe desse tipo de túnel que, aliás, foi construído em terreno arenoso, tal qual o que existe na região aquática de Santos.
A verdade é que a construção de um túnel poderá também, no futuro, atrapalhar a navegação, impedindo a passagem de navios de maior calado. Além disso, o terreno arenoso pode causar danos com o tempo, talvez impulsionando o túnel para cima, o que exigiria pesos de contenção, tal como existem no túnel de Roterdã. Seja como for, as autoridades precisam fazer criteriosamente essa escolha e colocá-la logo em prática.
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