Fim do dólar?

Rodrigo Leitão*

Pouco antes do fim da Segunda Guerra, foi assinado o tratado de Bretton Woods no qual colocava o dólar estadunidense como moeda lastreada no ouro, referência monetária do Planeta.

Somente após a Segunda Guerra há uma transição energética de carvão para petróleo, com as tecnologias da Segunda Revolução Industrial, como o motor de combustão interna e o uso do petróleo no Plano Marshall. Além do surgimento de nova ordem mundial na disputa geopolítica entre EUA e URSS.

Finalmente, com a crise do Suez em 1953, os EUA se consolidam como o “hegemon” do ocidente, frente ao Reino Unido.

A chamada Terceira Revolução Industrial, que começa com a tecnologia dos "transistores", que se dá final dos anos de 1960, também coincide com o período de choques do petróleo de 1973 e o fim do tratado de Bretton Woods, que gera o chamado petrodólar numa parceria militar Saudita-Estadunidense, em troca da negociação exclusiva de petróleo em dólar.

Também é o período do desentendimento Sino-Soviético, na chamada deseStalinização para a URSS, onde Mao Zedong coloca Stalin como o último socialista soviético legítimo. Conflito que só acaba em 1978, após a morte de Mao, e o surgimento do Socialismo de Características Chinesas de Deng Xiao Ping, que perdura até hoje, com suas devidas revisões ao marxismo-leninismo.

Por outro lado, o processo de deseStalinização sofre grande golpe em 1991, quando ocorre uma das maiores quedas do preço de petróleo, que com fracasso das políticas de perestroika, levam ao fim da URSS, que acarreta também o fim da Guerra Fria e a unipolaridade dos EUA. Décadas depois, todos os países que desafiaram essa unipolaridade, vendendo petróleo em moedas que não o dólar estadunidense, sofreram e sofrem retaliações dos EUA: Iraque, Afeganistão, Venezuela, Irã, Líbia e Síria.

Porém, o mundo muda de figura novamente em 2014, quando a Rússia sofre embargos econômicos após ocupar a região da Criméia, onde, num referendo popular, 90% da população decide fazer parte da Rússia. Também é o momento do surgimento da parceria estratégica Sino-Russa.

A chamada Quarta Revolução Industrial compõe tecnologias como: IoT, 5G, inteligência artificial, blockchain e impressão 3D. Onde há corrida tecnológica entre China e EUA. Em termos energéticos, de 2014 para nossos dias, a China se propõe a produzir em escala e transformar viáveis produtos como aerogerador eólico, painéis fotovoltaicos e baterias de lítio. A questão climática se torna uma pauta importante e é criado, em 2015, o Acordo de Paris, que os EUA não assina, e com a revolução do Shale Gas passa a ser o maior produtor de petróleo em 2018.

A partir do ano de 2020, houve a reviravolta geopolítica por conta do coronavírus. Numa crise jamais imaginada, deu-se cara à nova matriz econômica global por dois vetores: a digitalização e a energia verde. Nessa linha, houve a reviravolta dos países que representam centros de gravidade da geopolítica mundial, ou seja: China, União Europeia e Estados Unidos da América. Tal reviravolta é materializada em pacotes econômicos numa linha de Green New Deal, na alusão ao pacote original da década de 1930.

Parceria sem limites

Em 2022, China e Rússia declaram parceria "sem limites" - jamais imaginada - devido às tensões históricas mencionadas. Além disso, houve a alfinetada em alianças militares costuradas, como Otan e Aukus, que é justificável vendo os últimos eventos em Taiwan e na Ucrânia. Além de a parceria Sino-Russa estar em seu melhor momento, também exibem reservas recordes de ouro. Seria esse o fim do petróleo como principal matriz energética e o dólar estadunidense como moeda franca do mundo?

As falácias destas revoluções - energética e monetária - procuram estabelecer o sistema financeiro apátrida e descolado das bases físicas como a nova e universal realidade.  Realidade que não suporta o mundo caminhando para oito bilhões de pessoas, com a maioria absoluta carente de tudo, de alimento, de emprego, de saúde e moradia, e mesmo da própria vida espiritual. Não é, como os açodados palpiteiros imaginam, a volta à Idade Média.

Na Idade Média prevalecia a descentralização, a vida feudal, que, se escravizava, também irmanava em busca de soluções, pois os problemas afetavam a todos. Hoje há imenso distanciamento, verdadeiro abismo, fundado numa riqueza estéril, improdutiva, que isola os homens.

Yanis Varoufákis

Como o ex-ministro grego Yánis Varoufákis explica, o mundo está em transição para uma nova forma de acumulação chamada de Tecnofeudalismo. Onde as grandes empresas de tecnologia criam uma nova casta de empregados, que não possuem qualquer direito trabalhista e estão iludidos na mentalidade que são empreendedores num momento austero rumo à prosperidade.

Porém está posta em xeque esta proposta ocidental por uma nova alternativa vinda do Oriente chamada Nova Rota da Seda. Onde a China se conecta com países da Europa, Ásia, África e até mesmo América Latina. Há aqueles que digam que haverá um imperialismo chinês, mas a grande diferença se dá através de fomentos projetos de desenvolvimento e infraestrutura que gerarão empregos de qualidade vindos do setor produtivo.

Não cabe mais um mundo unipolar onde um país exerce toda sua autoridade financeira com sanções, boicotes, além de seu privilégio exorbitante: a emissão de dólar.

 

* Rodrigo Leitão, engenheiro mecânico, cientista de dados.


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