Paraísos fiscais: Endereços da corrupção
Raramente surge nas mídias qualquer menção aos paraísos fiscais. A classe média, tão ciosa quando a corrupção atinge a classe política ou aqueles que se importam com a vida e o destino da sempre desvalida maioria da população, evita o tema dos paraísos fiscais. Por quê?
Vamos analisar a questão por parte.
Primeiro, por que e para que existem paraísos fiscais? Para proteção de um antiquíssimo poder: o poder do dinheiro, o poder das finanças, que há séculos financiavam guerras entre soberanos, ou batalhas entre outras expressões do poder (militares, políticas, comerciais), e que se tornavam reféns pela dívida. A possibilidade de ser expropriada por outro poder, de se ver intimidada, levou a expressão monetária a se refugiar, fisicamente e numa especial concepção de direito, no que veio a ser denominado “paraíso fiscal”. Alguns afirmam que a expressão decorre de má compreensão da expressão “tax haven” (refúgio fiscal) para “tax heaven” (paraíso fiscal).
Os paraísos são territórios, em breve acreditamos que serão endereços eletrônicos, onde os interessados criam a empresa, com ou sem identificação dos proprietários, que será a possuidora da conta bancária que receberá as transferências de dinheiro. Estas empresas têm, habitualmente, o endereço de diversas outras, pois são os locais de escritórios jurídicos, contábeis, financeiros que irão administrar a “empresa”. O banco não precisa estar em paraíso fiscal, embora isto também ocorra na maioria das vezes.
Marcos Antonio de Macedo Cintra, na Revista do IPEA, Edição 86 - 28/03/2016, escreveu: “Paraísos fiscais são Estados nacionais ou regiões autônomas que, por diferentes razões, possuem uma legislação favorável à movimentação e refúgio de capitais estrangeiros. Oferecem baixas alíquotas tributárias, proteção sob o sigilo bancário e/ou composição societária e, em alguns casos, frágeis mecanismos de supervisão e de regulamentação das transações financeiras”.
O custo de manutenção anual de uma empresa varia entre mil e cinco mil dólares estadunidenses (USD). O preço da abertura conforme a escolha do nome, ter ou não anonimato e alguma exigência do proprietário e do paraíso, este muito raramente, oscila entre USD 5 e 20 mil.
O que vai ser importante é a quantia de abertura da conta. Antes de 1980, na Suíça, tradicional paraíso fiscal, poder-se-ia abrir uma conta com dez mil dólares. Após as desregulações da década de 1980, da aplicação do Decálogo do Consenso de Washington (1989) e da invasão dos capitais marginais (de drogas, prostituição, corrupções, tráfico de pessoas, armas, órgãos humanos e outras ilicitudes), a partir de 1990, principalmente no século XXI, há numerosos bancos que não aceitam abrir contas inferiores a USD 10 milhões. Alguns só aceitam a partir de USD 100 milhões.
E os paraísos fiscais vêm proliferando. A relação que se segue enumera 84 paraísos fiscais e foi elaborada em dezembro de 2019.
I - Em territórios da Commonwealth Britânica (32):
1) Anguila (Caribe Oriental); 2) Antígua e Barbuda (Mar do Caribe); 3) Bahamas (Oceano Atlântico); 4) Barbados (Caribe Oriental); 5) Belize (América Central); 6) Bermudas (Oceano Atlântico); 7) Gibraltar (Espanha); 8) Granada (Caribe); 9) Ilha de Ascensão (Atlântico Sul); 10) Ilha Christmas (Austrália); 11) Ilha Norfolk (Oceania); 12) Ilhas Cayman (Caribe); 13) Ilhas Keeling (Cocos) (Austrália); 14) Ilhas Cook (Pacífico Sul); 15) Ilhas do Canal: Jersey, Guernsey, Alderney e as menores Houmets, Crevichou, Ortac, Casquets, Pierres de Lecq e Les Dirouilles. Há também a ilha Chausey, que pertence à França e não é paraíso fiscal) (Canal da Mancha); 16) Ilhas Man (Mar da Irlanda); 17) Ilhas Malvinas/Falklands (Atlântico); 18) Ilhas Pitcairn (Polinésia); 19) Ilhas Salomão (Pacífico); 20) Ilhas Turcas e Caicos (Caribe); 21) Jamaica (Caribe); 22) Ilha Monserrate (Antilhas); 23) Ilha Niue (Oceania); 24) Ilha Santa Helena (Atlântico); 25) Ilha Santa Lúcia (Caribe); 26) São Cristóvão e Neves (Caribe); 27) São Vicente e Granadinas (Caribe); 28) Ilhas Seychelles (África); 29) Toquelau (Polinésia); 30) Tristão da Cunha (Atlântico): 31) Tuvalu (Polinésia); e 32) City (bairro autônomo de Londres).
II - Em territórios estadunidenses (10):
1) Estados dos EUA: Dakota do Sul, Delaware, Nevada e Wyoming;
2) Ilhas Virgens Americanas (Caribe); 3) Ilha Guam (Micronésia); 4) Ilhas Marianas (Mar das Filipinas); 5) Porto Rico (Caribe); 6) Samoa Americana (Oceania); e 7) Ilhas Marshall (Micronésia).
III - Em territórios neerlandeses (4):
1) Países Baixos; 2) Antilhas Holandesas ou Neerlandesas (Caribe); 3) Aruba (Caribe); e 4) Curaçau (Caribe).
IV - Em territórios franceses (2):
1) Polinésia Francesa (Pacífico Sul); e 2) Ilhas Saint-Pierre et Miquelon (Atlântico Norte canadense).
V - Em Estados formalmente independentes (36):
V-1) no Oriente Médio (9): 1) Jordânia; 2) Catar; 3) Líbano; 4) Kuwait; 5) Bahrein; 6) Iêmen; 7) Emirados Árabes Unidos; 8) Omã; e 9) Irã (ilha Queixome).
V-2) na Ásia e Oceania (9): 1) Brunei; 2) Hong Kong; 3) Malásia (Labuão); 4) Ilhas Fiji; 5) Samoa; 6) Ilhas Maldivas; 7) República Kiribati (Pacífico); 8) Nauru (Micronésia); e 9) Ilhas Palau (Micronésia).
V-3) na Europa (7): 1) Andorra; 2) Suíça; 3) Liechtenstein: 4)Mônaco; 5) Noruega; 6) San Marino; e 7) Luxemburgo.
V-4) no Continente Americano (6): 1) Costa Rica; 2) Dominica: 3) Guiana; 4) Honduras; 5) Panamá; e 6) Uruguai.
V-5) na África (5): 1) Suazilândia (Essuatini); 2) Ilhas Maurício; 3) Gâmbia; 4) Libéria; e 5) Djibuti.
Macedo Cintra prossegue sua análise dando a dimensão dos paraísos fiscais: “Segundo as estatísticas do BIS (Bank for International Settlements) havia US$ 4,2 trilhões ancorados nos centros financeiros offshore, em junho de 2015, sendo US$ 2,6 trilhões dos bancos, US$ 353,3 bilhões de outras instituições financeiras e US$ 282,1 bilhões das corporações. Somava US$ 1,1 trilhão, em junho de 2000, resultando em um aumento de 348,8% nos últimos 15 anos. O economista norte-americano Gabriel Zucman (2015) calcula que 8% da riqueza financeira global estariam nos paraísos fiscais, cerca de US$ 7,6 trilhões, em 2014, o que implicaria perdas de US$ 143 bilhões de receitas para os governos” (trabalho citado).
Para 2020, a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) estimou “o mínimo” de USD 11,3 estejam mantidos fora do país de origem.
O segundo ponto é a corrupção, as ilicitudes.
Se os valores elevados existentes nos paraísos fiscais tivessem origem e destino lícitos não haveria sentido nos escândalos que vez por outra aparecem, ainda que quase sempre sejam abafados em razão dos personagens envolvidos.
Por que o Pandora Papers? Entre outros 65 brasileiros listados pela CUT em sua publicação de 04/10/2021, estavam o todo poderoso ministro da economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, neto do ministro do Marechal Humberto Castello Branco, Roberto de Oliveira Campos.
Nos últimos anos, a pletora de dinheiro ilícito fluindo pelo sistema financeiro internacional, fez surgir o Swiss Leaks, envolvendo o banco inglês, criado para inundar a China de ópio, Hong Kong and Shanghai Banking Corporation (HSBC), criado em 1865; o Luxemburgo Leaks, naquele país europeu, articulado pelas empresas de auditoria: Pricewaterhousecoopers, KPMG, Ernest&Young e Deloitte; os Panama Papers e, aqui no Brasil, o escândalo da CC5, envolvendo o Banestado, em setembro de 1999, quando se soube que US$ 124 bilhões haviam saído ilegalmente do país. Em todos estes casos, só personagens secundários, empregados de bancos, pequenos doleiros foram incriminados. Nenhum banqueiro ou dono de conta sofreu qualquer dano ou prejuízo, e ainda conseguiram afastar os funcionários públicos brasileiros que investigavam o crime e não se corrompiam. Apenas reavivando a memória, o caso Banestado/CC5 ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso.
De acordo com o Banco Central, a saída de divisas do Brasil, exceto montantes confidenciais para o Bahrein, a partir do golpe de 2016, foi a seguinte, em bilhões de dólares estadunidenses: 2016: USD 299; 2017: USD 358; 2018: USD 346; 2019: USD 385; e 2020: USD 412.
Finalmente, os paraísos fiscais podem contar com a discrição da imprensa. Afinal, é razoável considerar que a grande imprensa, aqui e no exterior, tenha seus donos como clientes dos paraísos fiscais. E são todos neoliberais, globalistas e, como o megaespeculador George Soros, inimigos dos nacionalistas.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.